Apelação Cível n. 2015.024901-7, de Correia Pinto
Relator: Des. Jorge Luis Costa Beber
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS CESSANTES. RÉU QUE DISPARA ARMA DE FOGO CONTRA DOIS EQUINOS DE PROPRIEDADE DO AUTOR, LEVANDO UM DELES A ÓBITO NA OCASIÃO E FERINDO GRAVEMENTE O OUTRO, CAUSANDO-LHE PROBLEMAS DE LOCOMOÇÃO, IMPOSSIBILITANDO A SUA UTILIZAÇÃO EM COMPETIÇÕES ESPORTIVAS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECLAMO DE AMBAS AS PARTES.
PEDIDO DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA FORMULADO PELO RÉU. RECOLHIMENTO DO PREPARO. PRETENSÃO PREJUDICADA.
AUTOR QUE OBJETIVA EXCLUSIVAMENTE A EXASPERAÇÃO DO QUANTUMINDENIZATÓRIO FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. DEMANDADO, POR SUA VEZ, QUE REFUTA AS ALEGAÇÕES INICIAIS, NEGANDO A AUTORIA DOS FATOS.
ACERVO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA EFICAZMENTE A RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ENTRE OS PREJUÍZOS INEGAVELMENTE SUPORTADOS PELO AUTOR E A CONDUTA DELITUOSA PERPETRADA PELO RÉU. DEVER DE INDENIZAR INCONTESTE. EXEGESE DO ART. 927 C/C ART. 186, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS POR DOCUMENTOS IDÔNEOS E NÃO DERRUÍDOS PELO RÉU. DANO MORAL CARACTERIZADO. PERDA DE ANIMAIS DE FORMA VIOLENTA QUE CAUSA ABALO INDENIZÁVEL. MINORAÇÃO DO VALOR ARBITRADO, A FIM DE BEM ATENDER AO CARÁTER REPARADOR, PEDAGÓGICO E PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO DESTE JAEZ.
PEDIDO DE CONDENAÇÃO DO AUTOR ÀS PENAS DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. PRETENSÃO REFUTADA. AUSÊNCIA DE QUAISQUER DAS HIPÓTESES DO ART. 17 DO CPC. SENTENÇA MANTIDA.
APELOS CONHECIDOS, PARCIALMENTE PROVIDO O DO RÉU E DESPROVIDO O DO AUTOR.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2015.024901-7, da comarca de Correia Pinto (Vara Única), em que é apte/apdo Heitor Rodrigues Piola, e apdo/apte Marino Alves da Silva:
A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos, negar provimento ao recurso do autor e dar provimento ao recurso do réu. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Joel Figueira Jr.
Florianópolis,11 de junho de 2015.
Jorge Luis Costa Beber
Relator
RELATÓRIO
Cuida-se de recursos de apelação cível interpostos por Heitor Rodrigues Piola e Marino Alves da Silva contra sentença que, nos autos da ação de indenização ajuizada pelo primeiro em face do segundo, julgou parcialmente procedentes os pedidos vertidos na exordial para condenar o demandado, por conta do abate ilícito de dois animais de propriedade do demandante, ao pagamento de R$ 33.000,00 a título de danos materiais e R$ 20.000,00 como reparação pelos danos morais, além das verbas de sucumbência.
O réu, nas suas razões recursais, sustenta, em síntese, que o autor nunca o viu saindo do local onde ocorreram os fatos, justo que o sítio de sua propriedade estava locado pela Madeireira I. Krueger - ME, enfatizando, desse modo, a ausência de prova atinente à autoria do ilícito apontado em seu desfavor
Insurge-se contra os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo autor, verberando que as mesmas nada esclarecem acerca da sua responsabilidade pelos prejuízos reclamados, servindo unicamente para ludibriar o juízo.
Aduz que o testigo João Acelino Wolinger é sogro do irmão do autor, faltando com a verdade quando indagado acerca das hipóteses de suspeição ou impedimento para depor em juízo, incorrendo em crime de falso, pelo que as suas declarações devem ser desconsideradas.
Ressalta que nunca houve de sua parte ou mesmo por intermédio do seu filho, que atende pelo apelido "Cide", qualquer proposta de reparação pelos danos sofridos pelo autor, como aduzido na inicial.
Impugna as alegações relativas à morte dos equinos pertencentes ao autor, alegando que não foi o responsável pelos disparos de arma de fogo contra os animais, até porque não possuía motivo para isso, não mantendo qualquer desavença com o demandante, ao passo que outras pessoas teriam razões para o cometimento dos fatos descritos na exordial, tendo em vista que o demandante participa de rodeios e, portanto, seus animais eram muito visados pelos competidores.
