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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

do mundo para o umbigo - O ADVOGADO OSTENTAÇÃO


A vida, a obra e todos os luxos de Nelson Wilians

Thais Bilenky | Edição 191, Agosto 2022



– Eu não roubei, não preciso ter vergonha – começa Nelson Wilians, o advogado de 51 anos, quando responde aos que criticam sua inclinação ao exibicionismo.

– Falam que eu ostento? Eu não mostro nada que não seja meu – afirma, e sai enumerando:

– O avião? É meu. O helicóptero? É meu. Os carros são meus, a mulher é minha, os filhos são meus. A casa é minha.

E que casa. São 2 mil m² de área construída, com dezesseis quartos e uma adega subterrânea com 4,6 mil rótulos. Erguida em 1951, no estilo château francês, tem um pé-direito imenso e piso de mármore. Nas paredes, distribuem-se telas de Picasso, Portinari e Di Cavalcanti. Na decoração, há uma peça de Brecheret, cômodas que o dono garante terem pertencido a Napoleão – e esculturas de Bia Doria, a mulher do ex-governador paulista João Doria, que tentou ser o candidato tucano ao Palácio do Planalto. Na garagem, entre os 21 veículos da família, há três Bentleys e um Rolls-Royce. A mansão – cuidada por quinze empregados, uma governanta e oito seguranças, todos de terno preto – fica encravada num terreno de 4 mil m² no luxuoso bairro do Jardim Europa, em São Paulo.

Tudo ali é feito para impressionar durante as recepções frequentes – e uma ou outra festa de arromba – que Anne, sua mulher há sete anos, conduz com destreza. Uma das festas aconteceu em 2018, para celebrar a vitória de Doria na eleição para o governo de São Paulo. Custou 1 milhão de reais. Teve uísque Blue Label, champanhe Veuve Clicquot, arroz de pato e decoração com orquídeas híbridas intergenéticas, como a Odontocidium catatante. Na ocasião, Wilians celebrava também a fama que adquirira um ano antes, quando o jornal Valor Econômico revelou que o advogado emprestava seu avião – um Legacy 650, fabricado pela Embraer – para que o amigo Doria, então prefeito da capital paulista, viajasse inclusive a trabalho.

João e Nelsão, como eles se tratam, não negaram o empréstimo, e o prefeito se esquivou de acusações de improbidade administrativa e conflito de interesse, pois Wilians defendia clientes que processavam a prefeitura na Justiça. O que Wilians levava em troca do empréstimo? “Prestígio”, respondeu ele, prontamente, numa tarde de abril passado, quando recebeu a piauí em sua casa, sentado no sofá de uma das salas de visita da mansão, aromatizada e com música ambiente. Pois dois meses depois da posse de Doria no governo paulista, Wilians conseguiu renovar o contrato que tinha com a CDHU, a estatal paulista que constrói moradias populares. Entraram 43 milhões de reais.

“Você há de convir”, justificou. “Hoje não, hoje não podemos mais dizer isso, mas antigamente o João tinha um prestígio no meio empresarial que não tinha nada igual. Ele punha o PIB aqui dentro.” Não era só o PIB que interessava, tanto que Bia Doria já sentou diversas vezes numa das catorze poltronas de couro da aeronave para viagens particulares, sempre que o jatinho do casal Doria estava em manutenção. (Em 2020, os Doria venderam o jato.) “Vou falar ‘não’ para a primeira-dama? Óbvio que não”, diz Wilians, aos risos. Ele diz tanto “sim” que já perdeu a conta de quantas peças comprou de Bia, artista plástica conhecida por seu estilo muitíssimo similar ao de Frans Krajcberg, de quem foi aluna. “Adoro”, diz ele. “Recebo muita gente aqui, qual presente eu gosto de dar? Bia Doria. Gringo adora.”

