28 de janeiro de 2021, 18h22
Por Rodrigo Haidar
Não se pode admitir que a liberdade de expressão legitime ataques ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Tampouco deputados ou senadores podem se escudar na imunidade parlamentar para proferir ofensas a outras pessoas sem que suas manifestações guardem qualquer relação com a atividade que desenvolvem no Congresso Nacional.Deputado federal Otoni de Paulo (PSC-RJ)
Câmara dos Deputados
Com base nessas premissas, o juiz Guilherme Madeira Dezem, da 44ª Vara Cível de São Paulo, condenou o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) a pagar R$ 70 mil de indenização ao ministro Alexandre de Moares, do Supremo Tribunal Federal, pelos ataques feitos contra o juiz nas redes sociais. Nas postagens, em texto e vídeo, o deputado se refere ao ministro do Supremo com expressões como "lixo", "esgoto", "cabeça de ovo" e "cabeça de piroca". A decisão foi publicada nesta quinta-feira (28/01). O deputado ainda pode recorrer.
Em agosto do ano passado, Madeira Dezem já havia mandado que o deputado excluísse de seus perfis nas redes sociais as ofensas contra o ministro do Supremo. Na ocasião, o juiz determinou que os conteúdos fossem removidos no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.
Na decisão desta quinta-feira, o magistrado registrou que o deputado federal ultrapassou as balizas que fixam os limites aceitáveis da manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, "uma vez que humilha, ofende e ataca, diretamente, a honra e a imagem" do ministro. "O alegado exercício do direito de manifestação encontra limites do âmbito de proteção de outro direito individual, em outras palavras, não se pode admitir que a liberdade de expressão legitime ataques ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, como é o caso dos autos", decidiu o juiz.
Madeira Dezem enfrentou, na decisão, a discussão sobre a proteção conferida pela imunidade parlamentar. Para o juiz, o Estado deve ter cautela para não tolher manifestações de deputado e senadores. "Parlamentares são a manifestação concreta do resultado das eleições e bem por isso deve-se tomar muita cautela ao analisar suas manifestações", escreveu. Mas isso não significa liberdade para o cometimento indiscriminado de ofensas: "Ao mesmo tempo deve se acautelar para que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não sejam utilizadas como escudo para práticas inadequadas. Neste caso foi ultrapassada a linha e cabe ao Poder Judiciário promover a correção do erro".
O juiz entendeu que a imunidade protege o parlamentar que, no exercício da função ou em razão dela, profere palavras, opiniões e votos relacionados com a atividade exercida. Ou seja, relacionadas com a atividade parlamentar, o que não pode justificar manifestações puramente ofensivas e proferidas no intuito de ofender a honra e a dignidade da pessoa humana. "Nesse sentido, além de as manifestações terem sido emitidas fora da casa legislativa, também se verifica ausência de conexão entre as manifestações proferidas pelo requerido com o exercício do mandato. Analisando os autos, não vislumbro conexão de manifestações como cabeça de piroca ou até mesmo cabeça de ovo, com a função exercida pelo requerido como deputado federal e pelo autor como ministro do Supremo Tribunal Federal", sentenciou.
O deputado federal Otoni de Paula também responde pelas ofensas na esfera penal. Ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, em julho passado, pelos crimes de difamação e injúria contra Alexandre de Moraes. Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, "as expressões intimidatórias utilizadas pelo denunciado escapam à proteção da imunidade parlamentar e atiçam seus seguidores nas redes sociais, de cujo contingente humano já decorreram investidas físicas contra o Congresso e o próprio Suprem"”.
Otoni de Paula é um dos alvos de inquérito que investiga o financiamento de atos antidemocráticos que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do STF, além de intervenção militar. No bojo dessa investigação, teve o seu sigilo bancário quebrado por decisão do ministro Alexandre.
Rodrigo Haidar é repórter especial da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 28 de janeiro de 2021, 18h22
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