O ginecologista agiu a pedido do dono do bordel, que tentava proteger um cliente de escândalo.
Caso aconteceu em 2009 em Lugo e agora o promotor pede a prisão dos três envolvidos
Silvia R. Pontevedra
Lugo 15 JAN 2018 - 21:13 BRST
José Manuel García Adán, o principal implicado na Operação Carioca, em 2015 PEDRO AGRELO
“Tenho um problema muito grande e é preciso resolvê-lo do jeito que for”, disse por telefone a um policial vinculado ao clube Queen’s de Lugo, na Espanha, um empresário do setor da construção. Uma mulher que trabalhava no bordel mais famoso da cidade lhe acabava de anunciar que estava grávida dele, pela exigência supostamente habitual do cliente de ejacular dentro dela sem usar camisinha. A jovem de 18 anos, de nacionalidade colombiana e nesse momento sem familiares em quem se apoiar, desejava ter esse bebê. Mas o empresário, que tinha 45 e estava casado e com filhos, recorreu ao policial. Este contou ao gerente do bordel. E este acabou pedindo uma consulta para quatro dias depois, segunda-feira, 6 de abril de 2009, às 20 horas, em uma clínica ginecológica sem licença do centro de Lugo. Segundo relatou no juizado de instrução 1 da cidade espanhola a suposta vítima de um crime de aborto ilegal sob coação, a interrupção da gravidez à qual foi forçada foi feita sem anestesia. Também disse que, como no procedimento não havia enfermeira, o ginecologista a obrigava a segurar na própria mão seu instrumental enquanto ela se retorcia de dor. Diante da juíza Pilar de Lara ela declarou que sentia como se o médico lhe estivesse “arrancando a pele”. Nove anos depois do ocorrido, o promotor pede a abertura de julgamento oral e que cada um – o médico, o empresário e o proxeneta - cumpra quatro anos e meio de prisão.
Trata-se de um dos truculentos capítulos que consta do maior sumário contra a prostituição instruído na Espanha, o da Operação Carioca (250 volumes distribuídos em 52 partes, 1,2 milhão de folhas, 100 imputados e quase 400 testemunhas), e um dos primeiros que provavelmente vai a julgamento. O nome da operação foi escolhido devido ao grande número de prostitutas brasileiras investigadas no caso. Na Espanha, o termo 'carioca' é usado para fazer referência a brasileiros de qualquer região do país.
Entre as provas contra os acusados estão os relatórios forenses e os grampos em que se pode escutar o suposto pai da criança, R.L.L.T, pedindo sigilo na hora de falar do assunto por telefone porque sua mulher está desconfiada. Também se escuta o chefe do clube Queen’s de Lugo, José Manuel García Adán, o principal implicado na Operação Carioca e já condenado em 2014 a 21 anos de prisão por maltratar sua esposa. “As mulheres são umas porcas”, proclama nas escutas. Segundo ele, sua empregada de 18 anos “é uma filha da puta” que com a gravidez o que consegue é “foder um cliente”.
Em uma de suas falas relata a conversa que teve com ela para pressioná-la ao aborto. A moça lhe perguntou por que o empresário havia recorrido a ele, e ele lhe responde: “Ora, porque fode aqui, e tenho de preocupar-me com meus clientes”. Além disso, ainda supostamente sabendo que as prostitutas praticam sexo sem preservativo a pedido dos homens, se vangloria instruí-la para o futuro: “O mais normal é que você coloque uma camisinha para não ter problemas”.
O promotor considera provado que, ante a negativa da jovem de abortar, R.L.L.T., contatou Adán “sabendo que teria a capacidade de forçá-la ilicitamente”, “prevalecendo-se de sua superioridade” e “da situação pessoal desta”, sem família na Espanha nem “meio de subsistência diferente de sua atividade no clube”. “As pressões exercidas” somadas ao “conhecimento que esta tinha de anteriores comportamentos violentos” de Adán “fizeram com que temendo que pudesse ocorrer algo a ela ou a sua família” a garota fosse à consulta médica.
O próprio proxeneta combinou rapidamente a intervenção com “um amigo ginecologista” e, no dia marcado, a mulher chegou à consulta acompanhada, como afirmou, por Adán, pela filha menor de idade deste e uma amiga da menina. Os três foram embora e deixaram o médico sozinho com a jovem. “Não havia meios clínicos adequados” e “pessoal de ajuda ou de enfermaria de qualquer tipo”, afirma agora em seu escrito o Ministério Público de Lugo. Não obteve o “consentimento expresso da gestante” e “pôs fim à gravidez pelo método de aspiração a vácuo, destruindo o produto da concepção sem usar qualquer anestesia”.