Wilians também adora clientes famosos. Defende os Doria em diversas ações judiciais. Na mais ruidosa delas, o ex-governador foi acusado pelo Ministério Público de se apropriar de uma viela pública em Campos do Jordão, o badalado retiro de inverno dos paulistas. Wilians perdeu. Trabalhou como consultor para a Prevent Senior, a seguradora de saúde voltada para o público idoso, que foi flagrada receitando remédios ineficazes para pacientes com Covid. Wilians também é frequentador dos sites de fofoca porque faz a defesa de Rose Miriam di Matteo, a mãe dos três filhos de Gugu Liberato, morto em 2019. Ela pede parte da herança do apresentador.

Sua clientela célebre ajudou a transformar seu escritório numa potência, que faturou 450 milhões de reais no ano passado, segundo informa o “CEO” (como Wilians intitula a si próprio). São 450 mil ações nos tribunais brasileiros (a maioria trabalhista e de recuperação de créditos), 20 mil clientes, 1,5 mil advogados e pelo menos uma filial em cada estado brasileiro, além de sete fora do país: Chile, China, Colômbia, Índia, Paraguai, Peru e Portugal. Em seu escritório, num prédio comercial de alto padrão em São Paulo, exibe miniaturas de seus luxuosos meios de transporte: o Legacy 650, o helicóptero Agust 109 Power, duas lanchas vintage da italiana Riva e um iate Azimut 76, batizado de Anne, em homenagem à sua mulher. Também tem duas garrafas de vinho Petrus Pomerol, uma cachaça Weber Haus e um busto de Napoleão.

Entre pessoas jurídicas, Wilians defende gigantes do varejo, como a Havan e a Riachuelo, multinacionais como AB InBev, do setor de bebidas, e grandes bancos, como Bradesco e o Banco do Brasil. Ele não diz qual o processo que mais lhe rendeu dinheiro. Apesar do sucesso, seu escritório acumula 76 milhões de reais em dívidas tributárias e previdenciárias com a União, segundo informa a Fazenda Nacional. “Fizemos acordo e parcelamos. Estão sendo pagos”, respondeu. “A Nelson Wilians Advogados e demais empresas pretendem faturar 1 bilhão de reais em 2022. Nossa legislação tributária é complexa e muitas vezes geram discussões se isso ou aquilo é devido ou não.” Em seguida, arrematou: “Não existe no país empresa grande que não tenha débito tributário.” (O Mattos Filho, único entre os grandes escritórios brasileiros que divulga sua receita bruta, informou que faturou em 2021 um valor superior ao almejado por Wilians: 1,2 bilhão de reais.)

O “CEO” desse império tem 1,89 metro de altura, pesa 93 kg (depois de perder 32 kg ao abdicar do arroz, do suco de laranja e do Yakult, suas tentações) e anda sempre na estica, sob orientação do amigo Roberto Justus, o apresentador de tevê, que lhe faz as vezes de personal stylist. Os ternos do advogado são Alexander Wang, as gravatas são Stefano Ricci e os sapatos são Ferragamo. No pulso, carrega um Parmigiani Bugatti, cujo preço ele revela antes que alguém pergunte: 230 mil dólares – nada muito além do custo de uma festa de arromba.

A advocacia tradicional torce o nariz para Nelson Wilians e diz que sua ascensão se deve à adoção de práticas desleais – como a de reduzir seu preço para roubar clientes, uma abordagem repudiada pelas bancas de advogados. Ele se defende. “Nunca confundir Nelson com advogado de massa, que não é a minha praia. É uma expressão chula que o mercado usa. 
Somos full service. O que é o full service? É a famosa frase: Dá-me o contrato que te dou a execução.” Traduzindo: se não tem equipe especializada no assunto de interesse do cliente, Wilians vai ao mercado, contrata os especialistas e ganha o negócio. Quando Doria contou que concorreria à Prefeitura de São Paulo em 2016, Wilians disse que faria a assessoria jurídica da campanha. Não tinha nenhum advogado eleitoral no escritório. Contratou Anderson Pomini, que assumiu a tarefa e, com a vitória de Doria, acabou sendo indicado para ser secretário de Negócios Jurídicos da prefeitura.

