Mantega: ‘Qualquer renúncia terá corte de despesa ou outra tributação’
Ministro afirma que governo não abrirá mão do compromisso fiscal. Se fizer desonerações, pode ter que subir impostos
MARTHA BECK, REGINA ALVAREZ E SERGIO FADUL
Mantega diz que as desonerações já estão de bom tamanho Givaldo Barbosa
BRASÍLIA - Assim como a maioria dos brasileiros, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, se surpreendeu com as manifestações das ruas nas últimas semanas. E agora cabe a ele a difícil tarefa de responder às demandas que envolvem aumento de despesas ou renúncia de receitas. Em entrevista ao GLOBO na última quinta-feira, Mantega passou um recado claro e reforçou o compromisso fiscal: os incentivos concedidos pelo governo já estão “de bom tamanho” e qualquer nova concessão terá que ser compensada com o corte de gastos de custeio ou até aumento de impostos. O ministro rebateu as críticas de que o governo errou ao dar incentivos a montadoras, em detrimento do transporte coletivo, e justificou: “a indústria ia começar a demitir. O grande objetivo era manter o emprego e foi atingido”.
O aumento do IPI de linha branca e móveis tem o objetivo de criar espaço fiscal para novas desonerações prometidas pela presidente Dilma, como a redução de PIS/Cofins para o diesel, para atender ao apelo das ruas?
Isso acabou entrando um pouco na discussão com estados e municípios para ver o que cada um pode fazer nessa desoneração. Se viermos a fazer essa desoneração, imediatamente vamos fazer uma redução de gastos, ou seja, não tem perda na arrecadação. Isso vale para todas as demandas. Nós consideramos que as desonerações estão de bom tamanho. Se porventura alguma outra desoneração chegar a ser feita, como essa do diesel, que é uma questão quase emergencial, qualquer renúncia será acompanhada de um corte de despesa ou de uma outra tributação para compensar.
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Onde serão os cortes?
Não serão em investimentos. Serão gastos de custeio da máquina. Há um mês e meio atrás, fizemos um ajuste de 10% no custeio de todos os ministérios. Como não entrou Saúde nem Educação, em outros ministérios o corte foi maior. Aqui, por exemplo, foi de 20%. E haverá ainda mais cortes em gastos de custeio.
Em que áreas o senhor vai cortar esses 20% do Ministério da Fazenda?
São contratos de serviços, viagens, compra de equipamentos e aluguéis.
Que imposto o senhor poderia aumentar para compensar novas desonerações?
No momento, eu não sei.
Nos protestos nas ruas das últimas semanas, questionou-se que o governo reduziu o IPI de montadoras em detrimento da desoneração do transporte público...
Nós fizemos muitas desonerações para o transporte. Desoneramos a folha de pagamento do setor de transporte coletivo e não fizemos da indústria automobilística. Reduzimos o IPI (das montadoras), mas isso não é uma desoneração permanente. E se fizemos redução do IPI, foi porque as vendas de veículos caíram e a indústria ia começar a demitir. O grande objetivo era manter o emprego e ele foi atingido. No conjunto de desonerações, essa desoneração de veículos tem um peso pequeno. Quando reduzimos a zero o IPI de ônibus, isso beneficia a prefeitura que vai comprar o ônibus e reduz os custos das tarifas também.
No início do ano, o governo negociou com os prefeitos do Rio e de São Paulo um adiamento dos reajustes de tarifas de transporte. Será que, se o reajuste tivesse ocorrido na data prevista, teria havido tantos protestos populares?
Eu não sou adivinho. Nós pedimos para adiar, porque isso beneficiava a população. Era para que houvesse tempo de a desoneração da folha do setor de transporte, que começou em janeiro, ser percebida nas planilhas. A população ganhou porque adiou o aumento. Se você só dá em junho um aumento que deveria ter ocorrido no início do ano, é como se esse aumento fosse pela metade.
Mas é que houve uma coincidência do reajuste com a Copa das Confederações e perto da visita do Papa, num momento em que o mundo está de olho no Brasil...
O nosso trabalho era para que o reajuste fosse menor num momento em que você tinha forte pressão de preços. Mas também não dá para prever. Não sei de ninguém que previa essas manifestações.
E as declarações do prefeito Fernando Haddad de que as finanças de SP ficarão comprometidas porque não houve reajuste no início do ano?