Enfatiza, ainda, que não foi juntado aos autos "laudo médico, necrópsia ou atestado pós-mortem" para comprovar o motivo da morte dos animais, não servindo para corroborar o óbito unicamente o "atestado de avaliação do potro", afirmando que o cavalo está vivo. Admitindo-se, porém, que houve a morte do animal, o autor deverá ser responsabilizado por negligência e maus tratos.
Ressalta que a perícia realizada no rifle CBC e no projetil calibre 22 goza de presunção relativa de veracidade, dizendo, ainda, que na região onde ocorreram os fatos muitas pessoas possuem armas como aquela periciada, inclusive de forma clandestina.
Discorre sobre a inexistência de dano material indenizável e impugna os valores atribuídos aos animais, ressaltando que a égua encontrada morta nunca foi premiada e não é considerada animal de "raça".
Aduz que não pode ser compelido a pagar indenização por danos morais na importância arbitrada pela sentença (R$ 20.000,00), pois referido valor ocasiona ao autor indevido enriquecimento, requerendo, caso mantido o édito singular, a minoração do quantum fixado, notadamente em razão dos seus baixos rendimentos.
Requer, por derradeiro, a condenação do demandante nas penalidades por litigância de má-fé, clamando, também, pela concessão dos benefícios da justiça gratuita
O autor, por sua vez, defende a exasperação do quantum indenizatório arbitrado na sentença, alegando que a égua, vítima dos disparos, pertencia à sua família há mais de sete anos, tendo recebido o carinhoso nome de "Babalu", além do que o recorrente participava quase que semanalmente de torneios de laço e rodeios, conquistando diversos prêmios devido à qualidade dos seus animais, postulando, assim, pelo conhecimento e provimento do apelo por si aviado.
Com as contrarrazões de ambos, os autos ascenderam a esta Corte.
Vieram-me conclusos os autos.
VOTO
Conheço dos recursos, porque interpostos a tempo e modo.
De saída, dou por prejudicado o pleito de concessão dos benefícios da justiça gratuita, formulado pelo demandado, justo que houve o recolhimento do preparo (fl. 301).
Já decidiu esse Tribunal:
"Embora tenha o insurgente, na petição de ingresso do recurso que aviou, requerido expressamente o deferimento da gratuidade da justiça, a prática de ato incompatível - pagamento do preparo recursal - com a hipossuficiência econômica afirmada, torna prejudicado, por equivaler esse recolhimento a uma renúncia tácita, o pedido de dispensa do pagamento das custas processuais; [...]." (Grifei - Apelação Cível n. 2014.013269-2, de Urussanga, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 3-7-2014).
Insurge-se o réu contra a decisão que acolheu o pleito formulado na exordial, para condená-lo ao pagamento de indenização por danos materiais e morais derivados da morte de dois equinos de propriedade do autor, atingidos por disparos de arma de fogo em 14/09/2012, sendo que um dos animais veio a óbito naquela mesma data e outro meses depois.
Antes de enfrentar propriamente o mérito, afasto a insurgência envolvendo o depoimento prestado por João Arcelino Wolinger na audiência de instrução, por ser ele sogro do irmão do autor, existindo entre ambos relação de afinidade, justo que não houve contradita no momento oportuno, mas somente por ocasião das alegações finais, e no próprio apelo, o que afronta os dizeres insculpidos no art. 414, §1º, do CPC.
Preclusa a oportunidade para contraditar a testemunha regularmente arrolada, inviável se mostra qualquer ataque posterior contra as declarações por ela prestadas, sendo esse, aliás, o entendimento consolidado nesse Sodalício:
"AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO. CUMULAÇÃO COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SUSPEIÇÃO DE TESTEMUNHA INDICADA PELA ACIONADA. AUSÊNCIA DE OPORTUNA CONTRADITA. PRECLUSÃO. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. OBESIDADE MÓRBIDA GRAU III. CIRURGIA BARIÁTRICA (GASTROPLASTIA). DOENÇA PREEXISTENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO ATENDIDO. REALIZAÇÃO DA CIRURGIA OITO MESES APÓS A CONTRATAÇÃO DO PLANO. URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA NÃO CONFIGURADA. PREVALÊNCIA DA CARÊNCIA AJUSTADA CONTRATUALMENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA INCENSURÁVEL. RECLAMO RECURSAL DESPROVIDO. 1 Entre a qualificação da testemunha e a prestação do depoimento em si, é facultado à parte contraditá-la, invocando a sua incapacidade, impedimento ou suspeição, conforme os contornos do art. 414, §1.º, do Código de Processo Civil. De rigor, se a recorrente, por seu patrono, estava presente na audiência na qual que se deu a coleta do depoimento que alega estar comprometido, tendo ela, na oportunidade, silenciado sem fazer uso da prerrogativa de contraditá-la, anuindo, em decorrência, com o ato, operou-se, para a acionante, a preclusão do direito de arguir a suspeição ou impedimento da testemunha, não lhe sendo dado invocá-los apenas em sede apelatória. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2013.071670-1, de Braço do Norte, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 20-03-2014, grifei).
