Enquanto os jovens, embasados na Constituição, defendiam seus direitos nas ruas, Alckmin e sua PM dos tempos da ditadura mostravam desprezo pelos direitos humanos
por Wálter Maierovitch — publicado 23/06/2013 08:35
O poder absoluto de um monarca foi desafiado pela primeira vez em 1215. À época, barões e clérigos, inconformados com o arbítrio do sanguinário João Sem Terra, rebelaram-se e ocuparam Londres. Coube ao arcebispo de Cantuária elaborar a Petição dos Barões, de 49 artigos, imposta ao monarca no campo de Runnymeade. Essa declaração de direitos (bill) passou a ser chamada Magna Carta e não era aplicável a escravos e estrangeiros. Dela originou-se o liberalismo e restou confirmada, em 1297, pelo rei Eduardo I.
A Magna Carta transmitiu às constituições modernas as liberdades públicas. Neste junho, e referente às liberdades públicas, os cidadãos brasileiros, depois de longo período de conformismos, resolveram sair às ruas e praças para protestar. Tudo começou com o pacífico Movimento Passe Livre e protestos direcionados contra o aumento das tarifas dos transportes públicos. Um protesto estribado numa Constituição. A Carta garante, em cláusula pétrea, a reunião pacífica, “sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
O entusiasmo contagiou, e desta vez em praças sem palanques, líderes, políticos profissionais e discursos. Isso mostrou, a exemplo do sucedido no Cairo e em Istambul, a força das redes sociais na conscientização e nas convocações. Enquanto a maioria atuava nos limites constitucionais, coube ao governador paulista, Geraldo Alckmin, revelar, mais uma vez, o seu desprezo à Constituição, aos direitos humanos e às liberdade públicas. O governador colocou a sua despreparada, violenta e ingovernável Polícia Militar para reprimir as manifestações, não distinguindo os cidadãos que protestavam pacificamente (eram maioria) de pequeno número de violadores de tipos descritos no Código Penal.
Nas democracias verdadeiras, o homem é livre para fazer o que deseja, ressalvado o proibido pela Constituição e pelas leis. E a festejada professora Ada Pellegrini Grinover ensina: “Todas as liberdades são públicas porque a obrigação de respeitá-las é imposta pelo Estado e pressupõe a sua intervenção”. Em vez de assegurar proteção aos manifestantes que se comportavam dentro da legalidade, sem vandalismos, Alckmin aderiu ao doutrinado por Erasmo Dias, de triste memória. A respeito coube ao governador dar sinal verde à militar Tropa de Choque, incumbida de reprimir indiscriminadamente e a usar, imprópria e abusivamente, balas de borracha e bombas. As grandes vítimas foram pacíficos manifestantes e os jornalistas a cobrir os protestos.
Esse tipo de repressão contou com o aval de Fernando Haddad. Só depois da tragédia e da repercussão negativa o prefeito reprovou a violência policial. O comportamento de matriz fascista de Alckmin não surpreendeu. Em seu currículo de governador tivemos desumanidades e violências abusivas em ações policiais: Cracolândia, bairro do Pinheirinho e campus da USP. Alckmin, que recuou depois de se revelar contra o direito de reunião e de opinião de pessoas pacíficas, deixou escancarado o fato de a sua Polícia Militar não ser educada à legalidade democrática.
Pior, trata-se de uma corporação que não consegue abdicar da cultura adquirida na ditadura militar, quando era força auxiliar na manutenção do regime de exceção e com um general do Exército no seu comando. A respeito dessa impregnada cultura vale lembrar, em São Paulo, o Massacre do Carandiru e a contribuição do constituinte de 88 ao manter a Justiça Militar, numa consagração do corporativismo.
Os protestos com pautas elásticas espalharam-se Brasil afora. Os levantamentos de institutos de pesquisa apontam elevada aprovação da população. Para isso contribuiu a descabida violência policial e o despreparo das forças no campo da inteligência: foram incapazes de recolher informações e identificar a priori baderneiros e vândalos. Num país de gatunagens permanentes, tributações e tarifações excessivas, esse quadro reativo aponta para a urgente necessidade de mudanças. E elas só serão alcançáveis com uma Assembleia Constituinte exclusiva.
De se lamentar, ainda, os danos ao patrimônio público e privado. Muitos dos predadores se dizem anarquistas, embora sem conhecer William Godwin, o pai do pensamento anárquico moderno. E eles ainda não se deram conta de substituir nas suas camisetas a figura do revolucionário Guevara pelas faces de Bakunin e Kropotkin.).
Fonte: CARTACAPITAL
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