A "Prostituta de Roma" - que me perdoem as mulheres pela comparação depreciativa para elas - como já foi chamada a ICAR, adota, historicamente, comportamentos nauseabundos, motivados, invariavelmente, por seus interesses econômicos, travestidos de religiosidade.
No caso do bloqueio a Cuba, ocorrido à época em que o fundamentalista católico John Kennedy presidia o país ianque, não tenho a menor dúvida de que foi induzido pela "hidra papista" (que temia a expansão do comunismo e do ateísmo nas Américas e, consequentemente, a perda do seu curral) a responsável pela medida que vitimou o povo cubano durante mais de 50 anos. Ademais, noticiam que outra medida dos revolucionários cubanos atingiu em cheio a Igreja: a grande reforma agrária implantada no começo do ano de 1960 pelos revolucionários. Finalmente, o regime dos Castros atacou também o que de mais precioso existe para a expansão do culto católico: as escolas privadas.
Agora, como Raul Castro abriu as pernas e decidiu conversar com a Igreja, retomando o que as desavergonhadas lideranças católicas costumam chamar de "liberdade religiosa", ou seja, permitindo que a Igreja volte a explorar a credulidade do povo cubano, o Papa dá uma de bonzinho e intermedia a suspensão do odioso bloqueio norte-americano.
-=-=-=-=
Cuba e a Igreja Católica
As relações entre a Igreja Católica e Cuba vêm sendo marcadas por oscilações, sem que se possa adiantar até quando durarão as incertezas reinantes em relação à posição que o Vaticano adotará nos próximos anos.
Em 1962, o papa João XXIII excomungou Fidel Castro após este declarar-se “marxista-leninista”, além de determinar o fechamento das escolas religiosas no país. Com o advento da nova Constituição cubana, em 1976, Cuba tornou-se um Estado “ateu”, chegando a abolir o Natal como dia santificado.
Decorridos vinte anos, João Paulo II recebeu Fidel Castro no Vaticano e, dois anos após essa visita, o papa esteve em Havana, manifestando-se contra o isolamento de Cuba imposto pelos Estados Unidos. Naquela oportunidade, restabeleceu o feriado do Natal, eliminando as restrições ao ingresso de religiosos no Partido Comunista.
Assim, neste processo de idas e vindas, Cuba continuou convivendo com o Vaticano, tendo Raúl Castro, tão logo assumido a chefia do governo, convidado Bento XVI para visitar a Ilha. Nada ficou assentado quanto a um possível encontro com Fidel Castro.
O cardeal Jaime Ortega, nomeado por João Paulo II, assumiu a função de mediador na negociação havida entre Raúl Castro e as mulheres dos presos políticos. Em consequência, foram liberados 130 detidos, sendo que 90% deles tomou rumo do exílio.
Nos dias que antecederam à visita, os dissidentes do regime empenharam-se junto ao papa Bento XVI no sentido de que este intermediasse suas reivindicações junto ao governo, em especial aquelas que importassem na liberação dos que ainda continuassem detidos.
Embora a Igreja mantenha duas revistas (“Palabra Nueva” e “Espacio Laical”) que se ocupam de debates políticos e econômicos, subsistem as restrições aos programas de rádio e às escolas católicas. Curiosamente, Cuba e Vaticano, mesmo em desacordo quanto à situação ainda reinante, jamais romperam as relações diplomáticas.
A população católica que, em 1959, atingia a 70%, é estimada, atualmente, em 30%, sendo que apenas 5% dos católicos frequentam missas regularmente.
Às vésperas da chegada de Bento XVI, quando se esperava um apaziguamento, ainda que transitório, entre a Igreja e o governo castrista, ocorreu a detenção de 70 críticos do regime, incluindo 25 mulheres do grupo “Damas de Branco”, detidas por agentes do estado. Os ativistas não se intimidaram com essas prisões, que ocorreram em Santiago de Cuba e Havana, cidades onde o papa Bento XVI celebrará missa.
A despeito de toda pressão ocorrida, até agora, em prol da intervenção do Papa junto ao presidente Raúl Castro, tudo faz crer que a Igreja não se envolverá abertamente nos conflitos internos do país.
Basta lembrar que, quando da ocupação das igrejas pelos dissidentes, a cúpula católica considerou “ilegítimo” e “irresponsável” o protesto havido. Isto demonstra o desinteresse do papa atual em assumir posições radicais em relação ao que venha ocorrendo, ficando a certeza de que o processo de abertura será lento e gradual, afastadas, pois, providências imediatas que possam ser interpretadas como de hostilidade ao regime castrista.
