Eu só aduziria que certos privilégios não se limitam ao Judiciário em si, mas também aos cartórios extrajudiciais.Basta que se atente para quem são os titulares dos Ofícios de Registro de Imóveis em Florianópolis, por exemplo.
-=-=-=-
-=-=-=-
A nova nobreza… (por Fernando Horta)
No século XVIII a história concorda que foi espaço para o brado “liberdade, igualdade e fraternidade”. As revoluções levadas a cabo desde 1688 até 1917 terminaram com privilégios feudais que a nobreza mantinha há mais de 1300 anos.
Na Inglaterra levantaram-se contra os desmandos do Rei apoiado por sua nobreza. Na França pediam igualdade social e política, nos EUA declararam uma série de leis “intoleráveis” e buscavam emancipação política. Na Rússia eliminaram toda uma casta de aproveitadores sociais que, mesmo durante a primeira guerra, não diminuíram seus privilégios, deixando a população arcar com todo o custo econômico e social do conflito.
O historiador Eric Hobsbawm, possivelmente o maior estudioso do período, afirma que nada disso seria possível sem que o grupo que se sentia mais prejudicado com tudo isso – a burguesia – não tivesse sido empoderado economicamente. É através da Revolução Industrial que a burguesia, dotada de meios físicos, iniciou sua luta contra essa parcela da sociedade cheia de privilégios e sem virtualmente nenhum aporte a ser dado ao Estado.
Mas efetivamente o quê era a nobreza? E por que ela tanto incomodava a burguesia? A nobreza era o estamento que havia comandado o Estado pelos últimos 1300 anos. Era apoiada pela igreja (numa relação de amor e ódio) no sentido de afirmar o caráter divino (e, portanto, diferenciado do resto dos mortais) que permitiam a esses diferenciados não apenas manterem seus privilégios como também não serem questionados. Tais privilégios variavam desde questões culturais como o direito de “Prima Noite” (em que o nobre tinha o direito a ser a primeira noite de sexo de qualquer serva dentro dos seus domínios) até questões econômicas como, por exemplo, ser sustentado pelo trabalho do resto da sociedade. Quando o Estado Nacional Moderno surge, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, essa mesma nobreza solidifica-se dentro deste Estado e passa ser totalmente sustentada por ele. Desde moradia, educação, alimentação, segurança, enfim … tudo o que fosse de interesse da nobreza era sustentado pelo Estado. De fato, no final do século XVIII e início do XIX os países que mantinham esses “privilegiados” como parte intocada de sua sociedade entraram em crises econômicas violentas. Sem pagarem impostos, sem produzirem riqueza e, mesmo sendo parte ínfima da população (não chegavam a 5% do total), recebiam mais de 30% de toda a riqueza produzida, em média.
Houve revolução. Cabeças rolaram, outras tiveram que adaptarem-se e perder seus anéis. O povo saiu às ruas, ainda que tutorado por uma burguesia revolucionária, mas o povo saiu às ruas. Os privilégios foram cortados, a palavra “igualdade” adquiriu significado. Esse grupo social de intocáveis, sustentados pelo dinheiro do Estado que vinha via impostos, deixou se ser “a lei” para serem reconhecidos como parasitas sociais. Com maior ou menor fúria a mudança ocorreu e simbolizou uma nova era na história do homem.
No Brasil não houve revolução. Nunca questionamos nossas elites. Mas, atentem para o detalhe: temos um grupo ínfimo de pessoas que são sustentadas pelo Estado cheio de privilégios. Todo o imposto que eventualmente pagam recebem de volta sob o título de “auxílio” qualquer coisa. São “a lei” em nosso país. São intocáveis pelas regras que eles mesmo criam e defendem. Reproduzem-se e seus filhos ocupam cargos semelhantes, senão maiores que os seus, no próprio Estado. Sustentados pelo Estado eles mantém uma diferenciação social abismante enquanto continuam a se auto atribuírem benesses. Desde auxílio vestuário, gasolina, educação, moradia, alimentação, saúde até benesses como garçons, motoristas, seguranças, elevadores exclusivos e etc. Tudo pago com o dinheiro do Estado que, por sinal, dizem, está em crise financeira.
