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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

ANTI-SEMITIMO - Como é visto pelo TJ/SC

Apelação Criminal n. 2012.016841-9, de Lages
Relator: Des. Jorge Schaefer Martins
CRIME DE RACISMO. ARTIGO 20, § 2º, DA LEI N. 7.716/89. PUBLICAÇÃO DE CHARGE EM JORNAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. ILUSTRAÇÃO PEJORATIVA. VINCULAÇÃO DO NASCIMENTO DE CRIANÇAS AFRODESCENDENTES À CRIMINALIDADE. CONTEÚDO RACISTA MANIFESTO. COLISÃO DE PRINCÍPIOS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E IGUALDADE. SOLUÇÃO QUE SE DÁ ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PREVALÊNCIA DOS ÚLTIMOS INEQUIVOCAMENTE APLICÁVEL AO CASO CONCRETO. RECURSO PROVIDO.
Ilustração de recém nascidos afrodescendentes em fuga de sala da parto, associado aos dizeres de um personagem (supostamente médico) de cor branca "Segurança!!! É uma fuga em massa!!!", configura a prática do crime de racismo.
A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 3º, entre os objetivos fundamentais da República, a "promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Ademais, no capítulo referente aos direitos e garantias individuais, estabelece a "igualdade" como garantia fundamental do indivíduo sendo a prática do racismo crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII).
Havendo colisão de normas constitucionais entre a que impõe a igualdade entre os indivíduos e a liberdade de pensamento, deve prevalecer aquela, pois não é possível que o exercício do direito de opinião ofenda outros valores constitucionais, mormente a dignidade humana, fundamento do princípio da igualdade.
[...] não se pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. [...] Ela encontra limites, também no que diz respeito às manifestações de conteúdo discriminatório ou de conteúdo racista. Trata-se, como já assinalado, de uma elementar exigência do próprio sistema democrático, que pressupõe a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos. (HC 82424, Relator: Min. MOREIRA ALVES, Relator para Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003).
DOSIMETRIA. CHARGISTA, AUTOR DA ILUSTRAÇÃO. PENA FIXADA EM 2 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. EDITOR CHEFE EM EXERCÍCIO. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. PENA DEFINITIVA EM 1 (UM) ANO E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL ABERTO. PENA CORPORAL IGUALMENTE SUBSTITUÍDA.
[...] partícipe é quem concorre para que o autor ou coautores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. Assim, (...) pode-se dizer que o agente que exerce a vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é considerado partícipe, pois, sem realizar a conduta principal (não subtraiu, nem cometeu violência ou grave ameaça contra a vítima), colaborou para que os autores lograssem a produção do resultado.
Dois aspectos definem a participação: a) vontade de cooperar com a conduta principal, mesmo que a produção do resultado fique na inteira dependência do autor; b) cooperação efetiva, mediante uma atuação concreta acessória da conduta principal (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal - parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 338-339).
PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INCISO XLII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2012.016841-9, da comarca de Lages (2ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e apelado o Mauro Martinelli Maciel e Carlos Alberto Costa Amorim:
ACORDAM, em Quarta Câmara Criminal, por unanimidade, dar provimento ao recurso para: condenar o réu Carlos, à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos - prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo; condenar o réu Mauro à pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime inicial aberto, substituída a pena corporal por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Roberto Lucas Pacheco e Rodrigo Collaço. Emitiu parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Pedro Sérgio Steil.
Florianópolis, 23 de maio de 2013.
Jorge Schaefer Martins
PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO
O representante do Ministério Público da comarca de Lages ofereceu denúncia contra Mauro Martinelli Maciel e Carlos Alberto Costa Amorim, como incursos nas razões do artigo 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89, em razão da prática do seguinte fato:
No dia 16 de fevereiro de 2007, o Jornal Correio Lageano, localizado na Rua Coronel Córdova, nº 84, Bairro Centro, neste município e comarca, publicou uma charge com o título "MAIORIDADE PENAL...".