Assim que concluiu a explicação sobre seu método de trabalho para a piauí, Wilians fez uma concessão aos críticos e admitiu que sua atuação não é exatamente ortodoxa. “Eu falo que a minha especialidade é contratos. As pessoas perguntam se eu os redijo. Não, eu fecho contratos”, diz, dando uma de suas gargalhadas barulhentas. “Eu uso muito essa expressão: Se há uma virtude do Nelson é o faro para o negócio. Sou um advogado empreendedor, não um empreendedor advogado”, garante, preparando o terreno para soltar a frase triunfal:

– Minha especialidade é ser o líder do maior escritório do Brasil.

O líder do maior escritório também já causou dor de cabeça para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em agosto de 2021, a entidade foi acionada por advogados indignados com o uso despudorado de publicidade por parte do escritório de Wilians. A ira foi provocada por anúncios de página inteira na capa dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, nos quais aparecia a imagem de Wilians e a logomarca do escritório. Também publicou, em página inteira do Estadão, tiras desenhadas pela cartunista Laerte contando a história da advocacia – e, ao lado, um QR Code que levava ao site institucional. “O Código de Ética e Disciplina estabelece que a publicidade profissional do advogado deve, acima de tudo, primar pela discrição e sobriedade, não podendo, de forma alguma, ter caráter mercantilista ou induzir à captação de clientela”, afirmou Carlos Kauffmann, presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da oab paulista, ao notificar Wilians. “Não é o que se vislumbra, com o devido respeito, com as imagens divulgadas.”

No ano passado, o escritório de Wilians investiu 3 milhões de reais em marketing. Ao ser informado dessa cifra, um medalhão da área criminal espantou-se e não se segurou: “Caralho”, disse, em voz baixa. Os grandes escritórios de advocacia não gostam de informar quanto gastam com propaganda – dois deles, que figuram entre os maiores do país, consultados pela piauí, não quiseram informar os valores nem mesmo diante do benefício do anonimato –, mas a publicidade que fazem geralmente é de caráter mais institucional e corporativo, adotando a sobriedade que os mandamentos éticos exigem.

Um dos garotos-propaganda de Wilians é o veterano Ives Gandra Martins, 87 anos, que aparece num vídeo institucional exibido nas redes sociais e nas salas de espera do escritório do advogado. No vídeo, Gandra Martins afirma: “Este velho advogado fica muito feliz de ver um jovem como Nelson fazer o que ele está fazendo pela advocacia no Brasil e pelo Brasil.” Feliz e recompensado. Martins já ganhou algumas centenas de milhares de reais – ele não revela o valor – fazendo pareceres jurídicos encomendados por Wilians. Em conversa com a piauí em seu escritório nos Jardins, ele reforçou sua admiração pelo advogado. Aliado de Bolsonaro, Martins acha que as grandes ameaças à democracia brasileira vêm do Supremo Tribunal Federal, e não do presidente. Martins pode ter perdido o foco da realidade, mas manteve o humor afiado. Quando a piauí pediu para gravar a entrevista, ele assentiu, sorriu e afirmou: “O máximo que você pode me causar é um pedido de prisão do Alexandre de Moraes.”

O marketing do escritório de Wilians tem uma estratégia diversificada. Ele costuma recorrer aos serviços do Estúdio Folha, uma divisão do jornal Folha de S.Paulo que produz e publica conteúdo patrocinado, devidamente identificado para que o leitor não confunda com matéria jornalística. O conteúdo patrocinado por Wilians é composto por artigos de opinião, quase sempre acompanhados de fotos do advogado. O escritório também patrocina eventos, como o Fórum Empresarial Lide de 2019, realizado em Campos do Jordão, com a presença do ministro Paulo Guedes, e gasta com engajamento em rede social, sobretudo no Instagram. Em 2018, como patrocinador da revista Forbes, da qual é advogado e colunista, ajudou a bancar a festa oferecida pela publicação em Nova York. Sua contribuição? “Um valorzinho puxado, quase 1 milhão de reais”, disse. A festa fez uma homenagem ao ex-juiz Sergio Moro, que recebera o título de “Homem do Ano”, concedido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.

