Desde minha primeira travessia do Atlântico, descobri o fascínio dos europeus pelos bugres nossos. No salão Opala, do finado Eugênio C, encontrei uma francesa que voltava da Amazônia, fascinada. C'est magnifique, me repetia com olhar sonhador. Eu não conseguia entendê-la. Mas na Amazônia só há árvores, índios e bichos - objetei. C'est ça! - me respondeu. Ela, oriunda de um mundo milenar e cosmopolita, queria ver o que ficara à margem da civilização. Eu, que nascera naquelas margens, queria a civilização propriamente dita.
Mais recentemente, amigos franceses em visita à Amazônia, quiseram conhecer uma tribo próxima a Manaus. Foram conduzidos até lá por um guia, que minutos antes de chegar à aldeia, apitou três vezes. Para os “índios” se vestirem de índios.
A Polícia Federal descobriu um líder indígena do Amazonas, habitué de cerimônias com autoridades como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora, Dilma Rousseff, não é índio. Para a PF, Paulo José Ribeiro da Silva, 39, o Paulo Apurinã, fraudou o Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Índio), RG indígena emitido pela Funai. É o que conta a Folha de São Paulo.
Até parece novidade. Neste país em que os escândalos andam em cachos, o apurinã é apenas a ponta do iceberg. Depois que terras e cotas foram distribuídas a negros e índios, suas populações cresceram como cogumelos após a chuva. Corrupção no Brasil é meada. Basta puxar um fio e vem o novelo todo junto.
Em 2010, o IBGE registrou o crescimento de 205% na população indígena do país. Para chegar a este número, o Instituto somou aqueles que se autodeclararam indígenas e os que vivem em terras indígenas, que tiveram pergunta à parte. Os índios, hoje, somam oficialmente 896,9 mil pessoas, de 305 etnias, que falam 274 línguas indígenas. Em 1991, os índios somavam 294 mil. O número chegou a 734 mil no Censo de 2000, 150% de aumento na comparação com 1991. Em apenas nove anos, triplicaram suas populações. Nem muçulmano consegue tal taxa de fertilidade na Europa.
Descobriram mais tribos no país? Nada disso. Os índios é que descobriram a América. Ou melhor, os brancos que descobriram que ser índio é melhor. Vamos à notícia. Após um ano e meio de apuração, Paulo Apurinã e sua mãe, Francisca da Silva Filha, 56, foram indiciados sob suspeita de falsificação de documento público.
Entre os indícios de fraude, diz a PF, estão a ausência de dados genealógicos e de estudos antropológicos, além de depoimentos de índios que negaram a origem dos dois. A própria mãe de Silva, em depoimento à PF, disse ter tirado os nomes indígenas dela e do filho - "Ababicareyma" (mulher livre) e "Caiquara" (o amado) - de um dicionário de tupi-guarani. Eles não falam a língua apurinã. A propósito, ouvi recente entrevista do apurinã recém-saído do forno. Usa um “di” carioca demais para um autóctone da Rain Forest.
"Esses documentos foram adquiridos mediante fraude com colaboração de uma funcionária da Funai", afirmou Sérgio Fontes, superintendente da PF no Amazonas, sobre os registros obtidos em 2007. Nem só Paulinho lucrou com a fraude. Com a flamante identidade, sua mãe entrou como cotista no curso de turismo da Universidade Estadual do Amazonas.
Ora, não é de hoje que a imprensa vem denunciando a fábrica de índios no país. Em maio de 2010, Veja publicou reportagem sobre a nova indústria, com ênfase ao estado do Pará. Em Santarém, tentou-se criar uma etnia indígena, a dos boraris, que viviam em Alter do Chão, a praia mais badalada do Pará. Com pouco mais 200 pessoas, a etnia assimilou a cultura dos brancos de tal forma que desapareceu no século XVIII. "Em 2005, Florêncio Vaz, frade fundador do Grupo Consciência Indígena, persuadiu 47 famílias caboclas a proclamar sua ascendência borari. Frei Florêncio ensinou-lhes costumes e coreografias indígenas", dizia a revista.
Segundo a reportagem, o auto-intitulado "cacique" Odair José, de 28 anos, reclamou do fato de Veja tê-lo visitado sem anúncio prévio. "A gente se prepara para receber a imprensa", disse. Não houve guia que apitasse antes, como no caso de meus amigos franceses. Seu vizinho Graciano Souza Filho afirma que "ele se pinta e se fantasia de índio para enganar os visitantes". Basílio dos Santos, tio do "cacique", corrobora essa versão: "Não tem índio aqui. Os bisavôs do Odair nasceram em Belém".
A revista destacava ainda que os falsos boraris queriam uma área de 800 quilômetros quadrados para apenas 47 famílias. Bem maior do que o reservatório previsto da hidrelétrica de Belo Monte – hoje sob cerco dos bugres, orientados por funcionários da Funai e religiosos do Cimi - que terá 500 quilômetros quadrados e beneficiará mais de 20 milhões de brasileiros com energia de matriz limpa. Se a reserva dos falsos índios fosse mesmo criada – dizia a Veja - 800 pessoas poderiam perder o emprego nas empresas instaladas na região.
O novel apurinã flagrado pela PF não é desconhecido dos leitores. Em novembro de 2011, os jornais noticiavam um crime hediondo cometido por Paulinho. Comentei o assunto neste blog.
Por estar carregando um cocar, o pseudobugre foi barrado por um fiscal do Ibama quando tentava entrar na área de embarque do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Após discutir com policiais federais, ele acabou detido por desacato, algemado e levado à sede da Superintendência da PF Amazonas. Segundo Sebastião Souza, agente ambiental federal do Ibama, o indígena não poderia embarcar levando seu cocar, alegando que ele era feito de penas de animais silvestres e não tinham o “selo” do Ibama. Os jornais falavam então em líder indígena. O Ibama esqueceu de apitar antes da entrada de Paulinho.
Porta-voz do Mirream (Movimento Indígena de Renovação e Reflexão do Amazonas), o Silva da selva ganhou notoriedade em 2009, após liderar invasões de terras públicas para assentar índios sem teto, quando enrolou até mesmo aquele outro Silva, o do planalto. Em outubro de 2011, presenteou Dilma e Lula com cocares - que provavelmente tampouco tinham o selo do Ibama - na inauguração de ponte sobre o rio Negro.
Mas a cocar dado não se olha o selo. As fotos empenachadas circularam, como símbolo de integração, em todos os jornais. "O meu cocar está com a Dilma", disse o pseudobugre à Folha, nesta semana. Vai mal a Presidência da República, quando seus serviços de informação desconhecem a real identidade dos papagaios de pirata do Planalto.
De lá para cá, a Mulher Livre e o Amado enganaram o país, o presidente do país e a imprensa toda do país. Até nuestros vecinos querem participar da boquinha. Em 2008, Roseli Maria Luiz, coordenadora das Ong Recovê, levantou provas de que paraguaios e bolivianos se passavam por índios e moravam em aldeias da região de fronteira, onde a Funai fazia os famosos estudos antropólogicos que futuramente pode resultar em demarcações.
“São muitas as denúncias que temos de falsos índios que fazem documento no Brasil e recebem benefícios, fruto de nossos impostos”, afirmou Roselina ocasião. “As denúncias são muitas, mas o problema é levantar a documentação”. Em janeiro deste ano, dizia o antropólogo Edward M. Luz, mestre e doutorando pela Universidade de Brasília, ao ser interrogado pelo eventual fim do processo de demarcação das terras indígenas:
- Boa pergunta. Quem sabe? Como estão as terras indígenas hoje? Quando eu ainda estava na universidade em 1996, já ouvíamos falar que mais de 95% das sociedades e povos indígenas no Brasil já tinham suas terras demarcadas. Na verdade não existe hoje uma sociedade indígena que não tenha uma terra demarcada. Todas as sociedades tem suas terras demarcadas e reconhecidas no Brasil. Existe mais de 600 áreas demarcadas totalizando aproximadamente 14% do território nacional. Quando eu saí da FUNAI em 2008, haviam 250 demandas por novas demarcações de terras indígenas. Em 2009 já eram cerca de 360 demandas, em 2011 foram mais de 450 novos pedidos e suponho que o número atual já ultrapasse 500 novos pedidos. O que isso representa? Se não houve aumento no número de comunidades indígenas o que isso nos revela?
- Pasmem senhores, o que aumentou foi o número de pessoas se passando por índios, reivindicando terras indígenas. São grupos de movimentos sociais se passando por indígenas. O que está ocorrendo no Brasil é uma desapropriação agrária escondida sob o manto do ressurgimento étnico. É uma reforma agrária às avessas. Só para se ter uma ideia do que estou falando, eu como antropólogo, já vivenciei diversas situações onde supostos indígenas reivindicavam terras. Como já falei, quase 14% do território nacional está demarcado para povos indígenas e, recentemente, uma deputada federal do Amapá subiu à tribuna para dizer que é uma vergonha que este país tenha até hoje demarcado apenas 1/3 das terras indígenas. É só fazer um cálculo simples. Se 1/3 equivale a 14% do território nacional, o pleito pode chegar a pelo menos 42%. Isso mostra que a demanda de interesses desses grupos é absolutamente irreal, absolutamente desproporcional. Não há uma lógica proporcional entre a população brasileira e a população indígena. Mesmo que sejam hoje cerca de 800 mil indígenas existente no Brasil. Um pleito de mais de 40% do território brasileiro em detrimento aos quase 200 milhões de brasileiros. Eu já sabia que o pleito era de aproximadamente 25% do território a ser demarcado como terras indígenas, o que já era absolutamente desproporcional, e veja que agora já se fala em mais de 40%. Por isso não se sabe onde isto irá parar.
Não vai parar, professor. Assim como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) transformou o Brasil em um país negro em 2005, jogando negros e mulatos num mesmo saco – isto é, destruindo o mulato, como fizeram os Estados Unidos – em breve a Funai acabará descobrindo que o Brasil é um país índio.
Assim como os neobichas estão descobrindo o casamento com véu e grinaldas, os neobugres descobriram a América e não irão largar o osso.
Fonte: Blog do JANER CRISTALDO
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