Maiores economias da região, comandadas por Governos pró-mercado, ainda patinam. Avaliadora de risco S&P rebaixa nota do Brasil por dificuldades de mudar Previdência
Mauricio Macri (esq.) na última reunião de gabinete de 2017. PRESIDÊNCIA ARGENTINA
Maiores economias da América do Sul, Brasil e Argentina ainda penam para normalizar suas situações econômicas. A Argentina fechou 2017 com um aumento nos preços de 24,8%, índice só superado pela Venezuela e por alguns poucos países africanos. Dezembro foi o pior mês do ano no país vizinho, com uma taxa de 3,1%, duas vezes superior à de novembro. Ou seja, em apenas um mês, a alta de preços superou a inflação anual brasileira, que ficou em 2,95% e foi amplamente comemorada pelo Governo Temer.
A alegria do Planalto durou pouco. Pouco menos de 24 horas depois, a agência de avaliação de risco Standard & Poor's rebaixou a nota de crédito da dívida do Brasil de "BB" para "BB-". A nota serve como uma baliza para grandes investidores: quanto mais baixa, mais longe o país fica de conseguir o selo de "bom pagador", o que ajuda o fluxo de investimentos e impacta em outras taxas da economia.
Em nota divulgada na noite desta quinta, a S&P elogiou os esforços do Governo Temer, considerado uma administração pró-receituário básico do mercado, mas disse que os resultados não são suficientes. Para a agência, não há apoio suficiente na classe política para avançar as reformas liberais. A advertência vem apenas semanas antes de o Planalto tentar fazer o que pode ser sua última chance de aprovar a reforma da Previdência, em fevereiro. A maior parte dos analistas já via com ceticismo a ofensiva do Governo para aprovar a mudança nas aposentadorias, um tema impopular, a apenas meses das eleições.
A ida dos brasileiros às urnas também foi um tema da Standard & Poor's. A agência não vê apoio coeso na classe política às reformas. Não acredita também que o cenário mais provável seja a vitória de candidato disposto a mudar a Previdência ou cortar os gastos públicos de maneira intensa. A S&P cita ainda que o nome que lidera as pesquisas até o momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode ficar fora da disputa. "As incertezas em torno do resultado das eleições, em nossa visão, torna menos provável que um novo presidente com um sólido capital político seja capaz de passar mudanças constitucionais significativas de maneira rápida para aliviar os gargalos de receita".
Com todo esse cenário, a agência finaliza dizendo que o Brasil deve crescer menos do que seus vizinhos — o Banco Mundial previu nesta semana 2% de expansão econômica para o Brasil, contra 3% da Argentina.
O desafio argentino
Do lado de lá, se o presidente Mauricio Macri pode ganhar estrelinhas dos agentes de mercado por haver aprovado ao menos uma reforma básica da Previdência e outra tributária, ele segue em falta junto à população. Ele chegou à Presidência com a promessa de acabar com esse mal endêmico da Argentina, que corrói o bolso dos trabalhadores, em especial daqueles que dependem da economia informal e têm mais dificuldade para renegociar salários, e que tem um grande impacto na produtividade e na balança comercial, já que a Argentina é o país mais caro da região. O Governo afirma que conseguirá atingir seu objetivo, mas em um ritmo mais lento do que o previsto. Duas semanas atrás, a equipe econômica alterou as metas de inflação, de 10% para 15% em 2018 e de 5% para 10% em 2019.
Essa mudança aproxima as expectativas oficiais daquelas do mercado, mas as primeiras ainda continuam mais baixas. Os economistas calculam que o número final de 2018 estará entre 17% e 20%; muitos argentinos temem que ele seja até mesmo maior, por causa dos aumentos bruscos ocorridos no início deste ano. O Governo autorizou, neste mês de janeiro, aumentos de até 60% nas tarifas de trens e ônibus, 24% na de eletricidade e 30% na da água. Os impostos municipais no perímetro urbano de Buenos Aires subirão até 60% em 2018. Também foram aprovados aumentos nos serviços de cobertura médica privada, nos pedágios e nas mensalidades das escolas particulares. Os sindicatos ainda não falam de números, mas já afirmam que irão reivindicar aumentos salariais superiores à inflação prevista quando as negociações de acordos coletivos começarem.