Naquele tempo, acercar-se de Moro era sinônimo de prestígio – e dinheiro. Tanto que Wilians promoveu algumas homenagens para o casal Moro e associou-se em Curitiba com uma advogada, Sandra Comodaro, que era “amicíssima” de Rosângela, a mulher do ex-juiz. Numa ocasião, ele dividiu uma mesa de jantar com Moro. Ele conta: “Eu sou muito informal. Veja bem, a pessoa que está na minha frente não é o doutor Moro, é o Sergio. Então, a minha conversa começou com uma zoação do time dele, que tinha perdido para o Corinthians. Meu sócio era corintiano, arrancou o couro dele, começou o bate-boca, ele falando que ia dar voz de prisão para o cara. Eu falei ‘prende nada’, aquela brincadeira, aquele clima descontraído.”

Estar perto do poder é parte do business. No Amapá, Wilians foi levado por seu sócio local até a casa do senador Davi Alcolumbre (União-AP), quando ele ainda presidia o Senado. “Qualquer um desses advogados de São Paulo e Rio iriam a Brasília. Já eu era recebido pelo Davizinho, seu apelido de infância, de bermuda e camiseta, em Macapá”, gabou-se. Em outra ocasião, em São Luís, seu sócio no estado ofereceu-se para apresentá-lo ao ex-presidente José Sarney. “Ele mostrou para mim uma menina ali, uma advogada trabalhando na nossa filial, que era afilhada do Sarney. Ela passou a mão no telefone e lá estava eu dentro da casa do Sarney, tomando um café. Um príncipe. Cheio de obras de arte sacra, casa chique, uma simpatia! Depois o encontrei várias vezes, a coisa sempre fluía. Existe algo mais íntimo do que receber alguém em casa?”

O fundamental é que intimidade abre portas. Wilians dá um exemplo, evitando os nomes para não violar o sigilo na comunicação com seus clientes. Há alguns anos, uma empresa foi punida por um órgão de controle com multa e proibição de fazer contratos com o poder público por dois anos. O cliente aceitava pagar a multa, mas queria continuar prestando serviços para o setor público. “Ligo para um senador. Ele estava em Londres. Atendeu ofegante, perguntei: ‘O que aconteceu? Tá transando?’ Ele deu risada. Falou, ‘não, tô na esteira, bufando’. Expliquei o caso. Em meia hora, o senador me retornou. Seguinte: ‘O governador não pode te receber amanhã, pode te receber na segunda-feira.’ Peguei o avião e às nove da manhã da segunda-feira o governador me recebeu. Um típico coronel. Gosto muito porque é gente destravada, que resolve. O pessoal do Sul é muito metido, muita firula para pouca autoridade.” Resultado: o cliente pagou a multa e reverteu a proibição de assinar contratos públicos. “Não me tenha por soberbo”, diz. “A soberba é a visão equivocada de si próprio e da realidade.”

Wilians dá a receita: “Todas as vezes que visito um estado, sou recebido pelo governador, o prefeito, o presidente da Câmara, o presidente da Assembleia e o presidente do Tribunal de Justiça. Ter um bom relacionamento, se não ajuda, não atrapalha.” Mas às vezes parece que ajuda e muito. Ele se considera amigo do ex-presidente Michel Temer, a quem chama de “professor” porque foi seu aluno em um curso em Bauru, no interior paulista, décadas atrás. Temer frequenta as recepções em sua mansão no Jardim Europa. Em 2016, por pouco não conseguiu um contrato de 23 milhões de reais com a Codesp, a administradora do Porto de Santos hoje chamada Santos Port Authority, que estava sob influência do MDB de Temer desde os anos 1990. “Ele me trata com uma reverência até exagerada”, disse Temer à piauí, numa conversa em seu escritório no Itaim Bibi, em São Paulo. “Ele elogia meus livros de poemas. Ele é fã. Exatamente isso. Nos meus aniversários, manda telegrama.” Telegrama em pleno século XXI? Temer ri e se corrige: “É que eu ainda mando cartas.”

