TATIANA FREITAS
DE SÃO PAULO
Os produtores rurais do município gaúcho de São Gabriel receberam com repúdio o frigorífico Foresta, há cerca de 15 anos. O motivo: em vez de bois, o grupo com origem uruguaia abate cavalos.
"Esse hábito violentava os nossos costumes e tradições. Um gaúcho jamais mataria um cavalo de montaria que foi companheiro do homem", afirma o produtor Renato Fagundes, que tem fazenda em São Gabriel e já vendeu animais para o frigorífico.
Com o tempo, os produtores perceberam que poderiam fazer negócio com animais de descarte --velhos ou que, por algum motivo, não servem para o trabalho no campo. "E o abate se tornou natural."
Hoje, o Foresta é o único no país com exportações regulares relevantes. Em janeiro, 80% dos embarques do setor partiram de São Gabriel.
É o sobrevivente de um setor em declínio. Até 2009, o Brasil alternava a terceira e a quinta posição entre os maiores exportadores de carne de cavalo --prato estranho aos brasileiros, mas uma iguaria na culinária europeia.
A partir daí, os embarques despencaram, refletindo as novas regras da União Europeia. O bloco passou a apresentar exigências parecidas com as do comércio de carne bovina para as importações.
Para vender à Europa, os frigoríficos passaram a ser obrigados a apresentar um histórico detalhado da vida do cavalo nos seis meses que antecedem o abate.
"Em função desse rastreamento, ficou muito difícil para o Brasil exportar", diz Roberto Arruda de Souza Lima, professor do departamento de economia da Esalq/USP e especialista no setor.
A rastreabilidade é quase inviável no Brasil, onde não há cavalos criados só para o abate, assim como na maioria dos países produtores. Como o animal converte pouco o que consome em carne, o negócio não é lucrativo.
Os frigoríficos buscam nas fazendas os cavalos para abater. Segundo produtores, há preocupação com a saúde do cavalo na aquisição, mas os compradores não pedem histórico detalhado do animal e dos medicamentos ingeridos.
Eles demonstram insatisfação com a remuneração, classificada como "ninharia". "Não é uma atividade lucrativa. Vendemos só para não deixar os animais morrerem ali", diz Fagundes.
A última venda feita pelo produtor de arroz, ovinos e bovinos de São Gabriel ao frigorífico Foresta ocorreu há cerca de um mês. Ele não se lembra do valor exato da venda, mas diz que o quilo do cavalo vivo pode sair por menos de R$ 1. O quilo do boi vivo, na mesma região, é comercializado por mais de R$ 3.
SOBREVIVENTES
No auge das exportações de carne equina, sete frigoríficos estavam habilitados pelo Ministério da Agricultura a abater cavalos. Restaram três. Além do Foresta, podem abater os animais o frigorífico Mississipi, de Apucarana (PR), e o Prosperidad, localizado em Araguari (MG).
O último está com as atividades suspensas desde novembro passado, após o registro de casos de mormo, doença comum em equinos, na região de Araguari.
Há rumores de que o frigorífico, ligado à trading DSM, volte a operar em abril. A Folha procurou a empresa e todos os frigoríficos citados, mas não obteve resposta dos responsáveis.
Lima, da Esalq, diz que o silêncio é comum no setor, que teme reações violentas. "No Nordeste, tentaram abrir um frigorífico e fecharam por pressão popular", afirma.
Neste momento, o silêncio pode estar relacionado ao escândalo na Europa envolvendo a presença de carne de cavalo em alimentos processados que deveriam conter apenas carne bovina.
A possibilidade de fraudes no Brasil, no entanto, é descartada por especialistas e pelo Ministério da Agricultura, pois o controle nos frigoríficos é rígido. Fiscais do ministério acompanham os abates dentro das unidades e dão certificado de origem à carne.
PALADAR
Restaurantes paulistas, como o italiano Friccò e o japonês Hideki, tentaram inserir carne de cavalo no cardápio, mas não tiveram sucesso.
"Como no Japão é muito comum o consumo de cavalo, testamos no cardápio. Mas o paladar brasileiro não aceitou", diz Hideki Fuchikami, chef e proprietário do Hideki.
A carne equina faz sucesso nutricionalmente: tem o dobro do ferro da carne bovina, mais aminoácido e menos gordura, segundo Lima.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
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Os produtores rurais do município gaúcho de São Gabriel receberam com repúdio o frigorífico Foresta, há cerca de 15 anos. O motivo: em vez de bois, o grupo com origem uruguaia abate cavalos.
"Esse hábito violentava os nossos costumes e tradições. Um gaúcho jamais mataria um cavalo de montaria que foi companheiro do homem", afirma o produtor Renato Fagundes, que tem fazenda em São Gabriel e já vendeu animais para o frigorífico.
Com o tempo, os produtores perceberam que poderiam fazer negócio com animais de descarte --velhos ou que, por algum motivo, não servem para o trabalho no campo. "E o abate se tornou natural."
Hoje, o Foresta é o único no país com exportações regulares relevantes. Em janeiro, 80% dos embarques do setor partiram de São Gabriel.
É o sobrevivente de um setor em declínio. Até 2009, o Brasil alternava a terceira e a quinta posição entre os maiores exportadores de carne de cavalo --prato estranho aos brasileiros, mas uma iguaria na culinária europeia.
A partir daí, os embarques despencaram, refletindo as novas regras da União Europeia. O bloco passou a apresentar exigências parecidas com as do comércio de carne bovina para as importações.
Para vender à Europa, os frigoríficos passaram a ser obrigados a apresentar um histórico detalhado da vida do cavalo nos seis meses que antecedem o abate.
"Em função desse rastreamento, ficou muito difícil para o Brasil exportar", diz Roberto Arruda de Souza Lima, professor do departamento de economia da Esalq/USP e especialista no setor.
A rastreabilidade é quase inviável no Brasil, onde não há cavalos criados só para o abate, assim como na maioria dos países produtores. Como o animal converte pouco o que consome em carne, o negócio não é lucrativo.
Os frigoríficos buscam nas fazendas os cavalos para abater. Segundo produtores, há preocupação com a saúde do cavalo na aquisição, mas os compradores não pedem histórico detalhado do animal e dos medicamentos ingeridos.
Eles demonstram insatisfação com a remuneração, classificada como "ninharia". "Não é uma atividade lucrativa. Vendemos só para não deixar os animais morrerem ali", diz Fagundes.
A última venda feita pelo produtor de arroz, ovinos e bovinos de São Gabriel ao frigorífico Foresta ocorreu há cerca de um mês. Ele não se lembra do valor exato da venda, mas diz que o quilo do cavalo vivo pode sair por menos de R$ 1. O quilo do boi vivo, na mesma região, é comercializado por mais de R$ 3.
SOBREVIVENTES
No auge das exportações de carne equina, sete frigoríficos estavam habilitados pelo Ministério da Agricultura a abater cavalos. Restaram três. Além do Foresta, podem abater os animais o frigorífico Mississipi, de Apucarana (PR), e o Prosperidad, localizado em Araguari (MG).
O último está com as atividades suspensas desde novembro passado, após o registro de casos de mormo, doença comum em equinos, na região de Araguari.
Há rumores de que o frigorífico, ligado à trading DSM, volte a operar em abril. A Folha procurou a empresa e todos os frigoríficos citados, mas não obteve resposta dos responsáveis.
Lima, da Esalq, diz que o silêncio é comum no setor, que teme reações violentas. "No Nordeste, tentaram abrir um frigorífico e fecharam por pressão popular", afirma.
Neste momento, o silêncio pode estar relacionado ao escândalo na Europa envolvendo a presença de carne de cavalo em alimentos processados que deveriam conter apenas carne bovina.
A possibilidade de fraudes no Brasil, no entanto, é descartada por especialistas e pelo Ministério da Agricultura, pois o controle nos frigoríficos é rígido. Fiscais do ministério acompanham os abates dentro das unidades e dão certificado de origem à carne.
PALADAR
Restaurantes paulistas, como o italiano Friccò e o japonês Hideki, tentaram inserir carne de cavalo no cardápio, mas não tiveram sucesso.
"Como no Japão é muito comum o consumo de cavalo, testamos no cardápio. Mas o paladar brasileiro não aceitou", diz Hideki Fuchikami, chef e proprietário do Hideki.
A carne equina faz sucesso nutricionalmente: tem o dobro do ferro da carne bovina, mais aminoácido e menos gordura, segundo Lima.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress
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