“Ela estava muito entusiasmada com esse bebê”, disse à juíza outra mulher que havia trabalhado como prostituta, quando era menor de idade, ao lado da vítima. Em seu depoimento, também explicou que o empresário “sempre ia” ao clube procurando a mesma trabalhadora e que gastava muitíssimo dinheiro a cada vez. Uns “400 euros (cerca de 1.600 reais) apenas para convidar as meninas para beber” e até 1.000 euros no clube. A mulher que abortou acrescenta que o homem usava cocaína e que ela entendeu que essa era a razão pela qual depois pedia sexo sem preservativo. Adán pagou a operação ao médico. De acordo com os vazamentos, foram 600 euros, que mais tarde pediria a esse cliente que tanto lhe interessava manter.
O médico, C.J.A.M., disse à paciente que a intervenção duraria 15 minutos, mas para ela pareceram “duas horas” por causa da dor que sentiu, como se estivessem arrancado “a pele”. Estava nua da cintura para baixo e as pernas estavam amarradas à maca. A máquina, como afirmou no tribunal, “funcionava com água, mas a água falhava e o médico dava umas pancadinhas”. Ela disse que enquanto ele dava essas pancadinhas para colocá-la em funcionamento, ela tinha de “segurar a cânula e o dispositivo de sucção”. Descreveu que “gritava de dor” e que o ginecologista protestou: “Você precisa segurar com força, porque, ainda por cima, está muito nervosa”, “cacete! você é a garota mais chorona que já tive”. Quando terminou, a mulher voltou de táxi para casa. Adán telefonou para o cliente, que estava jogando golfe, informou-lhe que a menina estava de cinco semanas e garantiu que ele podia viajar “tranquilo”.
Tanto o suposto pai da criança, quanto o médico e o proxeneta foram presos quando foi deflagrada a Operação Carioca, no fim de 2009, e cumpriram prisão provisória. O Ministério Público considera agora a circunstância atenuante de dilação para pedir as penas, mas considera que os três réus podem ter o mesmo grau de culpabilidade. No caso de o tribunal não conseguir estabelecer que estava ciente de que a paciente estava abortando sob pressão, pede que o médico, que também exercia sua profissão em uma clínica pública do sistema de saúde galego, cumpra uma pena de apenas um ano e dois meses e seja suspenso por dois anos. No âmbito da Operação Carioca, o ginecologista também foi investigado pelo aborto de outra prostituta, mas essa parte foi arquivada.
Depois da traumática experiência, a mulher caiu em estado de depressão, “desassossego” e “insônia” que foram diagnosticados por médicos-legistas durante a instrução. Fugiu para Murcia para trabalhar em outro prostíbulo e lá acabou sangrando em um hospital: o ginecologista de Lugo havia deixado uma parte da placenta. Já de volta a Galícia, com o tempo começou a estudar. Queria terminar o secundário e se inscrever em um curso profissionalizante.
“Tenho um problema muito grande e é preciso resolvê-lo do jeito que for”, disse por telefone a um policial vinculado ao clube Queen’s de Lugo, na Espanha, um empresário do setor da construção. Uma mulher que trabalhava no bordel mais famoso da cidade lhe acabava de anunciar que estava grávida dele, pela exigência supostamente habitual do cliente de ejacular dentro dela sem usar camisinha. A jovem de 18 anos, de nacionalidade colombiana e nesse momento sem familiares em quem se apoiar, desejava ter esse bebê. Mas o empresário, que tinha 45 e estava casado e com filhos, recorreu ao policial. Este contou ao gerente do bordel. E este acabou pedindo uma consulta para quatro dias depois, segunda-feira, 6 de abril de 2009, às 20 horas, em uma clínica ginecológica sem licença do centro de Lugo. Segundo relatou no juizado de instrução 1 da cidade espanhola a suposta vítima de um crime de aborto ilegal sob coação, a interrupção da gravidez à qual foi forçada foi feita sem anestesia. Também disse que, como no procedimento não havia enfermeira, o ginecologista a obrigava a segurar na própria mão seu instrumental enquanto ela se retorcia de dor. Diante da juíza Pilar de Lara ela declarou que sentia como se o médico lhe estivesse “arrancando a pele”. Nove anos depois do ocorrido, o promotor pede a abertura de julgamento oral e que cada um – o médico, o empresário e o proxeneta - cumpra quatro anos e meio de prisão.
Trata-se de um dos truculentos capítulos que consta do maior sumário contra a prostituição instruído na Espanha, o da Operação Carioca (250 volumes distribuídos em 52 partes, 1,2 milhão de folhas, 100 imputados e quase 400 testemunhas), e um dos primeiros que provavelmente vai a julgamento. O nome da operação foi escolhido devido ao grande número de prostitutas brasileiras investigadas no caso. Na Espanha, o termo 'carioca' é usado para fazer referência a brasileiros de qualquer região do país.