Numa coisa, de fato, o ex-presidente tem razão: Wilians é fã de seus poemas. Gosta muito de Assintonia, cujos versos dizem assim:

Falta-me tristeza.

Instrumento mobilizador

Dos meus escritos.

Não há tragédia

À vista.

Nem lembranças

De tragédias passadas.

Nem dores no presente.

Lamentavelmente

Tudo anda bem.

Por isso

Andam mal

Os meus escritos.


Wilians ama citações. Em dezembro passado, durante uma conversa de duas horas em seu escritório, com vista para a Ponte Estaiada na Marginal Pinheiros, fez duas dezenas de citações – Montesquieu, Maquiavel, José de Alencar, Tom Jobim –, e citou até a própria mãe, Benedita Antonia. Ou assim pareceu: no final da conversa, ele admitiu, às gargalhadas, que inventou a frase de sua mãe: “Não importa onde um homem nasce nem como ele vive, importa como ele termina a vida.” Ela nunca disse isso, mas atribuir à mãe, segundo Wilians, dá mais efeito. Seu bordão favorito é aquele: “Dá-me o contrato que te dou a execução.” Diz que se inspirou em Arquimedes. “Ele não falou ‘me dê uma alavanca e eu movo o mundo’? Então, eu adapto.”

Adapta-se a tudo. Wilians fez campanha com fervor pelo impeachment de Dilma Rousseff, emprestando seu jatinho para quem estivesse empenhado em algum ato contra a petista. Deu carona para Alexandre Frota, que ainda não era deputado e queria ir a Brasília para fazer um protesto contra Dilma na Esplanada dos Ministérios. Debaixo do braço, Frota carregava um pedido de impeachment elaborado pelo escritório de Wilians. Ele diz que a peça foi obra de sua sócia, Maristela Basso. Hoje, sem o “professor” Temer no horizonte, adaptou-se novamente: confessa que o impeachment foi um erro. Basta ver “o estrago” que causou ao país. Diz ele: “Quando se ataca a Presidência, desmorona o sistema num efeito dominó.”

Sua conclusão não tem nada a ver com as pesquisas, que mostram Lula na liderança da corrida presidencial, mas Wilians gosta de lembrar que já teve contato com o petista. Foi em 2002, em Bauru, onde tinha um modesto escritório, no início da carreira. Um vereador petista pediu que Wilians patrocinasse a visita de Lula à cidade, pouco antes do começo da campanha presidencial daquele ano. Wilians aceitou. “Eu tinha um cartão de visitas preto, tinha um brasão do escritório. Entrego pro Lula. Ele comentou: ‘Cartão bonito, hein, doutor? No dia em que eu for presidente da República, vou ter um igual a esse.’” Depois da vitória, Wilians mandou entregar um cartão com o mesmo acabamento no Palácio do Planalto. Mas só recebeu um agradecimento protocolar meses depois.

Wilians diz que se empenhou para aprender os códigos da política, sobretudo depois de ter sido chamado de “politicamente ingênuo” pelo ex-deputado federal Indio da Costa, candidato a vice-presidente na chapa do tucano José Serra em 2010. Na época, Wilians escolheu como seu orientador um político do Paraná, seu estado natal. Era Ricardo Barros, deputado pelo PP e líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara. “Em terra, ele não larga o telefone, mas durante um voo o sinal não pega”, diz Wilians, que então pediu conselhos para Barros durante as caronas que oferecia em seu jatinho. Barros é um político de poucas palavras, poucos amigos e muitas suspeitas. É réu em um processo por recebimento de propina e suspeito de envolvimento no escândalo da Covaxin, a vacina da Índia que o governo queria trazer para o Brasil.

