CARLOS TESCHAUER - História do Rio Grande do Sul nos primeiros séculos - L&PM Editores/P. Alegre-RS/2002, vol. 1, p. 142/143:
Como aos corpos iluminados os acompanha uma sombra, assim acompanharam a essas florescentes reduções as grandes provações, consistindo elas, ora em epidemias, como então se deu na região missioneira.
Parece que todas as seis reduções naquela hora existentes no Rio Grande do Sul foram atacadas por uma epidemia que não se pode determinar com exatidão. Uma descrição mais circunstanciada dela nos deu o padre Procel em carta ao seu provincial, extraindo dela o padre Boroa mais ou menos o que segue:
‘Eram acometidos os doentes de uma dor de cabeça tão violenta que os olhos se lhes injetavam e se lhes tolhia o uso da razão”.
diziam os próprios índios que os enfermos dessa epidemia eram como peixes em água, à qual se lançara erva tinguí. Tumores na garganta impediam neles qualquer alimentação e, ao se abrirem, exalavam um cheiro insuportável. Todo o corpo cobria-se de uma quase-lepra, coisa nunca vista naquelas terras. Padeciam as vítimas dela como que dores de cólicas cruciantes e com espanto geral criavam-se em seus intestinos gusanos cobertos de pelos. As inchações e tumores no rosto, além de medonhas para a vista, torturavam os pacientes sem dó.
O contágio revelou-se tão ativo ou rápido que, ao cabo de oito dias, já não havia entre adultos e as crianças quem ainda gozasse de saúde. Deste modo, não ficou ao missionário nem sequer um moço que lhe aliviasse os trabalhos de enfermeiro duma aldeia inteira. As casas viam-se repletas de doentes, e não havia quem fosse buscar água ou lenha ou preparasse a comida, além do infatigável sacerdote. Espantava-se ele mesmo de ver como pudesse arcar com um peso tão descomunal de fadigas, e atribuía tal situação a um auxílio especial de Deus.
Apesar de morrerem diariamente na Redução de Caaró de seis a dez pessoas, cujo enterro ficava por inteiro a cargo do padre, não se ouviam na aldeia os lamentos fúnebres de seus costumes pagãos, outrora tão ruidosos. é que tanto lhes calara na alma a doutrina de que tais demonstrações de pesar nada aproveitavam aos finados, mas, sim, as orações por suas almas. E assim, cada vez que um deles morreria, os outros logo por ele se punham a rezar.
Ao todo, chegaram a morrer 852 pessoas, achando-se entre elas 352 crianças.
Preparavam-se os doentes com muito fervor para a morte, e alguns deles sararam logo depois de sacramentados ou ungidos.
Ofereceram-se para enfermeiros os membros da Congregação Mariana, que, com admiração e contentamento geral, sujeitaram-se a um serviço tão humilde e penoso.
Parece que ainda maior foi a mortandade da Redução de Candelária, nela morrendo cada dia de quinze a vinte pessoas. E, como a povoação passasse de cinco mil almas, todas elas cristãs, evidenciou-se ingente o trabalho padecido com essas, por haverem caído enfermas de uma só vez.
Durou a intensidade da peste por três meses, até a Festa de São Sebastião, a quem eles tomaram por protetor e intercessor seu. E desse dia em diante diminuiu em muito o número de enfermos, embora deste as ainda restassem duzentos.
Segue o historiador descrevendo as consequências da epidemia mencionada, dentre elas a informação de que à peste seguiu a fome, etc...
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