Aí você pergunta para ele e não para mim.
No momento em que a confiança na economia brasileira é questionada, não seria um bom sinal para o mercado fixar prazo para atingir o déficit nominal zero (quando o superávit cobre todas as despesas, inclusive de juros)?
O déficit nominal vem diminuindo ao longo do tempo. Em 2008, estávamos caminhando para o déficit nominal zero, mas aí veio a crise. Não vou dar um prazo porque a economia está sujeita a intempéries. Infelizmente, estamos com uma crise há quatro anos e ela atrapalha a nossa gestão. Começou em 2008, parecia que ia ser debelada em 2009, em 2010, mas o mundo todo teve uma melhora e uma recaída. Agora, parece que de 2014 em diante vai melhorar.
A recente alta do dólar preocupa o senhor?
Neste momento, o câmbio atrapalha. O Fed (Banco Central americano) está reduzindo os estímulos à economia e isso causa turbulência passageira, que deve durar algumas semanas. É uma acomodação do mundo a novos preços relativos.
Neste cenário, o Brasil continua sendo um país atraente para o capital estrangeiro?
Ainda tem muita liquidez no mundo. O Brasil é um dos países mais atrativos. Os IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) estavam indo muito bem e foram interrompidos em função da volatilidade. O capital vai voltar.
Como o senhor se sente quando se fala que os investidores estão perdendo a confiança no Brasil?
A confiança é medida com qual termômetro? A confiança se mede pelo apetite de investimento, não pelo que o mercado fala, mas pelo que o mercado faz. Fizemos o maior IPO do mundo esse ano (a BB Seguridade). E todo mundo sabe que teremos novos leilões agora. De rodovias em agosto, com taxa de rentabilidade atraente. Temos de ferrovias e um novo de petróleo e gás. É aí que vamos tirar a prova dos nove.
Há um temor de que as manifestações populares possam prejudicar os leilões de concessão por medo dos investidores de que o governo queira mudar contratos. O que o senhor acha disso?
No Brasil, as concessões seguirão rigorosamente os contratos, as novas concessões terão regras claras de 30 ou 35 anos. Nós não rasgamos contratos. O programa de concessões é muito importante, principalmente por causa de seus investimentos. O investimento virá.
Mas as manifestações das ruas estão forçando o governo a não aumentar pedágios, por exemplo.
A modalidade que estamos fazendo de concessões já leva isso em consideração (reajuste menor em troca de compensação do governo). No passado, era uma concessão pela outorga máxima ao governo. Não era pela tarifa mínima. Era quem dava mais para o Estado. Abolimos isso. Nos pedágios federais, já abolimos. Só pode ser negociado o que está no contrato.
O que o senhor acha de a agência de classificação de risco Standard & Poor’s ter ameaçado rebaixar a nota do Brasil por causa do baixo crescimento e da política fiscal expansionista?
Os Estados Unidos foram rebaixados também. A vida é assim. Cada agência é assim. Para mim, o importante é o resultado da economia, das contas públicas, da inflação. Vamos dar um resultado este ano bem melhor que o de 2012. O crescimento será melhor, as contas públicas serão melhores e a inflação será parecida com a de 2012.
Mas em 2012 o crescimento foi muito baixo. A comparação não fica comprometida para 2013?
De fato, o crescimento de 2012 foi aquém das expectativas. Mas temos que olhar este ano. Nós vamos perseguir 3%.
Uma parte importante das críticas feitas ao governo vem do fato de ter deixado a inflação ficar acima da meta (de até 6,5%).
Temos de entregar a inflação dentro do teto da meta e temos feito isso. A economia brasileira também mudou de patamar e passou a ter crescimento maior. O PIB nos últimos dez anos cresceu 3,6% em média. Não é bom? Acho incrível como se joga fora o passado recente. Somos as mesmas pessoas que aqui estão tendo este desempenho.
Em audiência pública no Congresso esta semana, o senhor, a sua equipe e a política econômica foram muito criticados. O senhor acredita que as críticas já tem relação com a campanha eleitoral?
Acho que a disputa eleitoral começou, sim, embora ache que a área econômica devesse ficar fora disso. Realmente, me surpreendi com as manifestações um pouco fora de tom, que não são normais com um ministro da Fazenda que tem uma atitude republicana. Eu não fico lá comparando PT com PSDB. Eu discuto com todos e tratamos todos os estados da mesma forma.
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