E ainda:
"AGRAVO RETIDO. TESTEMUNHA. SUSPEIÇÃO. ART. 405, § 3º, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AMIZADE ÍNTIMA ENTRE AUTOR E TESTEMUNHA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. RECLAMO REJEITADO. 1. Entre a qualificação da testemunha e a prestação do depoimento em si, poderá a parte contraditá-la, invocando a sua incapacidade, impedimento ou suspeição, conforme os contornos do art, 414, §1º do Código de Processo Civil. 2. O simples convívio entre autor e testemunha, resultante de um mero coleguismo de trabalho, não configura, por si só, a amizade íntima que, nos moldes preconizados pelo art. 405, §3º, III, do citado diploma processual, conduz à suspeição do depoente. INJÚRIA RACIAL. DANOS MORAIS. PLEITO INDENIZATÓRIO REFUTADO. OFENSAS RACIAIS COMPROVADAS. DEVER DE INDENIZAR. CARACTERIZADO. RECURSO DE APELAÇÃO ACOLHIDO. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.054736-5, de Indaial, rel. Des. Trindade dos Santos, j. 06-09-2012, grifei).
Não bastasse isso, é imperioso destacar que o art. 1.595 do Código Civil aplica-se unicamente aos cônjuges e companheiros, não atingindo os parentes consanguíneos de cada um deles, daí por que o fato da testemunha ser parente por afinidade do irmão do autor - por ser este casado com sua filha -não o torna parente do demandante.
Superados esses tópicos iniciais, antecipo que o apelo do réu não merece acolhimento.
Isso porque as provas contidas nos autos, não só a documental, mas também a testemunhal, corroboram eficientemente as alegações iniciais, evidenciando ter sido o réu a pessoa que disparou contra os animais do autor, tal como acertadamente reconheceu o digno magistrado Gustavo Bristot de Mello, prolator da sentença combatida.
A começar pelo depoimento de João Arcelino Wolinger, que assim respondeu ao que lhe foi indagado:
"Que conhecia a égua do autor, e que este participava de laçadas; que ouviu comentários de que a égua levou um tiro nas terras de Marino; que o depoente sempre transitava pelas terras onde ocorreram os fatos, uma vez que possui terreno na região; que o autor sempre tratou bem os animais, e que a égua era muito mansa, tanto que o filho do autor sempre com ela brincava; que o autor ganhou muitos prêmios com a égua; que não pode estimar um valor econômico para o animal, porque se fosse dele não o venderia; que o autor comentou com o depoente que o filho de Marino o procurou para propor um acordo; que nunca ouviu falar que o autor tinha inimigos; que quando a égua era viva o autor participava muito mais dos torneios; que a família do autor sempre ganhou muitas premiações nos torneios de laço, como apartamento, moto e dinheiro; que os animais do autor eram muito bem cuidados, que nunca os avistou soltos na rua, mas sempre dentro do terreno do autor, que é fechado, com portão de ferro."
Rogério Luiz Rodrigues, por sua vez, deixou assentado:
"Que avistou o réu entrar no terreno, armado, deslocando-se em direção aos animais do autor; que após ouvir dois disparos e verificar que os animais foram atingidos, viu o réu deixando o local." (Sublinhei).
Esse relato, não se pode negar, assume peso absolutamente relevante, eis prestado por testemunha de viso, servindo não só como indicativo da autoria dos fatos, mas também como arrimo eloquente para os comentários que Aladir Melo afirmou ter escutado:
"Que viu os três animais do autor no terreno do réu, por volta das 16 horas, e que o portão do réu estava aberto; que os animais eram uma égua, um cavalo e um burro; que voltou em torno de 40 minutos depois e não viu mais a égua; que viu o cavalo mancando, com bala na 'mão'; que ouviu comentários que Marino seria o responsável pelos disparos".
Vê-se, portanto, dos depoimentos citados, que o réu foi visto no local dos fatos e que os animais estavam em seu terreno. Além disso, atesta o laudo pericial (fls. 29/33) que os cavalos foram atingidos por disparos compatíveis com um rifle CBC, calibre 22, exatamente o tipo de armamento que o réu possui registrado em seu nome (fl. 57 e fl. 82).
