Direito Civil Atual
Os
conflitos envolvendo contratos imobiliários se intensificaram, na
última década, quando se verificou o incremento da construção civil,
engendrando elevada quantidade de lides perante o aparato jurisdicional.
Em 27 de dezembro de 2018, o governo federal sancionou a Lei 13.786,
sendo disciplinadas regras atinentes aos negócios jurídicos que envolvem
imóveis, devendo a população brasileira ficar atenta às novas regras,
para que não se surpreenda com o teor do conjunto normativo. As Leis
Federais 4.591/64[1] e 6.766/79[2],
que versam, respectivamente, acerca da incorporação imobiliária e o
parcelamento do solo urbano, foram alteradas pelo diploma em epígrafe.
As
inovações implementadas pela Lei 13.786 tratam do direito do adquirente
à informação sobre aspectos essenciais da contratação; a admissão da
comissão de corretagem e da cláusula de tolerância; o direito de
arrependimento; o distrato e a retenção de valores pagos. No que tange
ao primeiro aspecto, os contratos imobiliários deverão conter
quadro-resumo que contemple dados basilares atinentes à conotação
econômica do negócio entabulado; à qualificação do imóvel; aos limites
temporais; à extinção do vínculo; e às consequências destas ocorrências.
O
primeiro conjunto informacional concerne ao preço total a ser pago, a
forma de quitação, indicando-se, de modo claro, os valores e vencimentos
das parcelas com destaque para o montante de entrada à vista. O índice
da correção monetária aplicável e, quando houver pluralidade deste, o
período de aplicação de cada um, também são dados fundamentais, assim
como as taxas de juros eventualmente cominadas, especificando se mensais
ou anuais, nominais ou efetivas, e o sistema de amortização. Engloba
ainda a parte referente à corretagem, condições de pagamento e
identificação precisa de seu beneficiário.
O contratante possui
adrede o direito de ter conhecimento prévio sobre o número do registro
do memorial de incorporação, a matrícula e a identificação do cartório
competente[3].
Devem ser explicitadas as informações acerca dos ônus que recaiam sobre
o imóvel, em especial quando o vincule como garantia real do
financiamento destinado à construção[4].
O termo final para a obtenção do habite-se e os efeitos contratuais da
intempestividade devem ser comunicados ao adquirente, bem como o prazo
para a quitação das suas obrigações. O direito de arrependimento e as
consequências do desfazimento contratual suscitam informação precisa,
com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para a devolução
de valores ao adquirente. Identificada a ausência de quaisquer de
qualquer uma destas informações, no prazo de 30 dias, será possível o
aditamento do contrato, findo o qual, se não regularizado,
caracterizar-se-á justa causa para rescisão.
A cláusula de tolerância, constante na maioria dos contratos imobiliários, foi admita pelo legislador[5],
eis que, de acordo com o artigo 43-A, introduzido na Lei 4.591/64, a
entrega do bem em até 180 dias, corridos da data estipulada como
prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente
pactuada, de forma clara e destacada, “não dará causa à resolução do
contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer
penalidade pelo incorporador”. Ultrapassado aquele lapsus
temporal, poderá ser promovida a resolução do contrato pelo adquirente,
desde que não tenha dado causa ao atraso, sem prejuízo da devolução, em
até 60 dias corridos contados, da integralidade de todos os valores
pagos e da multa, com as correções devidas. Na hipótese de se estender
por prazo superior ao aludido, não se tratando de resolução do vínculo
jurídico, será devida ao adquirente adimplente indenização de 1% do
valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die,
atualizando-se conforme índice estipulado em contrato. No entanto, tal
montante, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese
alguma, poderá ser cumulado com a multa que trata da inexecução total da
obrigação.
Os contratos firmados em stands de venda, ou
fora do estabelecimento comercial, admitirão o direito de arrependimento
por parte do adquirente, que deverá ser exercido durante o prazo
“improrrogável de 7 dias, com a devolução de todos os valores
eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem”. Para a
sua formalização, exige-se que o adquirente encaminhe carta registrada,
com aviso de recebimento, considerado dia da postagem como data inicial
da contagem do prazo. No entanto, poderão as partes, em comum acordo,
definir condições diferenciadas das mencionadas, por meio de instrumento
específico de distrato, desde que não se caracterize abuso de direito
pelo fornecedor[6].