Neste cartum, uma mulher negra se encontra deitada em trabalho de parto em um leito de determinado hospital, sendo que acabaram de descer do ventre materno quatro crianças afrodescendentes com vendas nos olhos e que estão em fuga do nosocômio, utilizando inclusive uma corda de lençol, como aquelas usadas por criminosos segregados para fugas ou para rebeliões.
Além disso, no aludido desenho se encontra ao lado do leito do hospital um médico de cor branca amedrontado com a evasão das crianças negras recém-nascidas, que grita: "SEGURANÇA!!! É UMA FUGA EM MASSA!!
Não há dúvidas de que na charge referida houve preconceito e discriminação de raça e cor, pois a prática de crimes foi absurdamente relacionada ao nascimento de crianças negras, o que se configura como inadimissível conduta racista publicada em jornal de grande circulação desta região serrana.
Consta que o responsável pela elaboração/criação da charge foi o denunciado CARLOS ALBERTO COSTA AMORIM, sendo que a publicação do cartum racista só ocorreu porque o outro denunciado, MAURO MARTINELLI MACIEL, Editor-Chefe do Jornal O Correio Lageano, permitiu a disseminação do conteúdo preconceituoso já mencionado.
Recebida a denúncia em 13 de outubro de 2008 (fl. 71) e, citados os réus, deu-se a apresentação de defesa prévia. Ouvidas cinco testemunhas e realizados os interrogatórios, as partes apresentaram alegações finais.
Sentenciando, o Juiz de Primeiro Grau, Dr. Juliano Schneider de Souza, julgou improcedente a inicial acusatória, absolvendo os réus fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Irresignada, a acusação interpôs apelação, sustentando que a charge publicada tem cunho racista, pois teve como motivação o caso "João Hélio Fernandes", onde a vítima era de cor branca e o acusado, menor de idade à época dos fatos, é afrodescendente. Disse que os recém-nascidos afrodescendentes foram tratados como bandidos.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Instada, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Pedro Sérgio Steil, opinou pelo não provimento do recurso.
VOTO
A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 3º, entre os objetivos fundamentais da República, a "promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Ademais, no capítulo referente aos direitos e garantias individuais, estabelece a "igualdade" como garantia fundamental do indivíduo sendo a prática do racismo crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII).
Não se tratando de comando constitucional auto-aplicável, em razão do princípio basilar da legalidade, foi editada a Lei n. 7.716/89, que define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, que contribui para dar eficácia às disposições contidas na Lei Maior.
Inicialmente, é preciso distinguir preconceito de discriminação. Aquele indica um sentimento, e mesmo atitude em relação a uma raça ou a um povo, decorrente de internalização de crenças racistas. Já a discriminação, expressa a quebra do princípio da igualdade com a distinção, exclusão, restrição ou preferência motivada por raça, cor, sexo, idade, credo religioso ou convicções políticas (Leon Frejda Szklarowsky. Crimes de Racismo. Artigo publicado na Revista de Informação Legislativa, n. 135, Julho/Setembro de 1997, p. 25).
Por sua vez, o racismo expressa o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças e etnias ou, ainda, uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Assim, em regra, o racismo e o preconceito é que levam à discriminação, isso quando houver a sua exteriorização por meio de atos ou comportamentos de segregação.
Há também que se considerar, no caso concreto, a ofensa à dignidade da pessoa humana, a qual, como já tive a oportunidade de discorrer em obra doutrinária, é de difícil conceituação, mas buscando-se defini-lo, possível admitir que pressuponha a existência de respeito à vida e integridade do ser humano, sem olvidar da presença de condições mínimas para existência digna, resguardadas a intimidade e a identidade do indivíduo, com a garantia de igualdade para com outrem, sem que se possa excluir também sua condição psicofísica (Prisão provisória - medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004, p. 38).
No caso dos autos, fica evidente a ocorrência de embate entre o princípio de liberdade de expressão e o princípio da igualdade, ambos constitucionais, sendo que, fazendo-se uma interpretação sistemática, conclui-se que a Constituição Federal autoriza a punição na hipótese da existência de discriminação que atinja direitos e liberdades.