Os fortes aumentos nos transportes e nos serviços básicos atendem à estratégia do Governo de retirar os generosos subsídios implantados pelo kirchnerismo e que tinham um custo elevado para os cofres públicos. Mas a classe média tem de somar essas despesas, antes irrelevantes, a muitos outros gastos, como os do supermercado, que não só são superiores aos dos países vizinhos, mas também ao que se vê na Europa.
Otimismo excessivo
Para Federico Semeniuk, gerente de estratégia financeira da consultoria Ecolatina, o Governo cometeu “um erro” ao prometer que baixaria a inflação em pouco tempo. Ele explica que outros países que adotaram metas para a inflação, como Peru, Colômbia e Chile, precisaram de mais tempo para diminuir a escalada dos preços. Por isso, na sua opinião o Governo macrista avança “na direção certa”, como mostra a queda dos 40% de 2016 para os 25% atuais, mas o fato de “ter sido otimista demais” atua contra ele na percepção da população.
Semeniuk acredita que o aumento das tarifas é um dos obstáculos para uma queda mais acelerada da inflação, mas não único. É preciso, também, corrigir o déficit fiscal e desmontar uma certa inércia inflacionária, que faz com que os empresários aumentem os preços toda vez que o dólar sobe e os sindicatos a exigirem ajustes salariais que recomponham o poder aquisitivo dos trabalhadores.
Ramiro Castiñeira, diretor da consultoria Econométrica, lembra o ano de 1935, quando se criou o Banco Central argentino, para explicar a origem do problema. “No seu primeiro século de história, a Argentina conheceu uma inflação média de 3%, com variações derivadas dos vaivéns da economia internacional”, diz Castiñeira. Depois da criação do Banco Central e da decisão posterior de fechar sua economia, “o Governo começa a acionar a maquininha [de emissão de moeda] para financiar o gasto público”, observa, e, com raras exceções, “a maioria manteve essa dinâmica”, com inflações quase sempre de dois dígitos.
“A Argentina ganhará a batalha da inflação somente quando equilibrar as suas contas públicas. Na Argentina, sempre gastamos mais do que aquilo que temos e queremos cobrir isso ou com a emissão de dinheiro ou com a dívida externa. Nenhum desses caminhos á saudável. Os dois sempre acabam mal”, alerta Castiñeira, para quem o combate deve focar o controle do déficit.
A estratégia do Banco Central para enfrentar o problema, oferecendo taxas de juros bastante altas – bem mais altas do que as dos demais países da região -, provocou curtos-circuitos com o Governo. As taxas de juros elevadas atraem muitos investidores, mas afastam o dinheiro da economia produtiva, essencial para gerar novos postos de trabalho e crescimento. Depois de flexibilizar as metas de inflação, a instituição monetária reduziu a taxa básica em 75 pontos, para 28%, uma redução inferior à desejada pela equipe econômica de Macri.
A margem de que dispõe o Banco Central é diminuta, argumenta Semeniuk. “Ao flexibilizar a meta de inflação, a exigência em relação a ela, paradoxalmente, aumenta. No futebol, diríamos que aumentaram o tamanho do gol, e errar o pênalti, nesse caso, implicará um tiro ainda maior contra a própria reputação. Antes a meta era vista como uma referência. Agora, ficou pior não cumpri-la”, afirma.
O macrismo conquistou um forte respaldo nas eleições legislativas de outubro passado. Suas políticas contam, ainda, com o apoio de grande parte do mundo econômico argentino e internacional, que aplaude o fim das restrições cambiais, a reabertura progressiva do país, a melhora da segurança jurídica e o resgate da credibilidade das estatísticas oficiais, entre outras medidas. Depois de um 2016 de recessão, a maioria dos indicadores são, hoje, positivos. Mas a inflação continua com um sinal vermelho, transformada no inimigo mais visível de Macri.
Fonte: EL PAIS BR
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