Mantega redivivo
Gazeta do Povo
Imagine o leitor a seguinte situação: um empresário tem uma fábrica que passou a vender muito menos do que em passado recente; seus fregueses desapareceram porque muitos deles caíram no desemprego, tiveram sua renda corroída pela inflação ou, por cautela em relação ao futuro, simplesmente não assumem compromissos novos. Diante da queda de produção, do lucro ou mesmo pelo aparecimento dos primeiros prejuízos, ele trata de cortar custos para equilibrar a sua balança e não precisar fechar as portas da sua indústria. Uma das providências é despedir a parte dos seus funcionários que se tornou ociosa.
De repente, porém, o governo percebe sua aflição e lhe oferece dinheiro a juro baixo e longo prazo. Com o financiamento na mão, o empresário não produzirá mais e, portanto, continuará não precisando de empregados em número superior à demanda da produção. Mas, já que o dinheiro está aí, fácil e disponível, ele assina o contrato com o Banco do Brasil ou com a Caixa Econômica Federal comprometendo-se, se tanto, a não despedir mais gente do que já o fez até agora.
O governo faz exatamente aquilo que Mantega faria: abrir as burras do dinheiro público para “socorrer” alguns (sempre os mesmos) setoresVeja também
É basicamente isso que o governo brasileiro está fazendo: mandou que as duas grandes instituições financeiras estatais liberem R$ 8 bilhões em financiamento barato para a indústria automotiva e para seus satélites fabricantes de autopeças. Repete-se a lição que já não deu certo, quando a economia do país era guiada pelo ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, sob inspiração, claro, dos dois presidentes aos quais ele serviu durante quase nove anos. Em seu período, diante da crise mundial que abalou a economia global, o Brasil baixou ou zerou os impostos que recaíam sobre veículos, eletrodomésticos e móveis. Além disso, criou linhas de crédito acessíveis à população. Por um tempo, tudo parecida acertado: as vendas desses setores subiram, o desemprego foi baixo e estava sob controle, e a nova dinâmica se espalhou por todos os outros setores. Lula passou a dar lições professorais para o mundo sobre como livrar a economia de um país emergente da crise que pegava até as nações mais desenvolvidas.
Em pouco tempo, no entanto, as contas públicas deixaram de fechar: as desonerações excessivas tiraram impostos do caixa em sentido proporcionalmente igual (ou maior) ao dos gastos públicos que nunca deixaram de crescer. Durante a campanha de 2014, os sinais da débâcle já eram evidentes, mas a candidata à reeleição mascarou a situação que já se afigurava trágica. Montada no seu falso sucesso, foi reeleita enfrentando um candidato e fortes correntes de opinião que denunciavam o fracasso e a gravidade da crise.
Reempossada, Dilma se rendeu. E chamou, para substituir o heterodoxo Guido Mantega, o ortodoxo Joaquim Levy, liberal da escola de Chicago que escancarou o tamanho do desequilíbrio e deu início a um necessário ajuste fiscal que atingiu benefícios trabalhistas e previdenciários, atacou desonerações setoriais e ainda guarda na cartola outros projetos para engordar a arrecadação e ajustar as colunas da contabilidade pública. Está fazendo o que seu antecessor nunca fez; afinal, foi sob a batuta de Mantega que o país chegou ao estágio da pré-falência, reconhecido pelas agências internacionais de classificação de risco que ameaçam tirar do Brasil o grau de investimento.
Levy pegou um país na rota da recessão (que deve durar no mínimo até 2016, dizem os economistas). De fato, o país começou a andar para trás: todos os indicadores desandaram: os juros oficiais são os mais altos da década, o desemprego cresceu, a atividade econômica mal e mal se arrasta diante dos fatos e das incertezas.
Tanto quanto econômica, esta má situação é também política: a aprovação do governo e da presidente despencou a índices jamais imaginados; a população foi às ruas para pedir impeachment e gritar contra a corrupção epidêmica no governo; figurões da política e do meio empresarial já foram trancafiados e condenados pela Lava Jato. Todas essas desgraças requerem do governo uma “agenda positiva”, de modo a tirá-lo do sufoco do desprestígio.
E o que faz o governo para dar a impressão de que está enfrentando a crise com medidas que devolvam o mínimo de normalidade? Faz exatamente aquilo que Mantega – redivivo – faria: abriu as burras do dinheiro público para “socorrer” alguns (sempre os mesmos) setores. Mas, como dissemos, o problema desses setores é encontrar compradores para seus produtos, e não a falta de empréstimos subsidiados que não foram pensados para oferecer horizontes de médio e longo prazo para a retomada do desenvolvimento.
Fonte: GAZETA DO POVO
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