Isso decorre da circunstância de não se admitir em nosso ordenamento jurídico, a censura prévia, não obstante seja possível o controle judicial:
Por força de mandamento constitucional, é consagrado o direito de ação, pelo qual se assegura a apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer pretensão de quem se suponha lesado ou ameaçado em seu direito (art. 5º, XXXV). O exercício da liberdade de expressão pode, em diferentes situações, violar a ordem jurídica e afetar a esfera de direitos de outrem, sujeitando o agente a consequências jurídicas de natureza civil ou penal. O controle judicial singulariza-se pela independência e imparcialidade do órgão que o exerce, e obedece a um devido processo legal, que inclui o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LIV e LV).
(BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle da programação de televisão na constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 90, agosto de 2001, vol. 790, p. 133/134).
O Supremo Tribunal Federal já enfrentou a matéria atinente à colisão de direitos fundamentais análogos no seguinte julgado:
HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.
1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).
[...]
6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo.
7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.
8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.
9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo.
[...]
13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.
14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.
[...]
Ordem denegada.
(HC 82424, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003).
No mencionado precedente, objeto de análise na tese de doutorado de José Emílio Medauar Ommati, professor da Pontifícia Universidade Católica Minas Cerro (Igualdade, liberdade de expressão e proibição da prática de racismo na Constituição Brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2012), o Ministro Gilmar Mendes traça um paralelo entre o racismo, a liberdade de expressão e de opinião, com os princípios da igualdade e proporcionalidade.
Se se aceita a ideia de que o conceito de racismo contempla, igualmente, as manifestações de anti-semitismo, há de se perguntar sobre como se articulam as condutas ou manifestações do caráter racista com a liberdade de expressão positivada no texto constitucional. Essa indagação assume relevo ímpar, especialmente se se considera que a liberdade de expressão, em todas as suas formas, constitui pedra angular do próprio sistema democrático. Talvez seja a liberdade de expressão, aqui contemplada a própria liberdade de imprensa, um dos mais efetivos instrumentos de controle do próprio governo. Para não falar que se constitui, igualmente, em elemento essencial da própria formação da consciência e de vontade popular.
Não se desconhece, porém, que, nas sociedades democráticas, há uma intensa preocupação com o exercício de Liberdade de expressão consistente na incitação à discriminação racial, o que levou ao desenvolvimento da doutrina do "hate speech".
[...]
Como se vê, a discriminação racial levada a efeito pelo exercício da liberdade de expressão compromete um dos pilares do sistema democrático, a própria ideia de igualdade.
E, segue o Ministro, tecendo comentários sobre o princípio da proporcionalidade:
Nesse contexto, ganha relevância a discussão da medida de liberdade de expressão permitida sem que isso possa levar à intolerância, ao racismo, em prejuízo da dignidade humana, do regime democrático, dos valores inerentes a uma sociedade pluralista.
[...]
Da mesma forma, não se pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. Daí ter o texto constitucional de 1988 erigido, de forma clara e inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5º, XLII), além de ter determinado que a lei estabelecesse outras formas de repressão às manifestações discriminatórias (art. 5º, XLI).
É certo, portanto, que a liberdade de expressão não se afigura absoluta em nosso texto constitucional. Ela encontra limites, também no que diz respeito às manifestações de conteúdo discriminatório ou de conteúdo racista. Trata-se, como já assinalado, de uma elementar exigência do próprio sistema democrático, que pressupõe a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos.
O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy (Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986), coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebidos de modo relativo - tal como defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio, ou máxima da proporcionalidade, determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.
A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.
Assim, conforme a fundamentação supramencionada, o meio de solucionar a colisão de princípios constitucionais se dá pelo manejo de outro princípio, o da proporcionalidade. Aliás, Ommati, comentado sobre o tema, diz que:
a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando é verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais, de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. Essas máximas são em número três: adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito (op. cit. p. 30).
Ainda sobre o princípio da proporcionalidade, tive a oportunidade de discorrer:
Esta é uma das situações mais complexas no âmbito jurídico, em vista de exigir a verificação da possibilidade de coexistência entre princípios antagônicos, ou, por vezes, de prevalência de um sobre o outro, sem que isso determine, necessariamente, a apequenação do princípio que se viu postergado naquele caso concreto.
