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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Verissimo comenta o poder de uma mera suposição, Deus




Verissimo se referiu à Igreja Católica
como uma "empresa multinacional" 

O escritor Luis Fernando Verissimo (foto), 76, se mostrou admirado com o poder da uma mera suposição, a da existência de um deus, que tem desafiado até agora todos os desafios da razão.

Como exemplo da resistência dessa suposição, ele citou uma “empresa multinacional”— a Igreja Católica — que persiste há mais de 2.000 anos.

“A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas”, disse Verissimo em crônica publicada na semana passada no jornal O Globo. 

Em 2012, Verissimo ficou internado 24 dias, metade deles na UTI, com infecção generalizada. Depois, em uma entrevista, o escritor disse que a "morte é uma sacanagem, sou contra"

Segue a íntegra da crônica onde ele fala sobre as consequências da suposição da existência de um ente divino.


Deus hipotético

Um religioso dirá que não faltam provas da existência de Deus e da sua influência em nossas vidas. Quem não tem a mesma convicção não pode deixar de se admirar com o poder do que é, afinal, apenas uma suposição.

A hipótese de que haja um Deus que criou o mundo e ouve as nossas preces tem sobrevivido a todos os desafios da razão, independentemente de provas.

Agora mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às voltas com a sucessão no comando do seu vasto e rico império, e o admirável é que tudo — o império, a riqueza e o fascínio dos rituais e das intrigas da Igreja de Roma — seja baseado, há 2000 anos, em nada mais do que uma suposição.

Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas têm causado o mesmo dano, em nome da hipótese.

Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e intolerante para a sobrevivência de Israel.

O fundamentalismo cristão, que representa o que há de mais retrógrado e assustador no reacionarismo americano, e as religiões neopentecostais que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração da crendice.

A Igreja Católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos, contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas.

Há aquela parábola do Dostoievski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo, que volta à Terra — o filho da hipótese tornado homem — para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo.

Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios do poder.

Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje, deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.

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