Empresas ainda ignoram a existência da legislação que protege o público infantil, mantendo a prática de persuasão e sedução desse consumidor mais vulnerável
PEDRO AFFONSO D. HARTUNG 8 ABR 2015 - 15:34 BRT
Completou-se no dia 4 de abril um ano da publicação no Diário Oficial da Resolução 163 do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que teve como objetivo detalhar o conceito de abusividade da prática da publicidade infantil.
Esse detalhamento foi realizado dentro da lógica da Doutrina de Proteção Integral da Criança e do Adolescente, cuja efetivação é uma das atribuições máximas deste órgão público legalmente criado e socialmente legitimado.
Considerada por mães, pais, organizações da sociedade civil e organismos internacionais como um marco histórico para a efetiva proteção das crianças no Brasil, a Resolução 163 não inovou em matéria legal. Ela apenas deixou ainda mais claro e evidente o que já existe há mais de 25 anos nos artigos 37 e 39 do Código de Defesa do Consumidor, nas garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente e, especialmente, no artigo 227 de nossa Constituição Federal, que estabelece a prioridade absoluta dos direitos da criança no Brasil.
A restrição do direcionamento da publicidade ao público menor de 12 anos de idade deveria, na verdade, ter sido posta em prática na data da promulgação da Magna Carta de 1988 e de seu internacionalmente admirado artigo 227. A Resolução 163 do Conanda só nos fez lembrar disso.
Ocorre que as empresas que abusam da vulnerabilidade infantil e realizam cotidianamente publicidades às crianças optaram por ignorar a existência da legislação protetiva e continuaram até os dias de hoje com sua ilegal, injusta e antiética prática de persuasão e sedução das crianças para o consumo. Como se acima da lei estivessem, resolveram engrossar o coro daqueles que não se constrangem moralmente e fazem com que as normas jurídicas no Brasil “não peguem”.
Em um tempo em que se almeja o enfrentamento estrutural da cultura da corrupção na sociedade e nas instituições brasileiras, as empresas, e as pessoas que nelas trabalham, não podem se furtar à obrigação de cumprir a lei, mesmo que ela represente uma contrariedade aos seus interesses e uma suposta ameaça a seus ganhos econômicos.
Diz-se suposta a ameaça, pois as normas existentes, inclusive a Resolução, não regulam a veiculação comercial de determinado produto ou serviço, mas sim seu direcionamento. Portanto, qualquer produto que hoje é massivamente direcionado às crianças – como macarrões instantâneos, frangos empanados, brinquedos ou até mesmo seguros ou carros –, continuará a ter publicidades, mas eticamente redirecionadas aos adultos.
Essa simples, mas fundamental mudança, tornará a relação comercial entre anunciantes e consumidores mais justa, equilibrada e potencialmente mais rentável, pois a publicidade será finalmente feita para os devidos responsáveis e os verdadeiros detentores do poder de decisão e de compra em uma família.
Se sempre é, de forma equivocada e falaciosa, atribuída aos pais e mães a exclusiva responsabilidade pela formação e educação de uma criança, como não concordar com o direcionamento da publicidade apenas a eles?
Se o que se quer realmente é um novo Brasil para todas e todos, igualmente para as crianças, faz-se imperativo que essa mudança ocorra hoje em todas as esferas, inclusive e especialmente nas decisões e estratégias empresariais e publicitárias. “Fazer pegar” a Resolução 163 do Conanda e todas as leis de proteção à infância como marco de conduta, mais do que uma obrigação constitucional, é um passo civilizatório na construção de uma sociedade mais justa, baseada na ética e no entendimento de que a infância não pode continuar a ser mercantilizada.
Pedro Affonso D. Hartung e conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e Advogado do Instituto Alana.
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