Para melhor compreensão a respeito de seu reconhecimento e utilização, Helenilson Pontes assevera que, "terminologicamente , o termo proporcionalidade contém uma noção de proporção, adequação, medida justa, prudente e apropriada à necessidade", contendo, em resumo, "um apelo à prudência na determinação da adequada relação entre as coisas".
[...]
Robert Alexy informa que o princípio da proporcionalidade tem os princípios constitucionais como mandatos de otimização relacionados às perspectivas jurídicas e fáticas de forma a reconhecer a possibilidade de conflito entre princípios opostos. Com o desiderato de resolver o confronto entre princípios que contenham normas de Direitos fundamentais, faz-se indispensável um exercício de ponderação. Nessa atividade, impõe-se a verificação da norma constitucional que contenha maior peso para o caso concreto que se tenha por decidir, considerando-se que a norma mais débil pode vir a ser desprezada, desde que o seja na medida do necessário e sob um ponto de vista lógico e sistemático.
Assim, como antes afirmado, a proporcionalidade não determina o desprezo de um princípio constitucional em detrimento de outro. Antes, autoriza que, na análise de uma situação determinada, possa a autoridade encarregada da decisão reconhecer a maior relevância de determinado princípio constitucional naquele caso, obviamente informando as razões de sua conclusão, sem que fique obrigatoriamente vinculado ao raciocínio, quando vier a enfrentar outra situação que pareça assemelhada (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004. p. 61 e 65).
Feitas essas considerações gerais, tem-se que nestes autos, os réus foram denunciados pelo crime previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89, que dispõe:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
(...)
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa
O elemento subjetivo do tipo é o dolo, não existindo a modalidade culposa; são crimes formais, dispensando o resultado naturalístico para a sua consumação; e os objetos jurídicos tutelados são o direito à igualdade, o respeito à personalidade e à dignidade da pessoa.
Sustenta a acusação que a charge publicada no jornal Correio Lageano tem conteúdo racista, na medida em que vinculou a prática de crimes ao nascimento de crianças afrodescendentes.
Merece acolhida a insurgência.
Com efeito, a materialidade vem comprovada pela cópia do jornal de fl. 12, bem como pelos depoimentos prestados na fase investigativa e em juízo.
No tocante à autoria, no que pertine ao réu Carlos, ela se mostra incontroversa, pois em seu depoimento judicial constou que:
[...] é chargista profissional há 25 anos; que a charge em questão foi publicada em 2007; que na época havia discussão sobre a maioridade penal, em razão do caso João Helio; que é contrário a diminuição e vinha manifestando sua opinião durante a semana; que procurou usar o humor para este fim; que não teve e intenção de manifestar preconceito de raça ou classe social [...] que o interrogando teria se retratado, mas no entanto, só soube dos fatos através da internet; que em toda sua carreira não passou por situação semelhante.
Assim, a questão atinente aos autos diz respeito a definir se a charge publicada tem conteúdo racista, ou não.
O desenho, que se intitula "maioridade penal", retrata uma mulher afrodescendente, na sala de cirurgia, deitada em um leito hospitalar, oportunidade em que sai, do meio de suas pernas, um lençol com nós, por onde descem crianças negras, com tarjas pretas nos olhos. No local ainda há um médico aparentando ser o obstetra, gritando "Segurança!!! É uma fuga em massa!!!".
Pelo título, maneira como as crianças descem pelo lençol, bem como pelos dizeres do personagem, depreende-se que há nítida intenção de fazer uma analogia da situação com uma fuga de um estabelecimento prisional, tratando-se de verdadeiro racismo velado.
Há, sem dúvida, uma relação entre crianças de etnia negra e a criminalidade, o que não pode ser aceito. Deve ser estabelecido o que é a crítica jornalística e o crime de racismo, salientando-se que o limite entre os institutos é tênue.
O núcleo do tipo "induzir" significa persuadir, pressupondo a iniciativa à prática do delito. No caso dos autos, a charge publicada induz à discriminação racial, incutindo sentimento de desprezo e preconceito contra os indivíduos afrodescendentes.
