Mais de cem advogados e professores de Direito se juntaram para se contrapor às pregações punitivistas de setores do Judiciário e do Ministério Público. Como forma de protesto, fizeram um abaixo-assinado para criticar a declaração do juiz federal Marcelo Bretas de que a Justiça deve ser temida. "Medo rima com arbítrio e tirania."
O manifesto se baseia em texto publicado pelo constitucionalista Lenio Streck em seu espaço na ConJur. No texto, Lenio se refere a uma foto em que Bretas posa com um fuzil para dizer que ela pode ter sido uma mensagem sobre a relação entre medo e Justiça.
Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, da TV Globo, Bretas comentou a possibilidade de reversão do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a execução antecipada da pena. "Significaria um retrocesso no combate à corrupção", disse, "porque a Justiça tem que ser temida". "É necessário que haja esse temor, que as pessoas tenham medo. As pessoas têm que ter o temor e considerar ‘se eu fizer alguma coisa errada, eu posso ser condenado, eu posso ser preso, eu posso ser envergonhado’."
A declaração foi encarada pelos signatários do abaixo-assinado como a última manifestação da cultura punitivista que tem tomado conta do Estado. Para eles, a Justiça só deve ser temida se for vingativa, desproporcional, parcial, incompetente e autoritária. "Afinal, como não temer a Justiça Penal repressora, seletiva e estigmatizante? Tememos as decisões que atropelam os direitos e garantias fundamentais. Tememos o abuso, o ativismo e o decisionismo."
"Desgraçadamente, tememos uma justiça que rasga a Constituição da República e que fecha os olhos para as desigualdades sociais", continuam. Para os juristas, o Judiciário quer resolver conflitos "por meio da força e da intimidação".
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Leia o manifesto:
Contra o medo, invocamos o direito: manifesto contra o arbítrio!
O Professor e Jurista Lenio Streck publicou no ConJur (aqui) do dia 7.1.2018 contundente artigo denunciado à nação um conjunto de atitudes, manifestações e decisões provenientes do Poder Judiciário e do Ministério Público que demonstram o corriqueiro desrespeito para com a Constituição, a violação das garantias constitucionais e naturalizam o arbítrio.
Representativo desse perigoso quadro é a entrevista do Juiz Marcelo Bretas (aqui), dizendo que a justiça tem que ser temida. Trata-se do mesmo juiz que já dissera, em outra ocasião, que a Bíblia era o principal livro do fórum em que atuava (ler aqui). Também se apresentou nas redes sociais de arma em punho.
Em seu texto, Streck desafia e pergunta: diante dos elementos cotidianos apresentados pela Justiça brasileira, de que modo não ter medo quando, por exemplo, é corriqueira a inversão do ônus da prova no processo criminal, não há prazo para prisões preventivas, a investigação é feita mediante a banalização das intercepções telefônicas, inclusive de escritórios de advocacia, naturaliza-se o “prendo para delatar”, “prendo para investigar”, criminaliza-se o direito de defesa com panfletos como “manifesto contra a bandiodolatria”, projetos para permitir prova ilícita, descumprimentos dos limites semânticos mínimos da legislação e da Constituição, substituição do direito por juízos morais, dentre tantas outras violações cotidianas, que constituem uma verdadeira violência simbólica – um bullying jus-político-moral contra os advogados e a cidadania? Como não ter medo, se os Tribunais pré-julgam com base em argumentos morais e condenam com base em probabilidades?
Nós, os signatários, advogados, professores e operadores do direito respondemos ao repto e denunciamos essa tentativa de intimidação. E dizemos: Medo rima com arbítrio e tirania. Respeito, sim. Medo, jamais.
Por isso, à indagação final do artigo sobre se os juristas brasileiros “também acham que a Justiça deve ser temida?”, devemos, parafraseando os poetas Vinicius de Moraes e Toquinho, em bela e ao mesmo tempo melancólica música “Carta ao Tom 74”, tentar dar nossa modesta “resposta”.
Sim, deve ser temida se for uma justiça vingativa, desproporcional e punitivista. Deve ser temida se a justiça for parcial, incompetente e autoritária. Afinal, como não temer a justiça penal repressora, seletiva e estigmatizante? Tememos as decisões que atropelam os direitos e garantias fundamentais. Tememos o abuso, o ativismo e o decisionismo.
Desgraçadamente, tememos uma justiça que rasga a Constituição da República e que fecha os olhos para as desigualdades sociais.
Como não ter medo de uma justiça que busca a solução dos conflitos usando a força e a intimidação? Uma justiça que transforma a liberdade em exceção e que faz da prisão a regra?
Como não ter medo de uma justiça que transforma juízes (seres humanos falíveis) em heróis, alguns até armados? Tememos uma justiça que viola o devido processo legar e que despreza o contraditório e a ampla defesa.
Para toda a comunidade jurídica, afirmamos: Justiça e medo não são as duas faces da mesma moeda. Não numa democracia. Onde se institucionaliza o medo não há espaço para o exercício da liberdade. A Constituição estabelece um sistema de garantias cuja finalidade é, precisamente, que o cidadão possa viver sem medo, sobretudo do Estado. Qualquer leitura contrária equivale a negar o Direito e aniquilar a Justiça."
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