Boaventura de Sousa Santos afirmou em seu recente “A Cruel Pedagogia do Vírus” (Almedina, Coimbra, 2020): “A atual pandemia não é uma situação de crise claramente contraposta a uma situação de normalidade. Desde a década de 1980 – à medida que o neoliberalismo se foi impondo como versão dominante do capitalismo e este se sujeitando mais e mais à lógica do setor financeiro -, o mundo tem vivido em permanente estado de crise. Uma situação duplamente anômala. Por um lado, a ideia de crise permanente é um oximoro, já que, no sentido etimológico, a crise é, por natureza, excepcional e passageira, e constitui a oportunidade para ser superada e dar origem a um melhor estado de coisas. Por outro lado, quando a crise é passageira, ela deve ser explicada por fatores que a provocam. Mas quando se torna permanente, a crise transforma-se na causa que explica tudo o resto”.
Assim foram as crises para o empoderamento e para consolidação da banca (sistema financeiro); primeiro aquelas que conhecemos como as crises do petróleo, nos anos 1970/1980, e depois vieram as apontadas como desajustes financeiros ou falhas de gestão, para acelerar a concentração de renda e que as recordamos: Bolsa de Nova Iorque (1987), Bolha japonesa (1990), Sistema Monetário Europeu (1992), Horror de dezembro no México (1994), Gigantes asiáticos (1997), Finanças russas (1998), Crise do real no Brasil (1999), Bolha da Internet (2000) e Crise na Argentina (2001).
O século XXI pareceu receber a banca com estabilidade, mas era ingênuo e pouco perspicaz este entendimento sobre a concentração de renda e seu domínio do poder político. Nem será necessário tratar do poder psicossocial das finanças, iniciado com as campanhas preservacionistas e ambientais, na primeira metade do século XX, prosseguindo nas lutas identitárias e que dominaram, desde os anos 1980, disputas políticas, partidárias, de grupos e associações pelo mundo ocidental. A comunicação de massa, convencional e virtual, uníssona reproduzia os interesses da banca, falseava fatos, ações, agredia ou elevava reputações, tudo para que os interesses da banca e seus representantes aparentassem os mais dignos e sérios, tudo que podia ser feito.
Mas houve falta de dinheiro em 2008, conduzindo a mais uma crise (2008/2010) que, mesmo extrapolando os limites geográficos dos Estados Unidos da América (EUA), atingindo fortemente a Europa, ficou conhecida como a “crise do subprime”.
E novas enxurradas de recursos financeiros saíram dos tesouros nacionais para os bolsos privados da banca. Foi uma crise, na tipificação do professor Boaventura de Sousa Santos, logo um paradoxismo, a crise permanente.
Mas era impossível conviver com esta situação anômala. Pois não mais se tratava de ir colhendo recursos e poder com pretextos e locais diversificados, como a banca o fizera desde as desregulações até o início do novo milênio.
Pareço enunciar uma decisão do agente Moro, não tenho provas mas convicções. A pandemia do Covid 19 veio mesmo a calhar. Derrubou os preços de ativos, restringiu as produções, promoveu mais desemprego, montou todo cenário para outra nova e formidável concentração de renda, enquanto as pessoas estão se refugiando, se isolando, se desinformando ainda mais do que já lhes propiciavam os veículos de comunicação, para salvar a vida. Para cuidar da existência dos seus.
Fosse uma peça de teatro cujo ato final não cuidasse da destruição da espécie, era para aplaudir de pé. Magnífica montagem. Enredo astucioso.
Mas a pandemia já tem data marcada para sair do ar. Surgirá um entretenimento que galvanize corações e mentes. Leve-nos a esquecer das “gripes” na família e a infelicidade do vovô ou do recém-nascido bisneto.
Aos especuladores, no momento em que o Jornal da Globo tirar o corona vírus do noticiário, será o ponto de compra das ações e dos ativos de maior liquidez. A banca terá se desfeito dos papéis podres e recebido – dos programas do tipo: ajuda para reerguer a economia e manter empregos -, os bilhões de reais do tesouro nacional para seus cofres privados.
É o caso da Proposta de Emenda Constitucional nº 10 (PEC 10) que modifica o artigo 164 da Constituição e permite ao Banco Central do Brasil: “I – comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional; II – acolher depósitos voluntários, à vista ou a prazo, das instituições financeiras; III – realizar outras operações financeiras, inclusive com o uso de instrumentos derivativos”. Em português corrente, trazer os títulos podres, que oneram os bancos estrangeiros desde 2008, e os para trocar por dólares das reservas brasileiras ou por empréstimos do Brasil (leia-se dívidas) em instituições controladas pela banca.
E teremos mais uma crise para a história da banca e outro trabalho intelectual para o professor Boaventura de Sousa Santos.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.
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