Nascido em uma família pobre de Cianorte, no interior do Paraná, Nelson Wilians Fratoni Rodrigues não pode nem ouvir falar de roça. No dia em que conversou com a Piauí, ele almoçara em Brasília com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, do MDB. Contou que o papo foi bom, mas azedou quando Rocha começou a lhe contar sobre seu gosto pelo campo. Wilians mudou de humor. Detesta o assunto. “A minha origem é muito ruim. Meus pais são muito ignorantes. Eles falam um dialeto, têm o segundo ano primário. Quando xinga alguém, meu pai não fala ‘desgraçado’, ele diz ‘desgracido’”, conta. “Vivi uma vida desgraçada de restrições de todos os tipos, ganhava salário de auxiliar de escritório, trabalhava de dia, fazia bico de tudo que aparecia e ainda estudava à noite.”

Para ascender, Wilians agiu com agressividade. Primeiro, encurtou o nome para “Nelson Wilians” para não ser confundido com o escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues. Em 1990, deixou a roça e, dois anos depois, mudou-se para Bauru. Empregou-se no departamento de recursos humanos da Santa Casa de Misericórdia de Jaú, nos arredores de Bauru, e, à noite e nos fins de semana, dava duro num posto de gasolina. Conseguiu formar-se em direito pela Instituição Toledo de Ensino. Em 1999, montou um escritório com um sócio, com o qual rompeu cinco anos depois. Conta que, no fim da sociedade, não pôde nem pegar as fotos que tirara com o então futuro presidente Lula. Começou, “com a roupa do corpo”, como ele diz, uma carreira solo. Seu ex-sócio, Adirson de Oliveira, conta que não foi bem assim. “Não é verdade. Eu jamais o impediria de entrar”, rebate Oliveira. “Algumas coisas aconteceram que não eram necessárias, uma coisa pessoal, já passou. Não guardo rancor. Se ele realmente quiser a foto com o Lula, eu tenho aqui. Posso enviar,”, encerrou, aos risos.

Em menos de um ano, Wilians, com escritório instalado na capital paulista, abriu “filiais” no Paraná, no Rio de Janeiro e no Ceará – as tais filiais consistiam em um advogado local e uma salinha num espaço de trabalho compartilhado. O pulo do gato viria em 2006. Um dia, sentado em sua mesa de trabalho em São Paulo, folheava uma revista corporativa dirigida a agentes da Polícia Federal, quando viu uma notícia jurídica: numa ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), policiais federais tinham conseguido isenção no pagamento do INSS sobre os primeiros quinze dias de afastamento por doença ou acidente de trabalho. O STJ entendeu que os policiais não estavam à disposição do serviço e, portanto, não deveriam arcar com o ônus do pagamento ao INSS.

Wilians conta que teve uma ideia: “Um empregado de férias está à disposição do empregador? Não. A empresa não paga 20% de INSS sobre as férias? Paga. E a empregada afastada por licença-maternidade, a empresa paga? Paga. E auxílio-doença e auxílio-acidente? Também. Chamei um advogado nosso e falei: ‘Faça uma tese.’ Passou três dias, ele me entrega um mandado de segurança. Impecável. Agora precisamos de clientes.” Queria clientes interessados na tese de que o empregador devia estar isento de pagar o INSS de um empregado que não estivesse à sua disposição – em férias ou em licença. Acionou sócios para cutucar os departamentos jurídicos do Grupo Abril, do Pão de Açúcar e da TAM (hoje Latam), que, segundo Wilians, concordaram em entrar na Justiça. Alguns processos foram frutíferos, outros não. No fim, o STJ derrubou a tese, mas até que isso acontecesse o escritório de Wilians recebeu alguns milhões de reais em honorários advocatícios.

Em 2008, o Banco do Brasil abriu concorrência para a maior terceirização de serviço jurídico do país, da qual só poderiam participar escritórios que atuassem em todas as áreas e tivessem representação em todas as capitais do país. Sem a capilaridade e o tamanho exigidos pelo edital, o escritório de Wilians não tinha como participar da concorrência. Mas aquilo lhe valeu como “um verdadeiro manual de como deveria ser a Nelson Wilians”. Era uma bússola. “Naquela época, eu estava, confesso a você, meio desorientado, não tinha uma visão de futuro.” Com o edital em mente, concluiu que não existia “o maior escritório de advocacia do Brasil”, pelo menos não nesses termos. E resolveu que o título seria dele.