É certo que a liberdade de opinião e manifestação de pensamento, também é um princípio constitucional a ser observado, entretanto não há direitos absolutos no ordenamento jurídico brasileiro, nem mesmo o direito à vida, excepcionado pelo artigo 23 e incisos, bem como pelo artigo 128 e incisos, ambos do Código Penal. E, havendo colisão entre normas constitucionais entre a que impõe a igualdade entre os indivíduos e a liberdade de pensamento, deve prevalecer aquela, pois não é possível que o exercício do direito de opinião ofenda outros valores constitucionais, mormente a dignidade humana, fundamento do princípio da igualdade. Logo, na comparação entre o direito de opinar e o direito à não discriminar, não é possível que prevaleça a livre manifestação do pensamento.
Diante dos fatos, a condenação do réu atende às três máximas parciais da proporcionalidade estabelecida pela doutrina alemã (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), citadas pelo Ministro Gilmar Mendes no HC 82.424, do Supremo Tribunal Federal.
A adequação é manifesta, na medida em que a condenação alcança o fim almejado, qual seja, a defesa da igualdade e o respeito à dignidade da pessoa humana. A necessidade de punição a tais fatos exsurge, conforme as palavras do Ministro, da ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz, em face dos valores constitucionais em jogo e o reflexo de sua inobservância na sociedade. Por derradeiro, a condenação atende à proporcionalidade em sentido estrito, pois a liberdade de expressão não pode subjulgar o sistema democrático, não podendo ocasionar a intolerância racial e a discriminação contra os afrodescendentes.
Não há falar, por outro lado, na ausência de dolo. O ato foi praticado de molde a deixar claro o menoscabo, a avaliação negativa sobre pessoas de origem africana. O reconhecimento da intenção deliberada de atingir indivíduos com tais características se mostra evidente. A negativa de sua ocorrência, por parte do acusado, não tem o condão de afastar sua configuração.
Por conseguinte, o réu Carlos Alberto Costa Amorim praticou a conduta descrita no artigo 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89, sendo a condenação medida impositiva.
Passa-se à dosimetria da pena.
A culpabilidade é normal à espécie. Não registra antecedentes. Não há dados nos autos para aferir a conduta social, nem laudo para atestar a personalidade. Os motivos são os inerentes ao tipo e, por fim, não existem elementos para valoração negativa das circunstâncias e consequências do crime. Diante das circunstâncias judiciais favoráveis, fixa-se a pena-base no mínimo legal, 2 (dois) anos de reclusão, reprimenda que resta definitiva diante da ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes, ou causas de aumento ou diminuição de pena.
O regime de cumprimento da pena privativa de liberdade irrogada é o aberto.
Em razão de estarem preenchidos os requisitos legais do artigo 44, do Código Penal, quais sejam: pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos; crime não cometido com violência ou grave ameaça; réu não reincidente e circunstâncias judiciais favoráveis, substitui-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da condenação à razão de uma hora por dia, e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. O local de cumprimento da prestação de serviços e a entidade beneficiada com a prestação pecuniária, serão definidas no juízo de execução.
Derradeiramente, em relação ao réu Mauro, repisa-se a argumentação referente à materialidade delitiva.
No tocante à autoria, disse em juízo:
[...] Que na ocasião examinou a charge previamente mas como o material estava titulado, referindo-se claramente a maioridade penal, autorizou a publicação. [...]Que não vislumbrou na charge nenhum caráter ofensivo ou discriminatório, uma vez que o tema era específico [...] (fls. 176/177).
Logo, vê-se que o acessou o conteúdo, tendo pleno conhecimento da charge antes de sua publicação, autorizando a divulgação do desenho, portanto, em tendo permitido a publicação, anuiu à conduta do corréu Carlos, salientando-se, entretanto, que não participou ativamente da realização do núcleo do tipo descrito na denúncia.
Não há dúvida acerca de sua responsabilização, na medida em que na qualidade de editor chefe do periódico quando dos fatos, tinha o poder de vetar a publicação. Em não o fazendo, e tendo, como disse, plena consciência do conteúdo, o reconhecimento de sua participação é evidente.