Tais “senhores” aumentam ao seu bel prazer os receituários que recebem. O judiciário apresentou projeto de 78% de aumento aos seus participantes. Deputados e senadores seguirão a onda pela tal “isonomia”. O TCU aprovou auxílio moradia para todos os juízes do Brasil e já se encontram ações em curso pedindo que seja reconhecido a retroatividade do auxílio! Essas ações, julgadas pelas mesmas pessoas que tem interesse nela, irão engordar as contas bancárias dos recipientes-julgadores em algumas centenas de milhares de reais para cada um. O tribunal do RJ, por exemplo, aprovou auxílio educação para os juízes do seu estado. Alguns milhares de reais que cairão em suas contas para que seus filhos continuem a se perpetuar nos altos cargos deste Estado. Já haviam aprovado um “auxílio ipad” cuja função era permitir aos juízes acesso às “tecnologias avançadas” que anualmente “precisam ser recompradas”. Esses mesmos senhores são inimputáveis, como decidiram os PRÓPRIOS tribunais em casos recentes em que uma reles fiscal de trânsito, por exemplo, resolveu ter a petulância de dizer que “juiz não é Deus”. Se pegos em qualquer ilícito depois do tortuoso andamento processual em que precisam ou do aval dos colegas ou do seu completo desdém destes, essa nobreza judiciária recebe a pesada pena de aposentadoria com seus proventos integrais.
O povo que depende de justiça sabe que ela no Brasil não funciona. Lenta, parcial, fisiológica, inacessível aos mais pobres, diferenciada aos mais ricos. Justiça que acolhe todo tipo de interesse espúrio pessoal e empresarial. Essa nobreza judiciária legisla em causa própria, aumenta seus salários, julga seus próprios pares e dá ordens a todo resto da sociedade por sobre um manto de inimputabilidade e diferenciação. Exigem via processo que sejam chamados de “doutores”, fazem diferenciação entre si e quaisquer outros operadores do direito (mesmo que isso seja expressamente proibido), escondem-se na “liberdade de decisão” para defender o indefensável: a possibilidade de convencimento completa e totalmente diferenciada do que qualquer coisa apresentada nos autos, nas provas materiais, na jurisprudência ou mesmo na lei. Não se aceitam como funcionários públicos, dizem-se detentores de “parcela de soberania do Estado”. Seus atos podem ser revistos apenas por tribunais compostos por desembargadores que mal leem os processos, deixados normalmente a cabo de assessores. “Acompanho o relator” é a frase mais ouvida nos tribunais de segundo grau demonstrando que das três pessoas que deveriam se manifestar sobre o caso, apenas uma o leu e o conhece. Trabalham meio ano apenas, contando-se os feriados, dias facultativos, as férias e licenças … e recebem mais do que os juízes de países de países ricos, como a OCDE.
Até quando aceitarás calado que essa nobreza judiciária faça da liberdade, legalidade e justiça o escudo com que eles defendem seus próprios privilégios? Até quando permitirás que sejam sustentados em ternos e escolas para os filhos enquanto decidem quem pode ou não ser solto por roubar pão ou transportar cocaína? Até quando continuarás cego frente a essa indecência, esse absurdo moral e ético que paira sobre o mundo dos “mundanos” sugando-o de tudo o que precisa sem nada dar-lhe em troca?
Em tudo o judiciário brasileiro se assemelha à nobreza da “bélle époque”, nos privilégios, na distinção por simbologia e vestimenta, no uso hermético da língua como forma de diferenciação social, na forma como se auto-legitima e na forma como é sustentada. A nobreza daquela época, entretanto, era hereditária. A nossa é por concurso. Um concurso para a divindade. Um concurso que, se analisado sobriamente, nada tem de “público”, republicano ou democrático. Um concurso que preserva famílias dinásticas no controle e no poder. Verdadeiros feudos judiciários e seus senhores supremos.
O Brasil precisa acabar com suas nobrezas …
.oOo.
Por Fernando Horta, historiador, professor, doutorando de Relações Internacionais UNB.
Fonte: http://www.sul21.com.br/
-=-=-=-=
Postada após dica do amigo HAMILTON CARRIÇO. Embora acompanhe o SUL21, a matéria acima ainda não era do meu conhecimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário