por Rémy Herrera
Um primeiro ponto, estatístico, para começar: a única
fonte de contagem do número total de participantes nas mobilizações dos
“coletes amarelos” é o Ministério do Interior francês. Isto é em si
mesmo extremamente problemático, em primeiro lugar porque a própria
natureza deste movimento torna impossível um cálculo exato; além disso
porque o Estado cada vez mais frequentemente recorre, para efetuar
estas contagens, a sociedades privadas especializadas – cuja
independência deve ser interrogado. Finalmente, porque o interesse
evidente das autoridades é minimizar este número, tal como o faz em toda
manifestação organizada pelos sindicatos – os quais costumam fornecer
uma estimativa geral alternativa.
Um exemplo: para o “Ato VII” de 29 de Dezembro de 2018, o Ministério
do Interior anunciava que 12 mil coletes amarelos estavam mobilizados
no conjunto do território. Ora, a simples soma dos dados oficiais
relativos às ações de coletes amarelos efetuadas em apenas nove
cidades (no caso, Bordéus com 2500 participantes; Toulouse com 2400;
Marselha 2000; Metz 2000; Lyon 1000, Rouen 1000; Brest 750; Caen 700 e
Sens 300 – dados fornecidos pelas prefeituras, mas amplamente
subestimados – ultrapassa os 12 mil! E quanto às outras 35 991 comunas
francesas, a da capital inclusive? Não havia ninguém nas rotundas neste
dia? Absurdo! No entanto, esta “estimativa” dos 12 mil coletes amarelos
foi repetida em série em todos os media dominantes, sem pô-la em causa e
sem nuances. Isto é tanto mais ridículo quando uma das palavras de ordem
dos coletes amarelos é doravante ir protestar… sem colete! Para melhor
se fundirem na multidão e evitar assim serem interpelados pelas forças
da ordem…
Transmitidas por seus porta-vozes mediáticos, as autoridades tinham
objectivos bem claros, imediatamente antes da apresentação de votos aos
franceses do presidente Emmanuel Macron, em 31 de Dezembro: “provar” 1)
que a mobilização dos coletes amarelos abrandava; 2) que aquelas e
aqueles que optavam por prosseguir a luta eram “elementos radicais”,
“extremistas” isolados do resto do movimento, adepto da violência para
arruinar os “pobres comerciantes” em período de festas de fim de ano, ou
mesmo, pior ainda, para “atacar a República”, “atentar contra a
democracia” e “derrubar o poder”; e 3) que a fuga em frente do governo
na escalada da repressão é justificada.
Quando se encontrava entre cerca de cinquenta coletes amarelos a
prestar homenagem às vítimas da violência policial, Éric Drouet, uma das
figuras mais conhecidas do movimento, foi novamente interpelado e
detido em 2 de Janeiro. Penas de prisão foram requeridas (e algumas já
pronunciadas) contra várias centenas de coletes amarelos. Um havia
gritado na cara de um deputado da maioria “à guilhotina!”; outros haviam
decapitado um boneco com a efígie do presidente Macron…
Do lado da
imprensa escrita, o grande prêmio cabe sem dúvida a este jornalista que
num devaneio lírico afirma que apoiar os coletes amarelos é declarar-se
partidário “dos goulags soviéticos, dos campos de concentração cubano e
do genocídio dos khmers vermelhos”. Desculpemo-lo: o pânico que devasta
atualmente as fileiras da burguesia faz com que digam não importa o
que. E sugerimos aos seus chefes que lhe ofereçam uma semana de férias
sob os trópicos para que descanse um pouco e verifique por si mesmo se
há (ou não) campos de concentração em Cuba.
O Ato VIII de sábado, 5 de Janeiro, demonstrou que a mobilização dos
coletes amarelos não enfraqueceu. E que uma maioria clara de franceses
(sempre mais de 55 ou 60%, segundo sondagens recentes) continua a
demonstrar simpatia e dar apoio ao movimento em curso. Segundo as
informações da polícia, 50 mil coletes amarelos (claramente mais,
conforme é verossímil) ainda estavam na rua, no frio do Inverno,
bloqueando os eixos de circulação ou a manifestar-se nas ruas das
grandes cidades do país (assim como das menores), para exigir mais
democracia política, justiça social. Por toda a França, até em pequenas
aldeias por vezes, efetuavam-se inúmeras reuniões populares de coletes
amarelos, pacíficas, joviais, com bom humor, entre amigos, ou vindas em
família, todas e todos motivados e determinados a lutar mais e mais.
Corajosamente. Dignamente. Fraternalmente. E saudados pelas buzinas de
automobilistas solidários.
E em alguns lugares, inevitáveis cenas de exasperação, tensões, caos –
as únicas imagens difundidas incansavelmente pelas cadeias de
televisão, para tentar inquietar, dividir, dissuadir, desencorajar (em
vão!) –: barricadas de rua, braseiros na noite, afrontamentos por vezes
muito violentos com as forças da ordem em várias cidades de província,
sob uma chuva de granadas de lacrimogêneas e golpes de cassetete, ou em
Paris, aqui e ali, até junto à avenida dos Campos Elísios, sob os
cordões vermelhos cintilantes das decorações de Natal. Bem no meio,
turistas vindos festejar o novo ano à la française. Assim, bom e feliz 2019 para todas e todos!
As
novidades deste 5 de Janeiro? Um percurso pré-determinado de
manifestação declarado “dentro das regras” junto às autoridades da
polícia por organizadores dos coletes amarelos na capital, indo da praça
do Hôtel de Ville à Assembleia Nacional. Várias tentativas de intrusão
de coletes amarelos no recinto de edifícios oficias (prefeituras…),
dentre as quais a mais espectacular foi aquela de um pequeno grupo de
pessoas irrompendo com ajuda de um empilhador a entrada do Ministério
das Relações com o Parlamento, destruindo por este meio algumas viaturas
de função e provocando a evacuação precipitada do porta-voz do governo,
Benjamin Griveaux – antigo membro do Partido Socialista (e braço
direito de Dominique Strauss-Kahn) – e de seus colaboradores.
Ainda mais impressionante, as imagens de um manifestante fazendo
recuar a golpes de punho uma fileira de polícias com capacetes e munidos
de couraças sobre uma ponte de Paris; e a de Toulon, com um oficial
superior da polícia a bater repetidamente no rosto de um indivíduo que
acabava de ser interpelado. O primeiro, um antigo campeão de box francês
ganho à causa dos coletes amarelos, depois de foragido durante dois
dias foi constrangido a apresentar-se (aqueles que desejariam financiar o
apoio à sua família que tomem cuidado: uma secretária de Estado ameaça
persegui-los em tribunal!). O segundo, justifica suas ações declarando
que estava em vias de neutralizar um “delinquente perigoso” e “líderes”…
e que não temia nenhuma eventual apresentação de queixa contra ele pois
é… comandante da polícia! E condecorado com a Legião de Honra desde 1º
de Janeiro.
Para além destes acontecimentos, que nada têm de triviais, convém
avaliar a crise política na qual o país hoje está mergulhado. E
compreender bem a gravidade da situação: o presidente Macron, que ainda
há pouco tempo dizia amar “o contacto dos franceses”, não efetuou mais a
menor saída pública desde… 4 de Dezembro último! Naquela data ele havia
efetuado uma visita ao Puy-en-Velay depois de manifestantes terem
incendiado a prefeitura de Haute-Loire (região Auvergne-Rhône Alpes).
Uma visita de onde voltou, diz-se, traumatizado: um comitê de acolhida
de protestatários em cólera o havia apupado furiosamente, insultado com
diversos nomes de pássaros e havia perseguido o veículo presidencial
através da cidade…
Um mês e cinco dias depois, o gabinete da presidência da República
Francesa informava que todas as “cerimônias de votos” em que Emmanuel
Macon devia inicialmente participar iam ser anuladas – com exceção
daquela prevista diante das forças armadas. O motivo alegado? O
presidente desejaria “concentrar-se” na redação de uma “Carta” aos seus
concidadãos e na “abertura do Grande Debate”…
Pois cogita-se da “abertura de um Grande Debate”! Um “Grande Debate”
que deve se esforçar por responder às “expectativas profundas dos
franceses”… mas não tratar senão dos temas selecionados pelo governo! A
fim de coordenar esta farsa de democracia, Emmanuel Macron havia
nomeado a atual presidente da “Comissão nacional do debate público”,
Chantal Jouanno – ex-colaboradora e ministra de Nicolas Sarkozy.
Bastaram alguns dias – e a revelação da confortável remuneração a
receber pela senhora Jouanno (mais de 176 mil euros brutos por ano,
pagos com fundos públicos) – para levar esta última a que renunciasse
conduzir o dito “Grande Debate” (mas, tranquilizem-se, não de ser
remunerada!).
Frente à “multidão odiosa”, como o presidente Macron agora qualifica
os coletes amarelos, este – entrincheirado por trás dos muros espessos
do Palácio do Eliseu – preveniu: pretende ir “mais longe e mais forte”,
ser “ainda mais radical”, ou seja, retomar as “reformas”. Leia-se aqui:
“adotar novas medidas de destruição dos serviços públicos (aceleração
do desmantelamento do setor da energia, dentre outras), recuo da
proteção social (a começar pelo endurecimento das condições de obtenção
do subsídio de desemprego e das pensões de reforma), colocação em causa
do estatuto dos funcionários, etc.
E o primeiro-ministro, Édouard Philippe, vai mais além: participar de
uma manifestação não declarada não seria mais objeto de uma
contravenção (punível com uma simples multa), mas a partir de agora
seria considerado um delito (podendo resultar em condenações à prisão).
Portanto o ano de 2019 em França promete ser particularmente “delitiv
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
Fonte: http://www.patrialatina.com.br/a-mobilizacao-dos-coletes-amarelos-nao-amortece/
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Perfil
- I.A.S.
- Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR
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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019
A mobilização dos coletes amarelos não amortece
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