Todavia, sua sua conduta deve ser considerada de menor importância, uma vez que não foi o autor da charge, tampouco determinou viesse ela a ser elaborada daquela maneira.
A participação é a cooperação dolosa em um delito doloso, em consequência, ela não existe per se, mas sim atrelada à conduta dolosa de outrem, possuindo uma natureza acessória, havendo uma adequação típica indireta. A propósito, o Código Penal adotou a teoria da acessoriedade limitada para explicar o instituto, exigindo-se uma conduta principal típica e ilícita para sua configuração.
No caso dos autos, a forma de participação praticada pelo réu consistiu na permissão para a publicação da charge com conteúdo racista, na condição de editor chefe do jornal de circulação local, exercendo papel de coadjuvante na prática da infração penal.
Conforme lição de Rogério Greco, operou-se a cumplicidade "necessária", ou seja, aquela hipótese em que o auxílio não pode ser fornecido normalmente por qualquer pessoa (Código Penal Comentado, 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 93).
Quanto à participação, Damásio acrescenta:
Conceito de participação
Dá-se quando o sujeito, não praticando atos executórios do crime, concorre de qualquer modo para a sua realização (CP, art. 29). Ele não realiza conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas realiza um atividade que contribui para a formação do delito. Chama-se partícipe. No sentido do texto:RT. 494:339, 572:393 e 644:266; RJTJSP, 37:288 e 40:317 (op. cit. p. 157).
Igualmente:
Participação: partícipe é quem concorre para que o autor ou coautores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. Assim, (...) pode-se dizer que o agente que exerce a vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é considerado partícipe, pois, sem realizar a conduta principal (não subtraiu, nem cometeu violência ou grave ameaça contra a vítima), colaborou para que os autores lograssem a produção do resultado.
Dois aspectos definem a participação: a) vontade de cooperar com a conduta principal, mesmo que a produção do resultado fique na inteira dependência do autor; b) cooperação efetiva, mediante uma atuação concreta acessória da conduta principal (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal - parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 338-339).
Portanto, deve o réu Mauro ser condenado nas sanções do crime previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n. 7.716/89, aplicando-se a causa de diminuição do artigo 29, § 1º, do Código Penal, na fração de 1/3, em função de sua simples anuência ao conteúdo da charge, autorizando sua publicação.
Passa-se à dosimetria da pena:
A culpabilidade é normal à espécie. O réu não registra antecedentes. Não há dados nos autos para aferir a conduta social, nem laudo para atestar a personalidade. Os motivos são os inerentes ao tipo e, por fim, não existem elementos para valoração negativa das circunstâncias e consequências do crime. Diante das circunstâncias judiciais favoráveis, fixa-se a pena-base no mínimo legal, 2 (dois) anos de reclusão.
Ausentes agravantes e atenuantes, permanece nesse quantum na segunda fase da dosimetria.
Por fim, diante do reconhecimento da causa de diminuição da participação de menor importância, reduz-se a pena em 1/3, tornando-a definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime inicial aberto.
Preenchidos os requisitos legais do artigo 44, do Código Penal, já explicitados anteriormente, substitui-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes na prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da condenação à razão de uma hora por dia, e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. O local de cumprimento da prestação de serviços e a entidade beneficiada com a prestação pecuniária, serão definidas no juízo de execução.
Derradeiramente, ressalte-se que não há de se falar em prescrição da pretensão punitiva em concreto, pois o crime de racismo é imprescritível, conforme expressa previsão do artigo 5º, inciso XLII, da Constituição Federal, tratando-se de verdadeira exceção ao direito de punir, quebrando a regra da temporalidade das pretensões estatais, e impossibilitando a aplicação do artigo 107 do Código Penal.
Em face do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso, para condenar o réu Carlos, à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos - prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo; bem como para condenar o réu Mauro à pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, a serem cumpridos em regime inicial aberto, substituída a pena corporal por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo.

Gabinete Des. Jorge Schaefer Martins

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