Fonte: http://www.atheniense.com.br/
-=-=-=-=
-=-=-=-=
A Igreja católica, a política e a sociedadade
Aurelio Alonso
RESUMO
Este trabalho tem por objeto analisar as relações entre a Igreja católica e o Estado socialista cubano ao longo dos anos que se seguiram à Revolução. Para isso, estabelecemos uma cronologia dessas relações que contempla os atritos e conflitos, assim como os diálogos que foram se desenvolvendo. Desde a expulsão de um bispo e sua deportação para a Espanha junto com sua diocese, após a Procissão da Virgem da Caridade do Cobre que acabou em marcha contra a revolução, em Havana, em 1961, até a visita do papa João Paulo II, em 1998, passando pelas conciliações e reestruturações da Igreja católica na Ilha. A todo momento, como pano de fundo, leva-se em consideração o dilema entre "revolução ou catolicismo" instaurado em 1959. O trabalho traça, dessa forma, o longo caminho que vai do desencontro até o clima de liberdade religiosa atual e o diálogo conciliatório entre Estado e Igreja em Cuba.
(...)
O sistema de relações que sustentavam as instituições católicas na sociedade cubana durante a primeira metade do século XX não é muito diferente daquele que predominava na América Latina na época, e que, além
das tendências que deram lugar a uma religiosidade comprometida efetivamente com os pobres, continua vigente no resto do continente. As tensões da hierarquia eclesiástica com o regime sandinista na Nicarágua nos anos 1980, e com os projetos socializadores na Venezuela, no Equador e na Bolívia na última década, para citar só exemplos evidentes, são testemunhos da recorrência do desencontro das igrejas com os projetos da esquerda no continente.
O acontecimento da vitória revolucionária em Cuba e o catolicismo
Com frequência, tenho ressaltado que, quando ocorreu a vitória da Revolução de 1959, a Igreja, que não tinha vivido ainda a renovação que introduzia o Concílio Vaticano II, não contava com uma projeção que possibilitasse uma conexão ajustada com a intensidade da mudança que acontecia na vida política e econômica, e nas coordenadas do pensamento social.
Quando se analisa o modo como a polarização das hierarquias católicas de nossa América tem se comportado, nos 50 anos do pós-concílio, diante de qualquer projeto de mudança política radical, não podemos deixar de mencionar aquela referência de mudança conciliar como algo essencialmente conjuntural. A Igreja viveu também uma "restauração" pós-conciliar no contexto das relações capitalistas dependentes no continente.
Em tais condições, aventuramo-nos a dizer que o caso cubano representava para sua Igreja um desafio diferente, mais que de restauração, de reconstrução de nexos com uma sociedade que mudou e continua mudando, com um curso histórico substancialmente diferente e, claro, com um Estado radicalmente distinto na orientação do exercício de autoridade, que não responde aos interesses de uma estrutura de exploração de classes, independentemente de suas virtudes e das deficiências que possamos apontar na gestão de governo.
Para a maior parte da população cubana crente, o dilema dos anos 1960 se apresentou como uma contradição: "catolicismo ou revolução". Esse dilema era mais agudo pelo fato de que a assimilação estatal do marxismo ao cânone ortodoxo soviético, doutrinariamente ateísta, longe de contribuir para atenuar a incompatibilidade, a generalizava, até mesmo, em termos de "religião ou revolução".
A atmosfera de tensão atingiu sua maior intensidade entre 1960 e 1962, embora não faltassem critérios e ações, partindo tanto dos meios católicos como dos marxistas, que, em certa medida, contribuíam para manter o diálogo. Porém, como afirma Giulio Girardi (1994, p.109), além dos compromissos de classe que garantiam o sustento das instituições eclesiásticas, as Igrejas "não se opõem à revolução primariamente por ela ser contra os interesses da burguesia e do império, mas porque propõe um sistema de valores, uma interpretação da realidade, uma concepção do homem novo e um projeto educativo que são alternativos aos da Igreja". Não se tratava simplesmente, se admitimos a validez desse juízo, de um compromisso de classe diante de uma revolução radical, mas de se acoplar a um sistema que impõe um padrão novo na relação entre a Igreja e o Estado.
