Marcelo Pérez, padre da paróquia de San Andrés de Padua, em Simojovel, se converteu em um ator social importante no EstadoChiapas. Sacerdote tzotzil, seguidor de uma Teologia o Povo, leva anos denunciando os abusos e a violência em seu município. Líder espiritual e social, tem organizado uma igreja que defende os pobres e empreendido com eles uma cruzada que, hoje, põe em xeque os caciques locais e os grandes interesses que rondam uma região pobre e degradada socialmente.
Adital
Por Renzo D'Alessandro
Sua denúncia tem lhe custado várias ameaças e um ultimato de morte. O padre Marcelo é uma personagem incômoda em uma entidade marcada pela usurpação, indiferente ao paramilitarismo e ao militarismo. Longe da passividade que tem caracterizado, nos últimos anos, a Diocese, organizou seis peregrinações pacíficas para expor, publicamente, o rechaço aos narcopolíticos e à reforma energética.
Promotor e organizador de uma peregrinação, de 23 a 26 de março - da qual participaram cerca de 12 mil fiéis, de mais de 20 paróquias - de Simojovel a Tuxtla Gutiérrez, o padre Marcelo tenta comprometer o governo de Velasco Coello para que o Estado se comprometa a limpar Simojovel da corrupção e da delinquência organizada, infiltrada na política.
Seu objetivo é evitar outro Acteal [massacre ocorrido em 22 de dezembro de 1997, consistiu na chacina de 45 indígenas tzotziles, que se encontravam rezando numa igreja, na localidade de Acteal, Estado mexicano de Chiapas] ou um derramamento de sangue como o de Ayotzinapa [massacre ocorrido em 26 de setembro de 2014, quando 43 alunos da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, de Ayotzinapa, desapareceram na cidade de Iguala, Estado Guerrero].
Tenho escutado que os peregrinos se referem a você como um profeta. Um grupo musical até compôs uma canção. Você é um profeta do seu povo?
Padre Marcelo - Em mesmo não posso dizer, é o povo que expressa sua esperança. Eu o que faço é simplesmente acompanhar as pessoas. O profeta não é o que fala muito, mas o que as pessoas sentem próximo e está com eles, é seu pastor, seu sacerdote e, pois, assim vamos caminhando com o que podemos fazer. Ao final, somos humanos e limitados, temos nossos defeitos, mas vamos caminhando com as pessoas, com muito carinho.
Ser profeta implica ter contacto direto com Deus, você fala com Deus?
PM - Eu creio que todo mundo fala com Deus. Mais bem o que considero é que vemos a realidade, vemos a situação e Deus nos fala mediante essa realidade. Aí onde há sofrimento, Deus está gritando para nós. Hoje, recordamos o sofrimento de Jesus na cruz e as agressões que sofreu. Essas são as agressões que sofre o povo. O novo Jesus é o povo, para mim, é o povo que está sofrendo. Para mim, é isso, quando alguém é sensível às suas dores e seus sofrimentos se sente acompanhado. Falamos com o povo, falamos com as pessoas, que sofrem, mas também falamos com Deus e falamos sobre o que sentem as pessoas.
Como a sua Via Crucis se articula com outras propostas pacíficas, como a da sexta Declaração da Selva Lacandona?
PM - Eu creio que nenhuma pessoa deseja pegar em armas, somente quando já não resta uma saída. O Exército Zapatista não optou pelas armas, mas pela via política. Agora, eu, na minha convicção, como sacerdote estou muito convencido de que o caminho é a via pacífica e que, em nenhum momento, penso nem alento a via armada. Precisamente, não aceito guarda costas porque tomar as armas é matar.
Na minha convicção, é preciso defender a vida. Seja como for, é preciso defender a vida e são três argumentos que tenho para não aceitar o guarda costas que me quer impor o governo: primeiro, é que, por si só, as autoridades são corruptas, os mesmos policiais são corruptos. Segundo, é que eu não posso presumir ter segurança quando o povo está inseguro, mas o mais importante é um fundamento teológico: um guarda costas tem a faculdade para matar se alguém quiser me agredir. Isso é contra os meus princípios, se para defender minha vida alguém vai matar, pois este não é o caminho.
Às vezes, penso que se Deus me der a oportunidade de falar com o meu agressor lhe direi: "toma a minha vida se isso vai dar a esperança de que, algum dia, se arrependas e o leve ao caminho de Jesus e estar ao lado do povo". Esta é a minha convicção. A vida de uma pessoa é sagrada, sem importar se é um pecador, um santo ou um agressor, sua vida também é sagrada. Por isso estou convencido de a luta pacífica deve ser dessa maneira, manifestando-se.