Como amplamente sabido, a responsabilidade civil que ordena o dever de reparar o dano causado em desfavor do patrimônio alheio está centrada na ocorrência de um ato doloso ou culposo, este último proveniente de uma conduta negligente, imprudente ou com ausência de perícia. Não é outra a dicção dos artigos 186 e 927 do Código Civil, impendendo, nesse âmbito, transcrever a sempre abalizada doutrina de NELSON NERY JÚNIOR:
"Dois são os sistemas de responsabilidade civil que foram adotados pelo CC: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. O sistema geral do CC é o da responsabilidade civil subjetiva (CC 186), que se funda na teoria da culpa: para que haja o dever de indenizar é necessária a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa lato sensu (culpa - imprudência, negligência ou imperícia; ou dolo) do agente. (Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 239).
No caso em liça, tenho como cabalmente comprovados os requisitos para responsabilizar o réu pelos prejuízos experimentados pelo autor, ou seja, o ato ilícito, consubstanciado nos disparos narrados pela testemunha Rogério Luiz Rodrigues; o dolo, justo que as testemunhas reconhecem no demandado o autor dos disparos; o dano, tanto material como moral, decorrente da perda dos animais, e, finalmente, o nexo de causalidade, porquanto as consequências danosas sofridas pelo autor derivaram da conduta antijurídica do acionado.
Não há, de outra parte, qualquer início de prova, produzida pelo réu, demonstrando que as lesões sofridas pelos equinos não ocorreram por força dos disparos de arma de fogo, mas sim da negligência e maus tratos do proprietário (fl. 290), ônus que lhe competia, a teor do que dispõe o art. 333, inciso II, do CPC.
Assim, confirmada a responsabilidade civil do demandado, passo à análise das demais teses trazidas no apelo.
Quanto ao dano material, a sentença condenou o réu ao pagamento da importância de R$ 33.000,00, o que não merece reforma.
Com efeito, através do laudo que descansa às fls. 26/27, a égua foi avaliada em R$ 25.000,00, sopesadas as suas respectivas especificidades, já que era animal destinado a participar de rodeios, proporcionando ao seu proprietário a obtenção de diversos prêmios, o que foi confirmado pela testemunha Amanda Rafaeli Pacheco, mediante depoimento prestado em audiência, razão pela qual a avaliação que repousa às fls. 160/163 não se mostra suficiente para derruir a prova juntada pelo demandante, porquanto avalia o animal de forma absolutamente genérica.
O cavalo, por sua vez, foi adquirido pelo demandante pelo valor de R$ 8.000,00, conforme recibo que se encontra às fls. 28. É certo, como aduzido no apelo, que não há nos autos prova contundente da morte do aludido animal. Todavia, através do "Laudo de avaliação médico veterinária" de fl. 188, é possível concluir que o animal, para dizer o mínimo, ficou absolutamente inválido, com problemas de locomoção, inviabilizando continuasse sendo utilizado pelo autor em competições esportivas. Veja-se:
"O animal apresentava dor intensa com severa dificuldade de locomoção. Com a manipulação da referida região faz-se o diagnóstico de fratura óssea.
Como avaliação clínica relato que este animal terá prejuízos significativos na locomoção futura e inclusive impossibilidade de uso esportivo."
Diante de tal panorama, lícito é concluir que o animal, em razão das sequelas advindas do ato cometido pelo réu, perdeu inteiramente o seu valor, resultando daí o dever de reparação pelo montante desenbolsado para sua aquisição.
No que concerne aos danos morais, é consabido que guardam eles estreita ligação com a violação dos direitos da personalidade, não sendo por outra razão que YUSSEF SAID CAHALI sustenta que tal espécie de prejuízo ocorre quando afrontados ou diminuídos bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos (Dano Moral. 1998, p. 20).
Mas não será, obviamente, qualquer situação que ocasione algum desgosto que ensejará a caracterização dessa espécie de dano. Não basta o fator em si do acontecimento. É preciso mais do que isso, sendo imperioso que haja um ilícito com carga suficiente para infligir no ofendido um sofrimento moral intenso e extraordinário, causador de sequelas de induvidosa repercussão, não se amoldando, neste panorama, simples descontentamentos no âmbito subjetivo da pessoa ou, ainda, nas hipóteses em que a anunciada dor ou desconforto seriam normalmente suportados.
Portanto, há de ocorrer uma situação que fuja do razoável, não bastando qualquer sensação de desconforto, pois frustrações, decepções e desgostos todos temos.
