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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Charles Taylor: “As pessoas hoje não têm claro o sentido da vida” - Religião e violência



Pensador de amplo espectro, é considerado um dos principais filósofos contemporâneos


FRANCESC ARROYO 10 AGO 2015 - 14:58 BRT



Charles Taylor. / CONSUELO BAUTISTA


Charles Taylor (Montreal, 1931) é professor emérito de Filosofia na Universidade de McGill. Formado em Oxford, é um profundo conhecedor das correntes do pensamento contemporâneo. Em seu último livro, A Era Secular (dois volumes totalizando mais de 1.200 páginas) analisa o impacto da ciência, a reforma protestante e as melhorias socioeconômicas na transformação do sistema de crenças no Ocidente. Está convencido de que a convivência religiosa é possível e desejável, assim como de que a fé, hoje em recuo, não vai desaparecer. Afirma a conveniência de encontrar uma nova linguagem para explicar o presente, pelo esgotamento das velhas palavras. Entre suas obras se destacam As Fontes do Self e A Ética da Autenticidade. O Governo canadense encomendou, junto com o sociólogo Gérard Bouchard, um trabalho sobre as diferenças culturais e a acolhida de imigrantes, hoje conhecido como o relatório da comissão Bouchard-Taylor.

Pergunta. Você estudou o declínio das crenças religiosas, convencido de que essa é uma mudança fundamental na sociedade de hoje. É assim?

Passamos de uma sociedade marcada pelo cristianismo a outra, aberta e diversificada. É uma situação completamente nova na história da humanidade

Resposta. Tentei dar uma perspectiva sobre uma das mudanças de era vividas durante os últimos 200 anos. Passamos de uma sociedade marcada pelo cristianismo a outra, aberta e diversificada. Agora existem diferentes maneiras de ser cristão ou ateu. É uma situação completamente nova na história da humanidade. Minha ideia era descrever o presente e entender como se passou da fé para a falta de fé.


P. E o que aconteceu?

R. Bem, o que se conta é sempre uma narrativa, uma história, como diz Paul Ricoeur. Eu acredito que a vida humana não pode ser compreendida sem uma história. Ao analisar a situação da espiritualidade e da religião comprovo que há muitas pessoas à procura de algo, seja uma concepção ateia ou religiosa. Há também muitas pessoas que lamentam a erosão do cristianismo e resistem a seu desaparecimento. O desafio é compreender os dois lados, crentes e não crentes, e que possam conviver.

P. Em sua obra fala de ataques dos leigos aos cristãos. Na Espanha, e em vários países do mundo, acontece o contrário: há crentes que tentam transformar suas opiniões em leis e proibir o aborto.


R. O secularismo destinado a conter a religião faz sentido quando há uma igreja hegemônica, mas na França, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, existe uma diversidade sem hegemonia possível por parte de uma igreja. Se na Espanha não é igual, o laicismo contra uma igreja hegemônica ainda é pertinente. Mas o que às vezes acontece no Ocidente é que não há um anticlericalismo contra o catolicismo, mas contra os muçulmanos, como na França, onde já são uma minoria discriminada. O resultado é uma marginalização que acelera seu sentimento de exclusão. Algo muito diferente do que aconteceu na França durante a Terceira República. Nesse momento havia um problema porque uma parte da população queria restaurar uma monarquia católica e foi preciso lutar contra isso.

Uma democracia não é tolerante, é um regime de direito, algo superior à tolerância. A questão é se somos capazes de manter um verdadeiro regime de direito

P. O futuro será mais tolerante?

R. Tolerância não é a melhor palavra. Uma democracia não é tolerante, é um regime de direito, algo superior à tolerância. A questão é se somos capazes de manter um verdadeiro regime de direito. Caso contrário, a melhor solução disponível é a tolerância. Mas o objetivo deve ser uma democracia na qual todos tenham o direito de expressar sua opinião, votar como quiser, praticar a religião que aceitar. Se sou otimista sobre o futuro do sistema de direito? Não acho que vai desaparecer, vai se espalhar por todo o planeta... Estamos vendo o que acontece na China, Rússia, Arábia Saudita. Provavelmente haverá avanços e retrocessos. Estamos vendo a evolução da Rússia para uma forma de ditadura enrustida, mas a Tunísia é um exemplo de desenvolvimento positivo. Sim, no futuro, haverá ganhos e perdas, avanços e retrocessos. É difícil pensar que o mundo vai se tornar gradualmente uma democracia como acredita Francis Fukuyama com o fim da história.