Mas isso sim a palavra é necessário dizê-la sem muitos rodeios e com muita clareza: são mais fortes as palavras do que as balas, porque as palavras chegam aos corações, a palavra dá vida, gera consciência, enquanto as balas assustam, atemorizam, matam. Uma palavra convoca muito, é impressionante a convocatória que tem sido feita e como as pessoas só necessitavam que alguém as convidasse a que "caminhar" e para cá vêm.
Mas, então, é possível caminhar com o povo e ao mesmo tempo caminhar com o governo?
PM - Eu creio que temos que mediar, mas com uma postura muito clara: estar sempre do lado do povo. Há coisas que nos leva a sermos porta-vozes, mas não sempre. Há momentos em que se tem que romper o diálogo com o governo porque este busca a forma de defender seus interesses. O governo vê seus próprios interesses e não vê os interesses do povo. Quando os interesses do governo não são os do povo, então, não vamos dialogar.
Creio que, como sacerdote e como igreja, temos que mediar e escutar o povo. Há momentos em que temos que propor junto ao governo e aí reside o grande perigo que corremos, é que nos deixemos manipular pelo governo. Tenho uma experiência muito concreta em uma reunião na província, em Tapachula. Diziam os bispos na assembleia: "não sabemos o que fazer quando há problemas como em Acteal, problemas de terras", e isso me indignou muito, porque tinha muito pouco tempo que havia saído o documento de Aparecida [V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe realizado em Aparecida, Brasil, de 13 a 31 de maio de 2007], que dizia que "a igreja é advogada e defensora dos pobres".
Aqui, o problema é que estejamos vendidos ou que tenhamos medo do governo. Então, sim, creio no diálogo, mas com uma postura clara: no momento em que se veja que o governo trata de manipular a via do povo é preciso retirar-se. Mas se necessita de muita astúcia porque o governo é muito astuto para manipular e para nos cooptar, o fato de que queiram me dar à força um guarda costas é uma forma para me cooptar. E isso não, então, é muito claro que sim queremos dialogar com uma postura muito clara. As pessoas agradecem muito quando alguém tem uma postura e quando informa: "agora, não nos convém dialogar porque o governo tenta manipular e controlar".
São explícitas as exigências desta Via Crucis (o alto ao alcoolismo, ao vício de drogas, à prostituição), mas quais seriam as causas desse problema?
PM - A raiz de todo esse mal, segundo o que temos refletido, é a corrupção das autoridades. As autoridades são políticos que prostituem a democracia. Uma autoridade que leva a vida do povo e se esta se corrompe, então, se gera um montão de males em todos os aspectos.
Então, existe narcotráfico e prostituição porque os narcotraficantes mandam no governo, ou é o mesmo governo que é narcotraficante. Nesse aspecto, já não são autoridades, mas se tornam assassinos. Uma autoridade não deve converter-se em assassina, mas sim velar pela vida do povo. No momento em que o governo permite, pelos seus interesses econômicos, que se faça mal ao povo, então quando o governo vira opressor do povo.
Mas por que corrompem? Porque seu maior interesse é a economia. As reformas que têm feito servem para enriquecer mais aos mais ricos e empobrecer mais aos mais pobres. Quando nos pediram consentimento para aprovar uma lei? Alguém poderia fundamentar que "estamos representados por nossos deputados", mas aí acontece que a eleição também foi tão corrupta pela venda e compra de votos e baseada no poder do dinheiro. Quando alguém chega a ser autoridade com o poder do dinheiro, deixa de funcionar, porque coopta sua autoridade, mas não para cumprir o interesse do povo.
Quando uma autoridade é corrupta, é capaz de reprimir e matar para defender seus interesses, não estão ao lado dos interesses do povo, mas sim defendem os interesses de uns poucos. Por mais que eles defendam neste momento a anticorrupção, pois isto é falso, porque teriam de colocar eles mesmos na prisão e dizer "me coloque na prisão porque sou corrupto", e sabemos que isto nunca vai acontecer. A anticorrupção tem que vir do povo, tem que denunciar-se como estamos fazendo em Simojovel, dizendo "estas autoridades são corruptas", "estes políticos são narcopolíticos", porque os narcopolíticos nunca vão autoencarcerar-se ou aceitar o que são, o que estão roubando do povo, mas sim é o povo quem deve governar. A autoridade é o servidor. O povo governa e a autoridade oferece um serviço.
Você comentava que a discussão entre bispos sobre o pape da Igreja. Estamos diante de um processo de renovação ou de fratura no interior da Igreja Católica?
PM - Neste momento, quando sai o documento de Aparecida, há uma clara postura da Igreja - de fato, aí estão os documentos do Rio de Janeiro, o documento de Puebla, de Medelín, Santo Domingo -, há uma frase em Aparecida que diz "a Igreja não pode estar à margem da luta pela justiça". A Igreja deve acompanhar os indígenas na luta pelos seus direitos e é precisamente isso que estamos fazendo. Mas uma coisa é o que se diz nos documentos e outra coisa muito diferente é o que se faz. Diante disso muito nos fortalece a palavra do papa noEvangelii Gaudium [Primeira exortação apostólica do papa Francisco de 26 de novembro de 2013.