No final da década de 1960, agências do governo norte-americano, respaldadas pela Igreja nos Estados Unidos, levaram adiante uma manobra para estimular a emigração maciça de cubanos menores de idade sob a presunção de que o Estado socialista tentava privar a família da "patria potestas" e dispor do destino dos filhos. Muitos católicos cubanos, estimulados pelo clero, acreditaram nisso e propiciaram o êxodo de seus filhos por mais de um ano, atingindo mais de 14 mil crianças de famílias católicas na chamada "Operação Peter Pan". Boa parte das crianças teve que crescer separada de seus progenitores, que não puderam se juntar a elas depois. Não foram poucos os episódios de confrontação que ocorreram naqueles primeiros anos, porém creio ser necessário me deter ao assunto nesse momento.
O poder revolucionário marcou sua presença quando a procissão da Virgem da Caridade do Cobre, em 1961, em Havana, converteu-se numa manifestação política contra ele, respondendo com a deportação para Espanha de um bispo da arquidiocese e 131 padres e religiosos, a maioria deles espanhóis. Sobreveio, então, o enfraquecimento institucional da Igreja, marcada, nesse momento, pelo estigma da oposição e pela preponderância no sistema político de um doutrinarismo ateu, com créditos marxistas, que se traduziria em anos de restrições discriminatórias para os crentes, especialmente para católicos praticantes.
Houve, contudo, um novo posicionamento dos bispos em 1969, no mês de abril, quando apresentaram a primeira carta pastoral contra o bloqueio imposto pelos Estados Unidos a Cuba, na qual lemos:
Denunciamos esta injusta situação de bloqueio que contribui para somar sofrimentos desnecessários e tornar mais difícil a busca pelo desenvolvimento. Apelamos, portanto, à consciência de todos aqueles que estiverem em condições de resolver essa situação para que empreendam ações decisivas e eficazes destinadas a conseguir por um fim a essa medida. (La Voz de la Iglesia en Cuba, 1995, p.175)
Numa segunda carta pastoral, em setembro do mesmo ano, os bispos expressam:
Devemos nos aproximar do homem ateu com todo o respeito e a caridade fraterna que merece uma pessoa humana pelo mero fato de sê-lo. Não devemos excluir a honestidade de sua tomada de posição, [...] nem devemos evitar a colaboração na ordem prática de nossas realizações terrenas. [...] Há um campo enorme de empenho comum entre todas as pessoas de boa vontade, sejam ateus ou crentes. (ibidem, p.177)
Como se pode observar, a Igreja tomava a iniciativa de mostrar diante do Estado socialista uma disposição corretiva de acoplamento à mudança que tinha se iniciado uma década atrás, enquanto propunha a solução, para o crente, do dilema "religião ou revolução". Por solução entendo, aqui, mostrar que o dilema não é tal qual era apresentado. Isto é, que pode ser superado.
Uma reação explícita da liderança política condizente com esse passo foi visível só em gestos isolados, mas não na abertura de espaços, à qual aspirava uma Igreja com um clero muito reduzido em número e sem autorização para propiciar uma imigração significativa de padres, com reduzidas vocações sacerdotais dentro do país, privada de escolas católicas e acesso aos meios maciços de comunicação, e sem subsídio do governo. Navegando, ainda por cima, num contexto sociopolítico que privilegiava o ateísmo.
Com aquela declaração, a Igreja havia dado, contudo, um passo que com o tempo seria emblemático e auspicioso, embora no início fosse recebido com reticências ou com um pouco de surpresa por parte das autoridades políticas, que estavam na véspera do primeiro contratempo de seu projeto socialista. Refiro-me ao contratempo da "Safra dos 10 milhões", que não era outra coisa senão o resumo de uma crise do modelo econômico cubano, se podemos chamá-lo dessa maneira. O alinhamento subsequente de Cuba ao modelo soviético, que proporcionaria um melhoramento indispensável para a economia cubana, não propiciava, no meu juízo, o clima para um diálogo sem preconceitos entre a Igreja e o sistema político socialista. Embora seja preciso sinalizar que tampouco a falta de diálogo produziu um retorno às tensões, não creio que a normalidade nas relações nos seguintes anos às pastorais permita qualificativos positivos significativos; limito-me a caracterizar essa fase, em todo caso, como distendida.
