.LE FIGARO - Presseurop
Crisóstomo II em Nicósia, em março de 2013.AFP
Chefe da Igreja Ortodoxa da ilha e homem de negócios à frente de um património colossal, o arcebispo de Chipre não se priva de intervir no debate político. Encontro com um ator incontornável de um país em crise.
Em Chipre, uma pequena república mediterrânica mergulhada numa crise económica histórica, o arcebispo Crisóstomo II, chefe da Igreja Ortodoxa, intervém no debate político. Permanentemente e sem limites.
No final de março, o plano de resgate da Europa impôs uma taxa sobre as contas bancárias superiores a €100 mil das duas maiores instituições do país, como contrapartida a uma ajuda de €10 mil milhões. Mal o novo Presidente cipriota, Nicos Anastasiades, aceitou esse plano, o prelado reclamou as cabeças do ministro das Finanças e do governador do banco central. E, no entanto, durante a campanha presidencial, o chefe da Igreja tinha dado o seu apoio explícito a Anastasiades.
Sua Beatitude Crisóstomo, “arcebispos da Nova Justiniana e de Todo o Chipre”, dá a sua opinião sobre todos os assuntos. O prelado é, sobretudo, um homem de negócios à frente de uma Igreja rica, muito rica. Atribuem-se-lhe, também, relações privilegiadas com Moscovo. Uma figura incontornável na ilha, sem dúvida, a sua figura mais influente. E que, forçosamente, suscita paixões.
“Vai encontrar-se com o arcebispo?”, brinca Panicos, motorista de táxi, durante o trajeto para a arquidiocese, no coração da velha Nicósia, rodeada por muros venezianos. “Cuidado com os anéis! A Igreja é riquíssima, é uma máfia!”
Arcebispo e homem de negócios
O prelado recebe-nos no palácio episcopal, um edifício de estilo neobizantino de elegantes arcadas, construído na década de 1950. No pátio pontifica uma estátua de corpo inteiro de Monsenhor Macário III, ilustre antecessor de Crisóstomo e primeiro Presidente de Chipre independente, em 1959.
Nessa manhã, Crisóstomo II recebe o visitante vestindo uma simples sotaina azul. A manga debruada a vermelho deixa aparecer um imponente relógio de ouro. Após o beija-mão ritual, que impõe uma certa distância, o septuagenário de espessa barba grisalha torna-se mais caloroso. Por trás dos óculos de finas hastes, os olhos brilham e o sorriso é generoso.
A propósito do resgate financeiro e das suas contrapartidas draconianas, que o Presidente Anastasiades procura atualmente suavizar, Sua Beatitude tem uma opinião clara. “A situação foi criada pela Alemanha, pelo FMI e pelo BCE. Puniram Chipre.” Um sentimento de injustiça largamente partilhado pelos depositantes, muitos dos quais viram as suas economias evaporarem-se como fumo, de um dia para o outro.
A Igreja, como seria de esperar, socorre os mais desprotegidos. Acaba de abrir cantinas sociais.
Com a sua riqueza, a Igreja ajuda a nação, mas com um aguçado sentido de negócio. De facto, o vasto escritório de Crisóstomo, cheio de dossiês e decorado com uma mesa de reuniões, parece o de um presidente de um conselho de administração.
Não contente em ser rica em terras, a Igreja de Chipre é a maior acionista da empresa que produz a cerveja nacional, a Keo. É também uma importante acionista – detém 29% das ações – do Hellenic Bank, a terceira instituição bancária do país. “Não vamos abandoná-lo”, garante o arcebispo. “Dissemos ao Governo que não lhe tocasse”, acrescenta, a barba agita-se ligeiramente quando ele sorri. A Igreja também já teve 5% de participação no Bank of Cyprus, o primeiro banco do país, atualmente a ser reestruturado. Mas, com a aceitação do financiamento supremo, perdeu-os.
Laços privilegiados com Moscovo
Em Paphos, a Igreja alugou por €1,5 milhões anuais 50 mil metros quadrados nos quais investidores russos vão construir um hotel. Atribuem-se-lhe laços privilegiados com a Rússia. Crisóstomo não o esconde. E conta que, quando o Governo anterior quis pedir a Moscovo a extensão das maturidades do empréstimo de €2,5 mil milhões concedido em 2001, ele teve “um encontro, na Europa, com o patriarca russo, que intercedeu junto de Putin. O Presidente Christofias devia ter telefonado imediatamente a Putin. Mas ligou-lhe apenas treze dias depois”. Uma afronta que desagradou ao Kremlin, diz o prelado.
Tal como os seus irmãos ortodoxos russos, Crisóstomo “é muito nacionalista”, sublinha um observador estrangeiro. O boom imobiliário e o crescimento dos últimos anos atraíram cerca de 100 mil imigrantes – romenos, búlgaros, filipinos e paquistaneses – à parte grega da ilha, que tem uma população de 800 mil habitantes. “Todos são filhos de deus, não quero que se vão embora”, diz o arcebispo, em jeito de preâmbulo, “mas se não estivessem cá não haveria desemprego”.
Uma Igreja que resiste a tudo
Como explicar essa intervenção permanente no debate político? Crisóstomo responde: “A Igreja exprime a sua opinião porque tem um percurso de dois mil anos”. De facto, a tradição faz remontar a sua criação a São Barnabé, contemporâneo de Cristo, que atravessou o pequeno braço do Mediterrâneo que separa a Terra Santa da ilha de Afrodite.
“Não é possível compreender a Igreja de Chipre com as referências ocidentais”, avisa Andreas Theophanous, professor de economia na Universidade de Nicósia e defensor de uma saída controlada do euro. “Chipre foi dominado pelos otomanos no século XV e o Papa não veio em nosso socorro porque, como contrapartida, exigia a nossa submissão. Os turcos escolheram como interlocutor o arcebispo, que se tinha tornado, de facto, a principal figura política da ilha. As pessoas doaram os seus bens à Igreja, em troca de proteção. Foi assim que a Igreja se tornou tão rica”, explica o professor. “Se esta ilha se manteve grega e cristã, isso deve-se 100% à Igreja”, garante Crisóstomo II.
Os próximos anos anunciam-se muito difíceis para os cipriotas. A riqueza nacional (PIB) vai diminuir cerca de 9% em 2013, segundo as previsões de Bruxelas. O desemprego ultrapassará os 17% em 2014. É a ameaça de uma austeridade à grega. “Tudo se afundou em poucas semanas”, repetem muitos dos habitantes de Nicósia. Muitos deles perderam, de um dia para o outro, metade das economias de uma vida inteira de trabalho. Tudo se afundou, menos a Igreja, construída sobre o seu rochedo cipriota, desde há dois mil anos.
Traduzido por Maria João Vieira
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