Os
efeitos jurídicos do desfazimento do contrato, mediante distrato ou
resolução por inadimplemento absoluto de obrigação por parte do
adquirente, foram arregimentados no que tange aos prazos e devolução de
valores, deduzida a integralidade da comissão de corretagem. Tratando-se
de imóvel submetido a patrimônio de afetação, a restituição deverá
ocorrer no prazo máximo de 30 dias após o habite-se, admitindo-se a
retenção de até o limite de 50%. Nas demais hipóteses, o pagamento será
realizado em parcela única, após o prazo de 180 dias, contado da data do
desfazimento do contrato, exceto se ocorrer a revenda da unidade,
quando, então, a restituição dar-se-á em 30 dias e a pena convencional
não excederá a 25% da quantia paga. Em face de parcelamentos, a retenção
será de até 10% e o prazo máximo para a restituição poderá ser 180 dias
ou 12 meses, se, respectivamente, as obras estiverem em andamento ou já
concluídas.
Dispôs o legislador que “não é necessário que o
incorporador alegue prejuízo”, previsão normativa que atende às pressões
exercidas pelo setor imobiliário em desfavor dos consumidores.
Assegurou-se que não incidirá a cláusula penal na hipótese de o
adquirente, encontrar comprador substituto que o sub-rogue nos direitos e
obrigações assumidos, com a anuência devida do incorporador.
Efetivando-se a resolução ou o distrato, o consumidor responde por 0,5%
sobre o montante atualizado do negócio de incorporação, ou 0,75%, para o
caso de parcelamento, pro rata die, correspondente à fruição
do bem; os impostos reais; as cotas de condomínio e contribuições
devidas a associações de moradores e demais encargos devidos.
Dentre
os direitos básicos dos consumidores, encontram-se a educação, o acesso
à informação e a prevenção e o combate às práticas abusivas. Torna-se,
assim, de imperiosa relevância que os Instrumentos da Política Nacional
de Consumo disseminem as inovações legais e que sejam os adquirentes
protegidos quanto às artimanhas de fornecedores que agem de modo
inescrupuloso no mercado imobiliário, aproveitando-se da vulnerabilidade
daqueles.
*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados
da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP,
Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona,
UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM)
[1]
Consultar: GOMES, Orlando. Contrato de Incorporação Imobiliária.
Revista dos Tribunais, v. 63, n. 461, São Paulo: RT, mar., 1974, p.
11-19. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínios e incorporações. 3. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1976. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos
contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
[2]
Discorrem sobre os contratos imobiliários: ZABAN, Breno; BESSA,
Leonardo Roscoe. Vulnerabilidade do consumidor: estudo empírico sobre a
capacidade de tomada de decisões financeiras por interessados na compra
de imóveis. Revista de Direito do Consumidor, v. 101, ano 24, São Paulo:
Revista dos Tribunais, set.-out., 2015, p. 209-237. PFEIFFER, Roberto
Augusto Castellanos. Imóveis em construção, direito do consumidor e
desenvolvimento. Revista de Direito do Consumidor, v. 105, ano 25. São
Paulo: Revista dos Tribunais, maio-jun. 2016, p. 81-101.
[3]
Examinar: DENIS, Frédéric. Sociétés de Constructions et Copropriété des
Immeubles Divisés par Appartements. Paris: Librairie du Journal des
Notaires et des Avocats, 1959.
[4] Cf.: OSSOLA, Federico; VALLESPINOS, Carlos Gustavo. La obligación de informar. Córdoba: Advocatus, 2001.
[5]
COSTA, Judith Martins; HAICAL, Gustavo. Parecer sobre Contrato de
Corretagem Imobiliária: elementos de existência, validade e eficácia.
Revista dos Tribunais, v. 966, ano 105. São Paulo: Revista dos
Tribunais, abr. 2016. p. 261-303.
[6]
Cf.: BRAUDY; LACANTINERIE, G.; TISSIER, Albert. Traité Théorique et
Pratique de Droit Civil. 4. ed. Paris: Sirey, 1924. ENNECCERUS, Ludwig;
KIPP, Theodor; WOLF, Martin. Tratado de derecho civil. Bosch: Casa
Editorial, Barcelona. PLANIOL, Marcel; RIPERT, Georges. Droit Civil. t.
1. 12. ed. Paris, 1939. DE PAGE, Henri. Traité élémentaire de droit
civil belge. 2. ed. Bruxelas: Émile Buylant, 1948.
Joseane Suzart Lopes da Silva é
promotora de Justiça do Consumidor do MP-BA, professora adjunta da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Direito pela mesma
instituição.
Revista Consultor Jurídico, 14 de janeiro de 2019, 10h00
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