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domingo, 5 de abril de 2015

REDAÇÃO JURÍDICA - Em decisão, Suprema Corte dos EUA exige simplicidade nas petições

Em verdade, quem tem que dar exemplo de simplicidade são as cortes de justiça, a começar pela eliminação da ridícula exigência de toga ou beca para atuação dos advogados nas tribunas. E vou mais longe: deveriam pensar na dispensa de paletó e gravata, notadamente em dias de clima tropical.
Não se pode esquecer, ainda, que a origem da linguagem empolada não é bem dos advogados para as cortes, mas ao inverso. Os magistrados, por seus assessores, adoram mostrar enganosa erudição. Os advogados, para sentirem-se em sintonia com os pedantes dos gabinetes, acabam por copiar-lhes o juridiquês. 
Não raro, os assessores dos magistrados incluem trechos em francês, ou inglês, nos arestos, sem as correspondentes traduções, como que a presumir que todos possuem obrigação de conhecer idiomas diversos da língua pátria. Pura boçalidade, que já se tentou coibir vedando o uso do latim  nas peças jurídicas.

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Por João Ozorio de Melo


As recentes discussões na comunidade jurídica americana sobre a linguagem das petições chegaram à Suprema Corte dos EUA. Em decisão unânime, em um “processo disciplinar extraordinário”, os ministros advertiram advogados e procuradores que atuam na corte: as petições devem ser redigidas em plain terms — que significa linguagem clara, direta e objetiva.

Em dezembro de 2014, a Suprema Corte abriu um processo disciplinar extraordinário contra o advogado Howard Shipley, da banca Foley & Lardner, por apresentar à corte uma petição, em um caso de patente, repleta de juridiquês, jargões técnicos, abreviaturas e tipografia incomum”. Pior que isso, por permitir que o cliente participasse ativamente da redação da petição e colocasse nela seu próprio nome.

A corte deu um prazo de 40 dias para o advogado se defender, explicando aos ministros por que não deveriam lhe aplicar uma sanção. O escritório de Shipley contratou, para defendê-lo, o advogado e ex-procurador-geral Paul Clement, considerado, nos EUA, o “redator jurídico mais claro do planeta”.

Clement reconheceu que a petição tinha uma redação nada ortodoxa, mas que isso se deve a um cliente difícil, que “insistiu em manter o controle primário” de seu conteúdo. E que, de qualquer forma, ela refletiu de forma clara e fiel a visão do cliente.

Além disso, foi necessário conciliar, tanto quanto possível, as demandas conflitantes da lealdade que o advogado deve ao cliente e de seu dever perante as regras da corte. Acrescentou que o produto final seria bem diferente, se o cliente fosse uma pessoa mais respeitadora. Argumentos à parte, os ministros da Suprema Corte também respeitam Clement. E em uma breve decisão, os ministros fizeram uma advertência válida para todos os advogados.

“A resposta foi apresentada e a ordem para se defender, de 8 de dezembro de 2014, fica extinta. Entretanto, todos os advogados que atuam na corte ficam advertidos que devem cumprir as exigências da Regra 14.3 da Suprema Corte, segundo as quais as petições de certiorari (de remessa dos autos) devem ser redigidas em linguagem clara, direta e objetiva. E essa responsabilidade não pode ser delegada ao cliente”.

A chefe da Suprema Corte, Lisa Blatt, disse ao Legal Times: “É sempre bom se lembrar de que é melhor contar sua história com simplicidade. Todos os advogados, promotores e procuradores devem obedecer a regra de ouro: faça de conta que você é o juiz, quando estiver redigindo uma petição”.

Agitação
Muitos advogados se disseram chocados com o fato de Shipley deixar o cliente escrever a petição. E pelo fato da Suprema Corte fazer a recomendação, não solicitada, aos advogados em geral, renovando a discussão perene sobre alguns advogados que escrevem petição densas, pomposas e recheadas de juridiquês.

“Quase todos os advogados me dizem que redigir em linguagem clara, direta e objetiva faz mais sentido, disse ao Legal Times o advogado e jornalista Hank Wallace, que ensina redação em plain language em seminários para advogados e outros profissionais. “Porém, alguns de seus chefes ou mesmo o cliente podem achar a petição fraca, sem dignidade. Ou eles não acham isso, mas seu oponente no tribunal pode considerar a petição fraca, sem dignidade”.

“Porém, se uma petição for muito vaga e sem fundamentos, o juiz irá cobrar isso do redator. No entanto, a redação em linguagem clara, direta e objetiva é um seguro contra constrangimento”, afirmou.

Para o presidente da Legal Writing Pro, Ross Guberman, não será fácil para os advogados mudarem a marcha. “Há um mito predominante de que os advogados escrevem petições complicadas de propósito e que poderiam mudar isso se quisessem. Porém, é realmente muito difícil para o redator jurídico escrever apenas sentenças simples e claras, a não ser que tenham uma forma de pensar muito clara e uma capacidade de edição impecável”.

“A Suprema Corte dificilmente pratica o que ela prega. Essa regra que exige redação em linguagem clara, direta e objetiva é uma simplificação exagerada que os próprios ministros não cumprem em suas decisões”, ele disse. Guberman é o autor do livro Ponto feito: Como escrever à semelhança dos melhores advogados da nação, lançado em 2014, e do livro Ponto aceito: Como escrever à semelhança dos melhores juízes do mundo, a ser lançado este ano.

Ele adverte, no entanto, que os advogados não podem assumir que todos os juízes, desembargadores e ministros estão familiarizados com todas as tecnicalidades de todos os campos do Direito, muitos menos daquelas específicas da área de atuação do cliente. Na verdade, o processo pode cair nas mesas de juízes generalistas que terão muita dificuldade de entender um texto tecnicamente complexo.

O presidente do comitê executivo da Sidley Austin, Carter Phillips, disse aoLegal Times que advogados novos costumam pensar, erradamente, que o juiz entende ou se importa com a questão proposta na petição mais do que realmente ele realmente entende ou se importa ou, ainda, que tem tempo para se dedicar a ela. “Os advogados experientes sabem como é importante “traduzir materiais ou ideias complexas em algo que é realmente fácil de entender, se a redação for em linguagem clara, direta e objetiva".
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João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.



Revista Consultor Jurídico, 5 de abril de 2015, 11h19

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