Entre as provas contra os acusados estão os relatórios forenses e os grampos em que se pode escutar o suposto pai da criança, R.L.L.T, pedindo sigilo na hora de falar do assunto por telefone porque sua mulher está desconfiada. Também se escuta o chefe do clube Queen’s de Lugo, José Manuel García Adán, o principal implicado na Operação Carioca e já condenado em 2014 a 21 anos de prisão por maltratar sua esposa. “As mulheres são umas porcas”, proclama nas escutas. Segundo ele, sua empregada de 18 anos “é uma filha da puta” que com a gravidez o que consegue é “foder um cliente”.
Em uma de suas falas relata a conversa que teve com ela para pressioná-la ao aborto. A moça lhe perguntou por que o empresário havia recorrido a ele, e ele lhe responde: “Ora, porque fode aqui, e tenho de preocupar-me com meus clientes”. Além disso, ainda supostamente sabendo que as prostitutas praticam sexo sem preservativo a pedido dos homens, se vangloria instruí-la para o futuro: “O mais normal é que você coloque uma camisinha para não ter problemas”.
O promotor considera provado que, ante a negativa da jovem de abortar, R.L.L.T., contatou Adán “sabendo que teria a capacidade de forçá-la ilicitamente”, “prevalecendo-se de sua superioridade” e “da situação pessoal desta”, sem família na Espanha nem “meio de subsistência diferente de sua atividade no clube”. “As pressões exercidas” somadas ao “conhecimento que esta tinha de anteriores comportamentos violentos” de Adán “fizeram com que temendo que pudesse ocorrer algo a ela ou a sua família” a garota fosse à consulta médica.
O próprio proxeneta combinou rapidamente a intervenção com “um amigo ginecologista” e, no dia marcado, a mulher chegou à consulta acompanhada, como afirmou, por Adán, pela filha menor de idade deste e uma amiga da menina. Os três foram embora e deixaram o médico sozinho com a jovem. “Não havia meios clínicos adequados” e “pessoal de ajuda ou de enfermaria de qualquer tipo”, afirma agora em seu escrito o Ministério Público de Lugo. Não obteve o “consentimento expresso da gestante” e “pôs fim à gravidez pelo método de aspiração a vácuo, destruindo o produto da concepção sem usar qualquer anestesia”.
“Ela estava muito entusiasmada com esse bebê”, disse à juíza outra mulher que havia trabalhado como prostituta, quando era menor de idade, ao lado da vítima. Em seu depoimento, também explicou que o empresário “sempre ia” ao clube procurando a mesma trabalhadora e que gastava muitíssimo dinheiro a cada vez. Uns “400 euros (cerca de 1.600 reais) apenas para convidar as meninas para beber” e até 1.000 euros no clube. A mulher que abortou acrescenta que o homem usava cocaína e que ela entendeu que essa era a razão pela qual depois pedia sexo sem preservativo. Adán pagou a operação ao médico. De acordo com os vazamentos, foram 600 euros, que mais tarde pediria a esse cliente que tanto lhe interessava manter.
O médico, C.J.A.M., disse à paciente que a intervenção duraria 15 minutos, mas para ela pareceram “duas horas” por causa da dor que sentiu, como se estivessem arrancado “a pele”. Estava nua da cintura para baixo e as pernas estavam amarradas à maca. A máquina, como afirmou no tribunal, “funcionava com água, mas a água falhava e o médico dava umas pancadinhas”. Ela disse que enquanto ele dava essas pancadinhas para colocá-la em funcionamento, ela tinha de “segurar a cânula e o dispositivo de sucção”. Descreveu que “gritava de dor” e que o ginecologista protestou: “Você precisa segurar com força, porque, ainda por cima, está muito nervosa”, “cacete! você é a garota mais chorona que já tive”. Quando terminou, a mulher voltou de táxi para casa. Adán telefonou para o cliente, que estava jogando golfe, informou-lhe que a menina estava de cinco semanas e garantiu que ele podia viajar “tranquilo”.
Tanto o suposto pai da criança, quanto o médico e o proxeneta foram presos quando foi deflagrada a Operação Carioca, no fim de 2009, e cumpriram prisão provisória. O Ministério Público considera agora a circunstância atenuante de dilação para pedir as penas, mas considera que os três réus podem ter o mesmo grau de culpabilidade. No caso de o tribunal não conseguir estabelecer que estava ciente de que a paciente estava abortando sob pressão, pede que o médico, que também exercia sua profissão em uma clínica pública do sistema de saúde galego, cumpra uma pena de apenas um ano e dois meses e seja suspenso por dois anos. No âmbito da Operação Carioca, o ginecologista também foi investigado pelo aborto de outra prostituta, mas essa parte foi arquivada.
Depois da traumática experiência, a mulher caiu em estado de depressão, “desassossego” e “insônia” que foram diagnosticados por médicos-legistas durante a instrução. Fugiu para Murcia para trabalhar em outro prostíbulo e lá acabou sangrando em um hospital: o ginecologista de Lugo havia deixado uma parte da placenta. Já de volta a Galícia, com o tempo começou a estudar. Queria terminar o secundário e se inscrever em um curso profissionalizante.
Fonte: https://brasil.elpais.com
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