O caminho seguinte da normalidade: do convívio à cooperação
A partir da década de 1980, é visível um claro processo de reanimação da espiritualidade religiosa e da atividade eclesiástica católica (e religiosa em geral), em oposição às duas décadas precedentes, que poderíamos considerar como de retrocesso diante da hegemonia ideológica do ateísmo, consagrado desde 1975 no primeiro congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), e revisado em termos oficiais só no quarto congresso, em 1991. Entendo por reanimação signos evidentes, às vezes dados provados, de crescimento do número das comunidades religiosas, aparecimento de novas expressões de fé e a desinibição de um número de pessoas que se reconhecem como crentes. Aliás, a partir desse momento, podemos falar de uma "inserção ativa das instituições e movimentos religiosos na sociedade civil cubana" (Rey & Castañeda, 2002).
O aggiornamento não podia repetir a experiência que teve que viver a Igreja cubana no começo da república pós-colonial,1 porque, agora, com a exclusividade do sistema público de educação e a expropriação dos estabelecimentos privados em 1961, o Estado revolucionário despojava a Igreja do principal instrumento de influência. A Igreja se veria na necessidade de realizar essa segunda reanimação em condições menos vantajosas, tendo em vista as restrições impostas pela mencionada projeção ateísta, ao menos até o começo da década de 1990.
O desenvolvimento do posicionamento da Igreja na década de 1980, refletido no documento final do Encontro Nacional Eclesial Cubano (Enec), de 1986, tinha sido já um indicativo da recuperação da presença católica. Paralelamente, foi publicado, em 1985, Fidel y la religión, produto de 23 horas de entrevistas do dominicano brasileiro Frei Betto com Fidel Castro, no qual o chefe de Estado cubano reconhece que existem elementos discriminatórios na política do socialismo cubano contra a fé religiosa a serem superados, e se estende em considerações que anunciam uma disposição para a mudança de política.
Não é possível encontrar no discurso de Fidel uma tradução da condição de não crente em ateísmo doutrinário. Ainda nos momentos de maior tensão, suas críticas foram dirigidas contra o alinhamento político da hierarquia, confrontado com o exemplo dos primeiros cristãos. Em 1971, no Chile, Fidel se mostrou motivado pelo movimento sacerdotal Cristãos pelo Socialismo e, em 1977, numa reunião com religiosos na Jamaica, mostraria a mesma postura.
A visita do papa João Paulo II a Cuba em 1998 foi um acontecimento religioso de muita relevância, porém já entra no contexto de um processo de franca reanimação espiritual. Portanto, não pode ser considerado como sua causa, no sentido mais estrito. Tampouco teve sua origem na crise econômica cubana de começo da década de 1990, embora deva-se reconhecer que esse foi um fator que teve uma grande incidência. O fracasso do pacote de soluções sociais aos problemas materiais contribuiria para acentuar a busca de saídas, efetivas ou simbólicas, pela via individual.
Aquilo que identificamos como reanimação não constitui exclusivamente (e nem sempre essencialmente) um efeito de crescimento numérico, embora esse dado seja, geralmente, o mais visível.
Depois da queda do Muro de Berlim em 1989, esperava-se a desmontagem do socialismo mundial, da qual a experiência cubana não deveria ficar indene. Um novo documento pastoral dos bispos em 1993, O amor tudo espera, dava outra conotação ao Documento final do Enec, com uma interpretação local da doutrina social católica para um mundo que deixava de ser bipolar, no qual haveria que colocar a atenção no fracasso do socialismo e sentar as coordenadas de um projeto alternativo, uma terceira via, reservando para os católicos uma esfera de protagonismo (Alonso, 2002, p.29-55). Ressurgiram tensões, porém também se dissiparam rapidamente; ao Estado cubano não interessava que fosse de outra maneira, e à Igreja tampouco.
A designação de um cardeal cubano em 1994 se inscrevia no processo de recuperação institucional e culminava no amadurecimento de condições procuradas no entorno católico para receber o papa numa "Igreja nova". Não houve outro cardeal desde a morte de Manuel Arteaga Betancourt em 1964. Essa decisão era um signo de reconhecimento da revitalização católica conseguida na Ilha. Desde suas primeiras homilias, editoriais e documentos pastorais, Ortega mostrou um discurso integrador, que combinava o tom crítico e ao mesmo tempo disposto ao diálogo, numa sociedade que caía em cheio no buraco aberto pelo impacto das carências ocasionadas pelo retrocesso da economia após a derrubada socialista-soviética; e, ao mesmo tempo, ativava um processo de fortalecimento institucional, eclesiástico e laical.