Começou abrindo filiais, contratando advogados e ampliando o leque de atuação. Seis anos depois, em 2014, quando o Banco do Brasil abriu nova concorrência, a Nelson Wilians Advogados estava habilitada para disputar. A licitação valia 1 bilhão de reais. O vencedor teria de cuidar de 230 mil ações em diversas áreas, com potencial de passar de 1 milhão. Wilians ficou em primeiro lugar – e virou alvo. Concorrentes acusaram seu escritório de contratar advogados-fantasmas só para atingir o número mínimo exigido pelo edital, enquanto os advogados de verdade ganhavam salários inferiores ao mínimo. O caso chegou à polícia e ao Tribunal de Contas da União, mas no fim, dois anos depois, Wilians venceu em quase todos os pontos e levou a licitação.

Quase que numa tacada só, seu escritório ficou gigante – mas o prestígio nunca chegou na mesma proporção. O criminalista Alberto Zacharias Toron, um dos mais renomados advogados do país, é considerado por Wilians um amigo, porque fazem parte de uma mesma confraria, que se reúne com alguma periodicidade na mansão do Jardim Europa com o cardápio conhecido – vinhos caros, charutos e mesa farta. Para Toron, a confraria, à qual ele mesmo só compareceu uma única vez, na verdade não passa de um grupo de WhatsApp. “Eu o conheci anos atrás quando era um advogado do interior e o reencontrei mais recentemente como um grande advogado, o que muito me surpreendeu”, diz Toron.

Na tarde de abril em que a Piauí estava no casarão do Jardim Europa, o filho mais velho de Wilians, Ben, de 3 anos, disputava a atenção do pai com a reportagem. Vestido de calça social e camisa, o menino se aproximava, pegava biscoitos que acompanhavam o café dos adultos e saía correndo. Dali a alguns minutos, repetia a ousadia, sempre passando pelo pai para oferecer um pedaço – que Wilians recusava sem tirar os olhos da interlocutora. Comeu todos os biscoitos até que Anne, a mãe, com a filha caçula no colo, Athina, apareceu na sala. “O danado falou que comeu tudo que era doce que tinha aqui e que não vai jantar”, disse. Wilians se constrangeu. Falando baixinho, avisou que estava sendo gravado. Anne pôs a mão na boca, pediu desculpas e saiu.

Wilians tem três filhas do primeiro casamento, com as quais praticamente não tem mais contato. No ano passado, teve que pagar à ex-mulher, segundo ele, cerca de 1,6 milhão de reais em pensões que estavam em atraso. Em 2014, ele conheceu Anne, que trabalhava na área institucional de seu escritório. Estão juntos desde então. O casal tem três filhos: além de Ben e Athina, são pais de Adam, o filho do meio. Como diz Wilians, é tudo dele – a mulher, os filhos, o café, os biscoitos –, mas o casarão, pelo menos até agora, ainda não.

Ele negociou a propriedade com o ex-senador Gilberto Miranda, do Amazonas, de “porteira fechada”, ou seja, com móveis, obras de arte, artigos de decoração, tudo. (Wilians conta que depois devolveu quase tudo, a pedido de Anne.) A transação, porém, é tão tortuosa que a escritura da casa, em vez de estar em seu nome, ainda consta como propriedade de uma empresa do ex-senador Miranda. Wilians se nega a explicar os meandros da negociação e encerra o assunto com uma afirmação: “Esta casa, em algum momento, será minha.” E completa: “Estou comprando toda a vizinhança.” Em Angra dos Reis (RJ), gostou de uma casa numa ilha, deu um sinal e testou a residência durante alguns meses. Se não gostasse, descontaria do sinal como se fosse um aluguel. Se gostasse, pagaria o restante, como diz ter feito. Mantém três barcos na casa da ilha. No caso do casarão em São Paulo, ele conta que fez diferente – mas não explica como. E o que inspirou Wilians para ter um escritório gigante, uma casa gigante?

– Quero sentar na janelinha para ver o circo. Quero estar no fervo.
Thais Bilenky

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