P. Na década de sessenta, você diz, vivemos uma reavaliação do corpo associado a uma sexualidade menos proibitiva, e as igrejas reagiram a isso.

R. Há muitas pessoas mais velhas que se sentem perturbadas por essa mudança, seja por uma falta de disciplinas nas relações entre sexos ou pelo reconhecimento dos direitos dos homossexuais. Isso causa um choque neles. Também havia na maioria das religiões um vínculo muito forte em relação a essa moral sexual que foi questionada, mas as coisas mudaram muito e vão mudar mais.

P. O referendo na Irlanda sobre o casamento gay contou com a oposição da Igreja Católica. Por que tanta relutância?

R. Temos vivido séculos de cristandade, não no cristianismo: uma civilização, onde tudo, a moral, a arte, estava inspirada pelo cristianismo. A maioria das igrejas foram formadas nessa concepção moral, coroada pelo fato de ser uma moral considerada absolutamente válida, a salvo das críticas. É compreensível que aqueles que dirigem essas igrejas resistam ao novo porque acreditam que tudo isso questiona a lógica do cristianismo.

Acreditamos que somos superiores porque os antigos estavam ofuscados e aceitavam as histórias que eram contadas, nós, não. Somos menos diferentes que isso apesar de existirem diferenças

P: Você disse que as coisas vão mudar?

R. É óbvio. Muitos dos jovens que votaram na Irlanda ainda se consideram católicos, mesmo que discordem da hierarquia, que fez o mesmo nos dois últimos séculos. Pio IX condenou os direitos humanos e a democracia. A hierarquia adotou uma postura de oposição e condenação, uma atitude que chegou até Bento XVI. É uma pena, mas temos de superar isso.

P. Você associa a ideia da morte à percepção de uma perda de sentido da vida.

R. Hoje as pessoas não têm claro o sentido da vida. Há séculos sabiam que cada um tinha que ganhar sua salvação – como se falava em Quebec – obedecendo a Igreja, sendo um bom cristão. E havia um imenso medo de ser condenado. O significado da vida era tão claro que ninguém se queixava da falta de sentido. Com as mudanças, alguns acreditam que a vida não tem sentido. As reações podem variar desde uma tentativa de encontrar sentido no absurdo, como Camus, até se afundar ou paralisar. Acho que existe algo no ser humano que age contra isso: um desejo de sentido. Pode-se dizer que a vida não tem sentido ou que o sentido é incerto, mas há constantemente no homem movimentos de significação que renascem na vida e isso indica que somos menos diferentes dos antigos do que pensamos, às vezes com um sentimento de superioridade.

Quando nasce uma nova era aparecem novos problemas e nem sempre temos as palavras adequadas para expressar uma opinião

P. Superioridade?

R. Acreditamos que somos superiores porque os antigos estavam ofuscados e aceitavam as histórias que eram contadas, nós, não. Somos menos diferentes que isso apesar de existirem diferenças

P. Você cita Camus. É uma característica da sua obra usar tanto textos literários quanto filosóficos.

R. Para explorar os diferentes modos de significação da vida, a linguagem filosófica, que pretende ser muito clara, não é suficiente. Há um pensamento sutil, como dizia Pascal. Não existe apenas um pensamento matemático capaz de explorar as diferentes formas de significado. Para falar como um filósofo é preciso ler literatura, escutar música, porque há outras maneiras de expressar as coisas. O discurso do filósofo é um pouco manco, devo dizer, sem essa referência à literatura. Nela existe uma riqueza, uma densidade de pensamento completamente ausente em outros textos. Eu tento navegar entre um e outro porque acho que é necessário.

P. Também afirma que a linguagem atual perdeu força.

R. Estamos em uma situação nova. Vou usar uma analogia: se eu for à China, no começo vou ficar desorientado; tenho que aprender algo da língua, aprender conceitos que são estranhos para mim, antes de conseguir falar com as pessoas. O mesmo acontece quando nasce uma nova era. Novos problemas aparecem e nem sempre temos as palavras adequadas para expressar uma opinião. Somos obrigados a encontrar a linguagem que vai nos permitir descrever a nova situação. Vivemos em uma era na qual tudo muda muito rapidamente. Precisamos de uma linguagem que dê conta dos novos significados. É um processo sem fim.

Fonte: http://brasil.elpais.com/

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