David Vélez, fundador do Nubank, startup financeira, fala do ambiente para inovação no Brasil.
Empresa, que oferece cartão de crédito sem tarifas, aposta agora na conta corrente sem custos
Fundador e CEO do Nubank, David Vélez. TONI PIRES
O colombiano David Vélez, de 36 anos, cresceu escutando em casa que o melhor que poderia fazer para ter um futuro promissor era não ter um chefe. Planejou-se então para isso. Ao completar 18 anos, partiu para o berço do empreendedorismo mundial, a universidade Stanford, na Califórnia. Era lá que imaginava ter uma ideia inovadora, a que o levaria criar uma famosa startup e, consequentemente, se tornar um grande empreendedor. Mas não foi o que aconteceu. Durante os quatros anos que cursou engenharia - em um campus que respira inovação - não conseguiu pensar em um mísero negócio que valesse a pena investir.
Quis o destino que ele aprendesse a ter chefes primeiro. Depois de formado, acabou conseguindo uma vaga no mercado financeiro, como analista do Morgan Stanley, uma empresa global de serviços financeiros sediada em Nova York. Demoraria ainda quase uma década para que ele finalmente encontrasse sua própria oportunidade de negócio. E no Brasil. David Vélez, fundou em 2014, junto com Edward Wible e Cristina Juqueira, o Nubank, uma startup baseada no uso de tecnologia, que nasceu oferecendo cartões de crédito - roxinhos - sem anuidade, sem tarifas e com taxas de juros mais baixas do que as praticadas pelo mercado brasileiro. Tudo 100% digital. O cliente abre uma conta por meio do aplicativo no celular, pede o cartão e recebe em menos de cinco dias. O negócio vingou. Em 2017, o Nubank fechou o ano com mais de 3 milhões de clientes, 850 funcionários e uma receita total até a metade do ano de 236,8 milhões de reais. Segundo analistas, o valor de mercado da empresa já chega a 800 milhões de dólares, quase o almejado patamar de unicórnio, como se chamam as firmas avaliadas em mais de um bilhão. "Crescemos mais rápido que imaginamos", diz o colombiano ao EL PAÍS.
A ideia do Nubank só surgiu quando ele se mudou para São Paulo em 2011. Vélez trabalhava para o fundo de venture capital Sequoia, o mesmo que deu o primeiro milhão de dólares para Steve Jobs impulsionar a Apple, e foi incumbido de achar oportunidades de investimentos no gigante latino-americano. Não encontrou muitas empresas que o interessassem, mas trombou com a sua própria oportunidade quando precisou abrir uma conta bancária no país.
"Para conseguir abrir uma simples conta, tive que ir na agência quatro vezes. Foi uma experiência terrível. Ser estrangeiro era um problema e as tarifas eram absurdamente altas. Qualquer pessoa que eu conversava falava: 'eu odeio meu banco, odeio meu banco'. Vi aí uma oportunidade de negócio, de criar uma alternativa", conta. O projeto de um banco digital foi levado à Sequoia, que juntamente com a Kaszek Ventures (da Argentina), aportaram os primeiros dois milhões de dólares à startup. De lá pra cá, diversos investidores já aportaram cerca de 180 milhões de dólares na empresa.
Não faltaram, no entanto, pessoas que tentaram desencorajar David no início. Como competir com os cinco grandes bancos do Brasil, que detêm 90% do sistema, era uma pergunta constante. "Todo mundo que falei no mercado financeiro me disse: 'esquece, você é gringo, não conhece o Brasil'. Existia muita crença negativa, mas ao pesquisar a fundo via que as pessoas falavam sem saber muito sobre o assunto. Decidi que valia a pena tentar. Consegui capital e procurei os outros fundadores", explica David, sentado em uma das salas de reunião de um prédio bem descolado de 7.000 metros quadrados, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, onde está sediado o Nubank. Atualmente quase todos os andares estão completamente ocupados, mas desde o início David alugou todo o edifício, já que a ideia é crescer ainda mais. Para o time dos nubankers recentemente foi escalado um conselheiro estratégico experiente no sistema financeiro brasileiro: Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.
No fim do ano passado, além do cartão roxinho, a fintech - nome dado pelo mercado às startups de tecnologia focada em serviços financeiros - deu o primeiro passo para se transformar em um banco, lançou a NuConta. Uma conta bancária no qual o dinheiro passa a render automaticamente em uma taxa indexada aos títulos públicos, mais rentável que a poupança. Não há tarifa de manutenção ou custo transferência de dinheiro para outras contas, inclusive de outros bancos. Tampouco há um cartão de débito, mas David acredita que se houver uma demanda dos clientes eles podem tentar criar um.
"Hoje são mais de 60 milhões de pessoas no Brasil que não possuem conta de banco, mas sim celular. Queremos ser a primeira conta desses brasileiros, queremos ajudar a bancarizar a população. Além disso, queremos que muitas pessoas que estão pagando tarifas absurdas dos grandes bancos consigam trazer seu dinheiro e utilizar a conta que não tem custos", explica o colombiano.
"Qualquer pessoa que eu conversava falava: eu odeio meu banco, odeio meu banco. Vi aí uma oportunidade de negócio, de criar uma alternativa"
Pergunta. Como o Nubank faz para se manter sem tarifas?
Resposta. No cartão de crédito conseguimos porque não temos as agências físicas. Parte das tarifas dos bancos é para cobrir as despesas da agência, que muitas vezes você nem usa. Muitas pessoas nem querem ir a uma banco. O fato da gente ser 100% digital é uma grande vantagem de custos. Nosso cartão básico não tem programa de milha e temos uma estrutura muito eficiente. Possuímos clientes em todo o Brasil com apenas uma base aqui em São Paulo. E muitas das operações que os bancos fazem com ser humano, nós fazemos com algoritmos, com modelos. Quando vemos um problema, pensamos como criamos um sistema, um software para resolver.
P. O próximo passo é se transformar em um banco?
R. Ainda não temos a licença de banco. Temos uma licença como instituição de pagamento. Estamos com um pedido de licença de instituição financeira há mais de dois anos no Banco Central. Com ela, seria possível fazer vários novos produtos, mas, por enquanto, estamos aguardando. Fechamos dezembro com mais de 3 milhões de clientes, mas recebemos 12 milhões de pedidos. Isso significa que já falamos "não" para quase 10 milhões de pessoas que queriam cartão de crédito. Agora com a Nuconta vamos conseguir falar sim para eles. Esperamos atingir os clientes que já tem smartphone, pois a proporção das pessoas que tem os aparelhos é bem alta, cliente que tem Facebook, YouTube, mas não tem conta de banco.
P. Como foi entrar num mercado financeiro tão concentrado em grandes entidades financeiras?
R. O que eu via aqui no Brasil é uma grande população de millenials. E os brasileiros são um dos maiores usuários do Facebook e de WhatsApp. Ou seja, temos grande parte de uma população querendo interagir através da internet, mas tendo que ir a agência porque os bancos não ofereciam sistema digital. Por outro lado, como usuário aqui no Brasil tive uma experiência muito ruim. Claramente, havia uma oportunidade de criar uma alternativa. Existia muita crença negativa, de que uma startup não podia concorrer com um grande banco, mas as pessoas falavam sem saber muito sobre o assunto. Decidi que valia a pena tentar. Consegui capital e procurei os outros fundadores. E o Nubank cresceu mais rápido que imaginamos.
P. Neste último ano, junto com o Nubank também cresceu o número de fintechs com diversos serviços, bancos com cartões sem tarifa…
"Acredito que o cartão de crédito hoje é como na época que o Netflix era uma empresa que enviava DVD às pessoas. Em 5 a 10 anos não vai existir mais"
R. Estamos vendo bem a concorrência, respeitamos os bancos, são as maiores empresas do Brasil. Mas a nossa impressão é que eles não entendem o que somos. Eles nos veem como um aplicativo e um cartão sem tarifa. Então, a única coisa que eles acham que eles precisam fazer é desenvolver essas duas coisas. É quase como falar que o Uber é um aplicativo, o Netflix um website e que o Spotify é um site. É muito simplificado. A verdade é que tem toda uma tecnologia por trás, toda uma cultura de atendimento que é parte fundamental da fórmula e é isso que eles ainda não entendem. É como quando os taxistas olham o Uber e criam um aplicativo para concorrer. Nós estamos muito à frente, porque, para eles concorrerem com a gente, precisam mudar a sua própria cultura. Muitas vezes, quando você liga para os concorrentes no SAC, é a mesma experiência que um banco: você aguarda meia hora, te transferem dez vezes, fala com um atendente que está lendo um roteiro. Sabemos que aumentou a concorrência, mas até agora ela não nos tem preocupado e não tem mudado a nossa taxa de crescimento de 10% a cada mês.
Uma das áreas comuns para funcionários no Nubank. Ao fundo, grafite dos dinossauros do mundo financeiro brasileiro: os cinco grandes bancos. Exemplos que não devem ser seguidos pelos nubankers.
O atendimento ao consumidor é um dos diferencias da fintech, que não terceiriza o serviço. David foi buscar jovens recém-graduados de boas universidades e de formações distintas - de administradores a filósofos- para atender seus clientes ali, dentro do Nubank. A média de idade deles é de 25 anos e todos são considerados peças chave para o desenvolvimento do produto, já que não ficam apenas grudados no telefone ou chat. Eles estão ao lado dos engenheiros e podem dar toda a síntese dos problemas a partir das críticas dos usuários para melhorar o produto. "As empresas tradicionais vem o atendimento como um centro de despesa, como um custo operacional. Tentam contratar pessoas que não têm oportunidades salariais muito altas, terceirizam para empresas que tem alta rotatividade. Nós vemos o atendimento como uma oportunidade de conseguir mais clientes. Se o cliente liga e adora a experiência de falar com o Nubank, ele vai falar para dez pessoas, para os amigos, para a família".
Na visão do fundador da fintech, esse diferencial é o que explica o porquê da empresa não investir "nada" em marketing. O marketing do Nubank sempre foi sinônimo de boca a boca. Os primeiros clientes foram os 12 primeiros funcionários, que foram encarregados de espalharem a novidade. "É claro que isso deve mudar eventualmente com novos produtos, mas hoje contamos com os clientes que amam o produto", explica.
P. E quais seriam os novos produtos?
R. Durante três anos, o único que fizemos foi estar focado no cartão de crédito. No ano passado, foi a primeira vez que fomos para um subproduto: os Rewards que é o programa de recompensas de pontos, que você pode acumular milhas, por exemplo, que não expiram. Nele há cobrança de uma tarifa, mas é um programa muito fácil de se usar. A conta Nu lançamos no final de outubro. É o primeiro passo na direção para criar uma plataforma de serviços financeiros, sempre vimos o cartão de crédito como a entrada para criar uma marca forte, confiança com o consumidor para depois ele aceitar novos produtos.
P. Futuramente pensa em levar o Nubank para outros países?
R. Já pensamos sobre isso. Em um horizonte de longo prazo do Nubank, daqui a 10 anos, pode fazer sentido estar operando em outros países. E provavelmente estaríamos na América Latina. Mas no curto prazo, nos próximos dois, três anos o foco é 100% Brasil.
P. Qual a dificuldade no Brasil para começar uma startup?
R. Abrir uma empresa no Brasil é muito mais difícil do que nos Estados Unidos, por exemplo. Mas escalar aqui é mais fácil. Lá se você tem uma boa ideia e monta uma startup em dois meses outras vinte estarão tentando competir com você. O mercado é muito eficiente. Mas aqui se você consegue fazer algo diferenciado, é mais fácil de crescer. No Brasil, no entanto, há dificuldades regulatórias, muita burocracia e mais volatilidade.
P. Há um ano, o Governo ventilou a possibilidade de diminuir o prazo de repasse do dinheiro de compras feitas no cartão de crédito para lojistas...
R. Essas mudanças de um dia para o outro são um grande risco para a gente. Ela mataria pequenos e médios bancos e aumentaria a concentração bancária ainda mais. A concentração pularia de 90% para 100%.
P. Acredita que o cartão de crédito físico está com os dias contados?
R. Acredito que o cartão de crédito hoje é como na época que o Netflix era uma empresa que enviava DVD às pessoas. O cartão de crédito é isso hoje, daqui a cinco, dez anos já não existirá esse meio físico. E estamos programando pra isso.
P. Grandes bancos já tentaram comprar o Nubank?
R. Muitas pessoas falam que, se você incomodar os grandes bancos, vão comprar vocês. Mas eu sempre digo que, para eles comprarem, nós precisaríamos querer vender o Nubank. É como eu falar agora, "eu vou comprar o seu carro".
P. Ele não está a venda, mas por uma boa oferta....
R. Talvez. Mas nossa meta como empresa não é montar o Nubank para depois vender daqui a dois, três anos. Nossa meta desde o primeiro dia foi criar algo que vai estar nas próximas duas, três décadas, que realmente vai conseguir ser uma alternativa, ser independente. Já existiu interesse por parte das instituições, mas não há do nosso lado.
P. No início deste ano, a 99 se transformou no primeiro unicórnio no Brasil, o seleto grupo de startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. Se tornar o segundo unicórnio no país é uma meta a curto prazo?
R. Não vou comentar muito, pois quem sabe já aconteceu...
Fonte: EL PAIS
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