O texto expressa o influxo da teologia do povo no pensamento de Francisco]. Sua palavra é clara, sensível e acessível para todos. Me parece também que há um setor da Igreja que vai se fraturando porque quer seguir conservando suas linhas, sua comodidade, seu não compromisso com o povo, sua aliança com o governo já seja indireta, direta, implícita ou explicitamente e, muitas vezes, ficam somente com as palavras da hierarquia.
Mas também há bispos que se comprometem com o povo, mesmo que sejam muito poucos. Igual ao que acontece no presbitério, há um clero que quer conservar seu prestígio porque é mais fácil a vida cômoda, diferente de estar com o povo que, às vezes, implica a morte, o sofrimento, a desqualificação. Que nos qualifiquem de revolucionários, de revoltosos. Mas acredito que sempre têm existido essas situações, somente neste momento vai tomando um novo auge, uma Igreja mais libertadora e comprometida.
Por isso se unem. Por exemplo, ontem vimos a presença de vários sacerdotes, tanto da Diocese de San Cristóbal como da Arquidiocese de Tuxtla. Agora mesmo a arquidiocese de Tuxtla admira este trabalho que fazemos, apesar de ser mais conservadora. Mas, na realidade, no fundo do coração, há um desejo de ajudar o povo. É só que algumas vezes nos controlam alguns bispos, nos detêm ou não permitem que o façamos. Mas aí vamos abrindo brechas para uma igreja libertadora e comprometida, para uma igreja pobre.
Esse é o pensamento do papa. A igreja de pobres e para os pobres haveria de buscar uma maneira de fazê-la viva, porque o assunto é a vida, como estar com o povo e estar com o fiel que sofre, que caminha, que é aprisionado, que é oprimido. Aí deve estar a Igreja hierárquica, porque a igreja do povo já está envolvida. Esta é a igreja do povo, mas falta mais presença da hierarquia, do clero. A igreja é o povo de Deus. E este é o povo de Deus. Se se entendesse que a igreja é "o povo de Deus", pois aqui deveriam estar muitíssimos sacerdotes, mas o assunto do prestígio às vezes é o que se quer conservar e ficam mais cômodos em casa.
Qual foi a influencia de Dom Samuel Ruíz em seu caminhar?
PM - Na minha? Nada, porque não trabalhei com ele nenhum dia. Ele somente me confirmou. Quem mais influiu na minha vida foi San Romero [Oscar Arnulfo Romero foi um sacerdote salvadoreño que predicou a defesa humanos e foi assassinado em 1980 durante a celebração da missa], mas o que mais impacta, move e chora uma pessoa por isso é o sofrimento do povo sem a necessidade de uma figura de um santo como para poder entender que há que comprometer-se com o povo.
Muitas pessoas pensam que sou um seguidor de Dom Samuel, e não, nunca trabalhei com ele. Foi muito comprometido Dom Samuel, é o que me dizem, mas sobretudo aqui o importante é o sofrimento do povo, isso e a palavra de Deus é o que nos move.
E ainda que não houvesse existido Dom Samuel, o sofrimento existe e há de estar com o povo, vendo a gente, os irmãos, seus sofrimentos, me importa caminhar. Claro que me impacta muito a vida de Oscar Arnulfo Romero. Vejo refletidas minhas convicções m suas convicções. A ele também ofereceram guarda-costas e também não aceitou. Está muito caro que é aí a intervenção de Deus com os pobres. O valioso da Bíblia é que está modelada a intervenção de Deus com os pobres e contra os ricos ou os que oprimem o povo.
Qualquer pessoa que veja uma situação de opressão, aí está muito clara a postura e Deus. Fico pensando em 21 de Reis, na vinheda de Nabot, há uma situação na qual o Rei o tira seu terreno a Nabot e intervém Deus. É uma intervenção direta contra o rei e a favor de Nabot. Perguntaram a mim se sou seguidor da teologia da libertação. Pois minha resposta é que não sei como se chama essa teologia e nem me importa o nome, mas o que importa é estar com o povo. Eu gostaria mais chamá-la teologia social ou teologia do povo, mais que teologia da libertação, mas o nome é secundário, o importante é estar com eles.
Finalmente, que papel joga a ecologia na Teologia do povo?
PM - A pessoa vê a Bíblia e também está repleta da teologia de nossa mãe terra, da mesma maneira que os irmãos que estão sedentos por defender suas terras. Tem influído muito o capitalismo o mudar a cosmovisão de que "a terra não vale mais". No entanto, a mesma Bíblia estabelece claramente a defesa da terra e da natureza, por isso é parte também de nossa vida de nossa defesa e de nossa preocupação diante da intervenção de empresas transnacionais de vir a saquear a riqueza do povo.
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