Em 1989, a estrutura diocesana do país estava composta ainda por cinco dioceses e duas arquidioceses com seus prelados correspondentes; a configuração territorial e hierárquica quase não havia mudado em 30 anos. Na atualidade, existem 11 dioceses e três arquidioceses, e funcionam cerca de 200 templos. O número de sacerdotes, que permaneceu estagnado durante anos, aumentou para mais de 400 e seu crescimento já não representa um problema para a fé católica do país. Em 2010, foi inaugurado um novo seminário diocesano com excelentes condições de alojamento para o estudo e a consagração à vida espiritual. O movimento laico católico, que havia ficado quase invisível, também se revitalizou durante esse período, com uma intelectualidade jovem e ativa. O número de publicações católicas cresceu marcadamente, e seu engajamento nos problemas sociais é notável, mesmo em temas polêmicos dentro da sociedade cubana.
Para a visita do papa, trabalharam, talvez pela primeira vez, em coordenação e com o mesmo propósito desde 1959, a Igreja e o Estado socialista cubano. Desapareceu o falso dilema que percorreu a imprensa antes da visita: aquele que especulava para quem ficaria o sucesso ou o fracasso da visita. Finalmente, o sucesso se revelou integrador e o fracasso ficou reservado para a intransigência (Alonso, 2000). Possivelmente, também pela primeira vez em quatro décadas, a população encontrou nos meios de comunicação uma mensagem diferente da oficial. O papa foi o verdadeiro dono do palco midiático durante cinco dias.
O atual secretário de Estado, Tarcisio Bertone, lembra em seu recente livro sobre a vida do papa Wojtila: "Fidel Castro mostrou afeto pelo papa, que já estava doente, e João Paulo II me confiou que possivelmente nenhum chefe de Estado tinha se preparado tanto para uma visita de um Pontífice".2 O autor também comenta que Fidel conhecia as encíclicas e os principais discursos do papa, e até mesmo algumas de suas poesias.
O presente complexo: entre possibilidade e desafios
Em homilias, editoriais e intervenções públicas do cardeal Ortega (ou seja, a partir de 1994), é fácil encontrar passagens que mostrem o nível que atinge o discurso eclesiástico cubano em termos de entendimento com o processo de construção da sociedade. Com frequência, recorro à seguinte citação, extraída de uma exposição no ano 2000, por considerá-la uma das mais representativas no plano global:
Revolução em Cuba é, pois, nacionalidade, futuro, independência. O fato que divide a história de Cuba no século XX em duas metades está condensado numa frase: o triunfo da revolução, pois se considera que em 1959 se atingiu, finalmente, a autêntica possibilidade de realizar o projeto da revolução tantas vezes sonhado [...] (Alamino, 2002, p.998)
Por sua vez, a pastoral católica cubana retém um corte tipicamente "eclesiocêntrico". E com a exceção de um grupo muito reduzido de laicos, a intelligentsia católica cubana (laicos e clérigos) que se formou nas últimas décadas se orienta de maneira bastante ortodoxa pelo pensamento pontifício que articula a Doutrina Social da Igreja. Em Cuba, a homogeneidade doutrinal dos intelectuais orgânicos ao catolicismo compete com a homogeneidade atribuída à intelectualidade marxista orgânica. Às vezes, podemos perceber mais incondicionalidade e exclusão, e menos diversidade, entre os católicos que entre os marxistas. Ou, ao menos, tanto entre uns quanto entre outros, porque comparar é difícil (e nada útil) nesse campo.
Quando se diz que as relações entre a Igreja e o Estado são normais, dever-se-ia definir a normalidade: falamos sempre de coincidências consensuais no projeto social, e de uma relação explícita de cooperação, ou falamos de um entendimento baseado em uma combinação de respeito e tolerância entre o Estado e a instituição civil que com mais sistematicidade problematizou (por não dizer obstaculizou) um acoplamento ordenado com o sistema, a Igreja católica?