No caso dos autos, o evento gerado em desfavor do autor possui a intensidade alhures mencionada, na medida em que, como proprietário dos animais, detinha o direito de conviver tranquilamente com os mesmos, bem como de desfrutar de momentos de lazer nos rodeios e laçadas.
É inegável que aquele que tem seus animais de estimação cruelmente abatidos, sem o mínimo de consideração por parte daquele que provoca disparos de arma de fogo, sente o peso da frustração, da tristeza e da indignação, padecendo desassossegos íntimos que atingem atributos próprios da sua dignidade pessoal, superando o conceito de dissabor efêmero.
E isto, sem qualquer espaço para dúvida, é o que basta para o reconhecimento do dano anímico, ainda mais porque bem demonstrada a relação de afetividade que o autor e seus familiares possuíam com animais, o que pode ser facilmente verificado nas fotografias que descansam às fls. 41/46.
Sobre o dano moral decorrente do perecimento do animal de estimação, esta Corte já decidiu:
"A morte de animal de estimação acarreta dano moral indenizável. Trata-se do chamado dano moral in re ipsa" (AC n. 2012.061344-0, de Joinville, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, Terceira Câmara de Direito Público, j. 28-5-2013).
Ainda:
"APELAÇÃO CÍVEL - INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - CABO DE SUSTENTAÇÃO DE POSTE DA REDE ELÉTRICA SOLTO - MORTE DE ANIMAL - DEVER DE INDENIZAR - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO." (AC n. 2009.058693-0, de Joinville, rel. Des. Cláudio Barreto Dutra, Quarta Câmara de Direito Público, j. 28-7-2011).
Por fim:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. SERVIDORES MUNICIPAIS QUE RETIRARAM CACHORRO DE ESTIMAÇÃO DE UMA RESIDÊNCIA, À REVELIA DO DONO, POR TEREM RECEBIDO DENÚNCIA DE MAUS TRATOS. FALECIMENTO DO ANIMAL INSTANTES DEPOIS. CONJUNTO PROBATÓRIO JUDICIAL QUE NÃO CONSEGUE REVELAR A FALTA DE ZELO DO AUTOR PARA COM O ANIMAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ENTE PÚBLICO. DANO MORAL CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO FIXADA EM R$ 5.000,00. DANOS MATERIAIS NÃO DEMONSTRADOS. APELO DO AUTOR DESPROVIDO, PROVIDO PARCIALMENTE O DO RÉU PARA RECONHECER A SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E ADEQUAR O PAGAMENTO DAS DESPESAS, COM A COMPENSAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA (Enunciado 306 da Súmula do STJ)." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.039748-1, da Capital, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, j. 08-04-2014).
Alusivamente à quantificação do dano, pontuo que inexistem critérios objetivos a nortear essa difícil tarefa, cabendo ao julgador mensurar, caso a caso, mesmo com certa dose de subjetividade, aquilo que possa ser razoavelmente justo, quer para vítima, quer para o ofensor, buscando atender os fins reparatórios, pedagógicos e punitivos que ornam os pleitos dessa natureza, não se descurando, também, dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade.
Colhe-se do magistério de RUI STOCO:
"A tendência moderna, ademais, é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da compensação, visando destinar à vitima uma soma que compense o dano moral sofrido.
Parte da doutrina também faz menção ao binômio punição e prevenção, como Caio Mário da Silva Pereira, Carlos Alberto Bittar, Sérgio Cavalieri Filho e Antônio Jeová Santos" (Tratado de responsabilidade civil. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011. p. 1925).
REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA, em obra coordenada por RICARDO FIUZA, esclarece:
"Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido com o ilícito.
[...] Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a "inibir comportamentos anti-sociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade", traduzindo-se em "montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo" (FIUZA, Ricardo (coord.). Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 841 e 842).
Nesse contexto, estimo que o valor de R$ 20.000,00 arbitrado pelo magistrado a quo comporta redução para R$ 10.000,00, importe que cumpre o papel de reparar o sofrimento vivenciado pelo autor, ao mesmo tempo em que inibe a perpetuação da conduta desairosa adotada pelo réu, daí por que estou em prover o recurso do requerido no ponto.
Derradeiramente, afasto o pedido de condenação do autor às penas decorrentes da litigância de má-fé, justo que não caracterizada nenhuma das hipóteses enumeradas no art. 17, do CPC, notadamente em face do êxito da demanda.
Voto, pois, pelo conhecimento e desprovimento do apelo do autor e pelo parcial provimento do recurso do réu.
Gabinete Des. Jorge Luis Costa Beber
Fonte: Portal do TJ/SC
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