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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

CULPA OBJETIVA - Traficante nos EUA responde por morte de usuário de drogas

Por João Ozorio de Melo

Na véspera do dia em que iniciaria um programa de reabilitação, por ordem judicial, o americano Joshua Banka decidiu fazer uma "festa" solitária de despedida de usuário de drogas. Fumou maconha, triturou, cozinhou e injetou OxyContin no sangue, tomou outras drogas controladas que comprou ou roubou e encerrou a noite com uma dose de heroína. Na manhã, foi encontrado morto.Causa mortis no laudo: overdose.

As investigações levaram ao traficante Marcus Burrage, que vendeu um grama de heroína a Banka. Burrage foi preso, em 2010, e duplamente condenado: por tráfico de drogas, com sentença de 20 anos de prisão, e por responsabilidade na morte do usuário, o que lhe rendeu a sentença mínima compulsória de 20 anos de prisão. As duas sentenças são cumpridas simultaneamente, mas isso elimina possibilidades de progressão ou redução de pena.

Burrage, por vender uma droga que teria causado uma morte — esse é o ponto em questão — foi condenado em um tribunal federal, com base em uma lei federal (e não no âmbito estadual). A lei federal americana responsabiliza criminalmente traficantes quando a "morte ou dano físico sério" do usuário "resultam de" consumo da droga que vendeu.

O "resultam de" é, provavelmente, o ponto mais controverso do caso. Como se prova que a morte do usuário resultou do consumo de heroína, se ele tomou um coquetel? No julgamento de primeiro grau, essa dúvida não foi resolvida: especialistas testemunharam que Banka morreu de overdose, que podiam afirmar que a heroína foi um fator contribuinte para isso, mas não podiam "jurar" que foi a heroína que o matou.

Entretanto, não seria esse "detalhe" que iria impedir a condenação de Burrage. O juiz instruiu os jurados para não se prender a essa "minuciosidade" do caso. Bastava à Promotoria provar que a heroína contribuiu para a causa da morte, mesmo que não seja a sua causa primária. Esse entendimento foi mantido em um tribunal de recursos.

Última palavra

Nessa terça-feira (12/11), as minúcias da lei entraram em debate na Suprema Corte dos EUA. Na primeira audiência, os ministros tinham muitas perguntas: Quem matou Joshua Banka? A heroína ou o coquetel de drogas? Basta ao Estado provar que a heroína contribuiu para morte do usuário ou tem de provar que foi a causa de sua morte? Os promotores têm de provar o que os advogados chamam de causa "but for" (não fosse por) — isto é, não fosse pela heroína, o cidadão estaria vivo? Contribuir para a morte é suficiente para enquadrar o réu na lei de pena mínima de 20 anos?

Os ministros não aceitaram a aparente simplificação do entendimento nas instâncias inferiores, preferindo discutir o caso mais profundamente. E já alcançaram um primeiro resultado: tornaram o problema bem mais complexo, para eles mesmos resolverem (ver relatório da corte aqui).

A questão foi provocada pela advogada de defesa Angela Campbell, que foi nomeada pela própria corte para defender o traficante. Ela disse aos ministros que o Estado, nesse caso particular, tem de estabelecer a causa "but for": "Não fosse pela heroína, a vítima estaria viva". E levantou mais uma questão: "Os promotores têm de provar que Burrage previu a morte de Banka ao lhe vender drogas".

O procurador Benjamin Horwich rebateu: "Se o Estado tiver de apresentar essas provas todas as vezes, só vai ajudar a provar que nada ou ninguém tem responsabilidade pelas mortes dos usuários de drogas". Horwich insistiu na tese de que o Estado só tem de provar que drogas ilícitas contribuíram para a morte de usuários.

A advogada reconheceu que a Promotoria tem razão quando alega, com frequência, que mortes poroverdose resultam de uma mistura de drogas e que, por isso, é impossível identificar qual delas causou a fatalidade. No entanto, ela disse, a lei não trata dessa possibilidade. E, portanto, ela não pode ser considerada em juízo. "Cabe ao Congresso escrever uma lei melhor", ela disse.

Alguns ministros pareceram concordar com os argumentos da advogada, de acordo com os jornais Washington Post e New York Times. Menos com a tese da "previsibilidade" — a de que o traficante deveria prever a morte da vítima. "Há um risco previsível de morte por overdose quando alguém compra drogas de um traficante", disse a ministra Ruth Ginsburg.

O ministro Samuel Alito discordou: "O traficante quer vender drogas, não quer que seu cliente morra". Horwich, porém, insistiu que é perfeitamente aceitável se entender que o uso de drogas leva à overdose. "E, no contexto da Lei de Substâncias Controladas", ele disse, não há espaço para suposições de que a morte por overdose de um usuário de heroína pode ser vista como uma surpresa".

A ministra Elena Kagan concluiu, das discussões, que a única coisa clara é que "o uso da heroína provavelmente contribuiu para a morte da vítima, mas não é possível dizer que causou a sua morte. Como se resolve isso, se nem os especialistas sabem dizer?" 
Resta saber, então, segundo o presidente da corte, ministro John Roberts, se a aceitação da tese de que o uso dessa quantidade de heroína contribuiu para a morte da vítima é suficiente para aplicar uma pena mínima de 20 anos de prisão ao réu.

O ministro Antonin Scalia se queixou: "Por causa dessas imprecisões da lei, alguns pobres diabos são mandados para a cadeia por muito mais tempo do que o devido".

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.


Revista Consultor Jurídico, 14 de novembro de 2013

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