Considero que deveríamos falar de uma normalidade acidentada. Ainda que de nenhuma maneira caracterizada pelo imobilismo: a multiplicação de canais de entendimento entre o catolicismo e as complicadas dinâmicas socioeconômicas do sistema cubano são evidentes. E explicam a aceitação por parte do governo, em 2010, do papel mediador do cardeal (representando a Igreja) para que manifestações de oposição fossem toleradas, e também para que se produzisse uma solução na libertação de presos processados por ações de oposição ativa violando a legalidade vigente. No informe central com o qual foi inaugurado o VI Congresso de PCC, Raúl Castro aludiu a essa mediação afirmando que: "efetuamos isto no marco de um diálogo de respeito mútuo, lealdade e transparência com a alta hierarquia da Igreja católica, que contribuiu com seu trabalho humanitário para que essa ação chegasse a um termo em harmonia e cujos louros, em todo caso, correspondem a essa instituição religiosa". Com a precisão sobre "os pontos de vista nem sempre coincidentes" entre Estado e Igreja, embora "construtivos" (Informe central..., 2011).
Justifica-se pensar que a valoração desse episódio em um documento tão relevante na política do país significa que esse não é considerado um dado conjuntural, e sim algo que pode se converter em antecedente de colaborações futuras.
Podemos afirmar, a essa altura, que o catolicismo resgatou uma influência institucional e, ao mesmo tempo, um lugar significativo na demografia religiosa cubana. Foi criado um espaço para a Igreja católica, proporcionalmente mais compartilhado, hoje, com o mundo das denominações protestantes e com a presença da religiosidade de origem africana, que não se limita a santeiros e "paleros",3 em sentido rigoroso, mas que atravessa amplos setores da freguesia católica. Ainda que a Igreja católica se mantenha doutrinariamente relutante em aceitar ao menos o caráter institucional de religião para esses sistemas de crenças. Em todo caso, o espectro religioso cubano de hoje talvez seja o que maiores conquistas reflete, na história de Cuba, na superação de discriminações e na contribuição para fomentar um clima de liberdade religiosa sem diferenças de credos.
Notas
1 O apoio constante oferecido pela hierarquia ao poder colonial espanhol ante as forças que lutavam pela independência de Cuba fez que a república nascida em 1902 estivesse marcada pela influência de posturas anticlericais. Foi a opção por uma escolarização elitista, por meio das escolas católicas que cresceram exponencialmente no primeiro quarto do século, a responsável pela recuperação institucional.
2 Agência EFE, 22 de abril de 2011.
3 "Palo" ou "Las Reglas de Congo" são agrupamentos religiosos de origem banto desenvolvidos na América Central e nas Antilhas pelos escravos trazidos da África. A palavra palo (pau) é utilizada em Cuba para designar essa religião, devido ao uso de paus de madeira para a preparação do altar. Os "paleros" (também conhecidos como Ngangeros), portanto, são os seguidores dessa religião (N.T.).
Referências
ALAMINO, J. O. (Card.) Te basta mi Gracia. Madrid: Ediciones Palabra, 2002. [ Links ]
ALONSO, A. La Iglesia y el contexto sociopolítico cubano: antecedentes y perspectivas de la visita pastoral de Su Santidad Juan Pablo II. Cuadernos del Aula Fray Bartolomé de las Casas, Havana, n.3, mar. 2000. [ Links ]
_______. Iglesia y política en Cuba. 2.ed. Havana: Caminos, 2002. [ Links ]
BETTO (Frei). Fidel y la religión. Havana: Oficina de Publicaciones del Consejo de Estado, 1985. [ Links ]
ENCUENTRO NACIONAL Eclesial Cubano - Enec. Documento final. Roma: Tipografia Don Bosco, 1986. [ Links ]
GIRARDI, G. Cuba después del derrumbe del comunismo. ¿Residuo del pasado o germen de un futuro nuevo? Madrid: Editorial Nueva Utopía, 1994. [ Links ]
INFORME central al VI Congreso del Partido Comunista de Cuba. Granma (edición especial), Havana, 17.4.2011. [ Links ]
LA VOZ de la Iglesia en Cuba. 100 documentos episcopales. México: Obra Nacional de la Buena Prensa, 1995. [ Links ]
REY, A. del; CASTAÑEDA, Y. El reavivamiento religioso en Cuba. Temas, Havana, n.31, oct./dic. 2002. [ Links ]
Recebido em 2.5.2011 e aceito em 9.5.2011.
Aurelio Alonso é sociólogo e ensaísta cubana. Professor adjunto da Universidade de Havana e professor visitante da Universidade Central de las Villas. Atualmente é subdiretor da revista Casa de las Américas. @ -aurelius@cubarte.cult.cu
Tradução de Diego Molina. O original em espanhol - "La Iglesia católica, la política y la sociedad" - encontra-se à disposição do leitor no IEA-USP para eventual consulta.
Fonte: http://www.scielo.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário