Bebida típica da região, que costuma ser degustada coletivamente, em rodas, estaria contrabuindo para disseminação da doença, segundo prefeitos e secretários de saúde de cinco municípios
Alfredo Mergulhão
19/05/2020 - 06:31 / Atualizado em 19/05/2020 - 09:54Bebida está na rotina dos mato-grossenses Foto: Reprodução
Patrimônio imaterial e cultural do Mato Grosso do Sul, o tereré foi proibido em cinco municípios do estado para evitar a propagação do coronavírus. A bebida típica costuma ser consumida coletivamente, em rodas, nas quais as pessoas compartilham a mesma cuia. A medida foi tomada após os casos de Covid-19 terem disparado em Guia Lopes da Laguna. A Prefeitura municipal atribuiu o aumento ao uso do tereré.
O crescimento da circulação do vírus em Guia Lopes da Laguna fez as prefeituras de Bonito, Juti, Laguna Carapã, Amambai e Brasilândia decretarem a proibição da bebida. Neste último município, o consumo contribuiu para a morte de duas pessoas da mesma família, ambas contaminadas após participarem de uma festa na qual houve roda tereré.
O avanço da pandemia em Guia Lopes da Laguna ganhou força no dia 8 de maio, quando os casos confirmados passaram de 12 para 21. Neste domingo (17), o número de pessoas que testaram positivo chegou a 95 e o município já possui a mais alta taxa de incidência no Mato Grosso do Sul, com 990 casos para cada 100 mil habitantes. Não há mortes por Covid-19 em Guia Lopes.O apelo feito pelo prefeito Jair Scapini (PSDB), de Guia Lopes da Laguna Foto: Reprodução
"O que está acontecendo em Guia Lopes é que o tereré está trazendo toda essa pandemia para nós", disse o prefeito do município, Jair Scapini (PSDB), em uma live no Facebook. Em suas redes sociais, o prefeito tem publicado postagens nas quais pede para as pessoas não beberem o tereré.
O secretário de Saúde de Guia Lopes, Marcelo Gonçalves, afirmou na mesma live que os primeiros casos no município ocorreram em um frigorífico local. Mas a investigação feita pelas autoridades de saúde apontou o compartilhamento de cuias de tereré como a causa da propagação do vírus.
"Na investigação que fizemos, a maioria dos funcionários que se contaminaram foi através do tereré. Eles tomaram com alguém que estava com o vírus. Então a recomendação minha, e do Ministério da Saúde, é que você não utilize o tereré com outras pessoas. Claro que isso é um hábito cultural nosso, então você cuide do seu tereré. Não divida com outras pessoas nesse momento, porque ele está sendo a fonte de contaminação de outras pessoas”, disse o secretário.
Para conter o coronavírus, a Prefeitura de Guia Lopes publicou um decreto que restringe a circulação de pessoas a determinados dias da semana, conforme o mês de nascimento delas, o fechamento da rodoviária e o estacionamento de carros em áreas de lazer ou de comércio não essencial. Não há qualquer referência ao tereré no documento.
Dono de um ervateria em Guia Lopes, o comerciante André Aparecido Barbosa teve de manter a sua loja fechada por 10 dias. O estabelecimento especializado em erva mate e cuias de tereré voltou a funcionar nesta segunda-feira (18), mas com restrições.
"Passei dez dias com o comércio fechado e agora as vendas são feitas só pela grade, com o vendedor de dentro da loja. Vamos ver como vai ser, parece que as pessoas realmente reduziram o consumo de tereré após o aumento de casos de coronavírus", afirmou o microepresário.
A aposentada Diva Aparecida Costa e Silva, de 68 anos, moradora de Brasilândia: tereré é tradição no município Foto: Divulgação
Em Brasilândia, a doença se espalhou após um adolescente de 18 anos diagnosticado com Covid-19 ter furado a quarentena e ido para uma festa de família, no dia 1º de maio. Na ocasião, as pessoas fizeram uma roda de tereré. O resultado foi a morte da avó e um tio do jovem, ambos infectados pelo coronavírus.
"Dos 15 casos confirmados que temos, 13 são dessa mesma família ou de pessoas ligadas a elas, como colegas de trabalho que tiveram contato. Esse rapaz também fez rodas de tereré com amigos na cidade. Uns dias depois começamos a receber adolescentes desesperados porque participaram dessas roda", afirmou a secretária de Saúde de Brasilândia, Adeliza Maria Santos Abrami.
Ainda assim, acrescenta a secretária, as pessoas continuam a fazer rodas de tereré pela cidade. Abrami relata que as denúncias são constantes, ë que equipes de segurança pública e da vigilância sanitária são enviadas aos locais de uso mas os moradores insistem em manter o hábito. A recomendação é de que a cuia não seja compartilhada nem mesmo em casa, entre a família.Homens usam máscara ao caminhar pelas ruas de Bonito: cidade registra 14 casos de coronavírus Foto: Divulgação
Com 14 casos de Covid-19 confirmados e nenhum morto, a Prefeitura de Bonito proibiu as rodas de tereré no município. O decreto entrou em vigor na última segunda-feira (11) e prevê multa de R$ 10 mil para quem insistir em formar se juntar para consumir a bebida.
"O tereré é uma maneira das pessoas se agruparem. É uma bomba que passa de mão em mão e não resta dúvida que esse é um caminho certo para propagação do vírus. Eu acho que a situação em Bonito está sob controle. A proibição é para prevenir qualquer avanço da doença", disse o prefeito de Bonito, Odilson Arruda Soares (PSDB).
Amambai tem quatro contaminadas pelo coronavírus e a Prefeitura decretou a proibição do consumo do tereré de forma coletiva no dia 11 de maio. Quatro dias depois, foi a vez da proibição ser decretada em Laguna Carapã e Juti, ambos sem casos confirmados de Covid-19.
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