A ofensiva finlandesa em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, resultou em um regime de ocupação brutal, com inúmeras violações da dignidade humana nos campos de concentração criados na Carélia, então União Soviética.
Na Rússia foram liberados muitos documentos da Grande Guerra pela Pátria (parte da Segunda Guerra Mundial, compreendida entre 22 de junho de 1941 e 9 de maio de 1945, e limitada às hostilidades entre a União Soviética e a Alemanha nazista e seus aliados), no âmbito do projeto "Sem Tempo de Prescrição", que trazem à luz a um capítulo menos conhecido da guerra, a ocupação por aliados dos nazistas, os finlandeses, da região de Carélia, no noroeste russo e da então União Soviética, conquistada em 1941.
"Até crianças de sete ou oito anos são colocadas em solitária porque, famintas e esfarrapadas, andam pela cidade e pedem pão [...] Quando três prisioneiros tentaram fugir [...] foram espancados até a morte [...]", relataram prisioneiros de um campo de concentração na região em 1942, segundo os documentos a que Sputnik teve acesso.
Os finlandeses impunham fome e condições de vida insuportáveis nos campos através de trabalho duro e constantes abusos, algo ainda lembrado por ex-prisioneiros dos campos finlandeses, que ainda estão vivos.
A peculiaridade do regime de ocupação finlandês dita uma abordagem única para a exposição de seus crimes de guerra, que é possível realizar com base em depoimentos em massa e detalhados de testemunhas e documentos que, entretanto, foram desclassificados.
Uma em cada quatro pessoas na Carélia durante os anos da Grande Guerra pela Pátria passou por campos de concentração finlandeses.
Ao contrário dos invasores alemães, os finlandeses não faziam fuzilamentos em massa, então seus crimes permaneceram à sombra das atrocidades do nazismo alemão por muitos anos, segundo os historiadores.
Os prisioneiros eram considerados "escravos sem quaisquer direitos", como se referiu o marechal Carl Gustav Mannerheim aos russos, carelianos, tártaros e outros residentes locais. Milhares de pessoas morreram devido a trabalhos forçados e fome.
"Ao contrário dos finlandeses, carelianos e vepes [povo fínico da região], todo homem russo foi ordenado a usar uma bandagem vermelha na manga esquerda. Ele e pessoas de outras nacionalidades, tártaros, georgianos e outros, recebem metade da comida", diz uma citação dos arquivos desclassificados.
Os finlandeses construíram 14 campos de concentração (seis deles em Petrozavodsk) na República Socialista Soviética Carelo-Finlandesa capturada durante 1941-1944.
Em abril de 1942, eles continham cerca de 24 mil pessoas, cerca de 30% da população. Eram principalmente eslavos, dos quais mais de 90% eram russos, bielorrussos e ucranianos. Segundo estimativas dos historiadores, cerca de 50.000 pessoas passaram pelos campos de concentração.
Médico mata paciente
"Foi introduzida a disciplina da vara no campo. Os prisioneiros são espancados com bengalas e bastões de borracha pelas menores violações do regime do campo", diz Egor Egorov, que escapou do local em maio de 1942.
"Britkin, que estava detido no campo, foi enviado junto com outros para coletar madeira na estação de Kutizhma, onde adoeceu e foi ao médico pedir ajuda. Em vez de ajudar, o médico espancou Britkin", diz a declaração de outro prisioneiro, o professor Pavel Yakimets.
"O doente foi enviado de volta para o campo de concentração, onde morreu uma semana depois. O referido médico espancou Ivan Ivanov até perder a consciência. Outro dos torturadores era o comandante do campo de concentração Nº 2 de Petrozavodsk, Valentin Mix e o atirador da guarda Pauli.
Cerca de um terço dos prisioneiros morreu de fome. Segundo a comunidade de especialistas carelianos, os finlandeses matavam pessoas sem usar armas, criando fome artificialmente e negando assistência médica.
Os carelianos, ingrianos (etnia finlandesa ou fino-úgrica), vepes, estonianos e mordovianos (nacionais da República da Mordóvia na Rússia, que fala uma língua urálica) eram considerados "povos aparentados". Os outros, na sua maioria russos, eram pessoas "não-nacionais".
"Os 'finlandeses brancos' [movimento finlandês antissoviético] reuniram mulheres com filhos pequenos, velhos e velhas e os colocaram em casas alocadas para a ocasião na periferia da cidade rodeadas de arame farpado. Eram casas da morte. Havia fome e tifo em todos os campos", lembra uma habitante de Petrozavodsk.
Punição pelo apoio
As pessoas acabavam nos campos por qualquer pretexto, principalmente por suspeita de simpatia pelas autoridades soviéticas.
Assim, os documentos descrevem a história da família Babushkin, da povoação de Ustreka, que foi colocada atrás do arame farpado por causa de um rumor de que estariam ajudando a guerrilha, embora, segundo os habitantes da povoação, isso não tenha realmente acontecido.
Pelageya Barantseva relatou durante a investigação que ela foi colocada no campo em novembro de 1942 por seu marido comandar um destacamento de guerrilheiros, "ele vinha a nossa casa, e nós o abrigávamos".
Os que lutavam contra os invasores eram mortos. Um excerto da diretriz de Mannerheim, intitulada "Apelo à população da Carélia", dizia:
"A menor ajuda de civis às tropas soviéticas é considerada espionagem, enquanto suas ações com armas nas mãos [...] são consideradas ataques de bandidos. Todos os culpados são punidos em ambos os casos com pena de morte."
A diretriz foi rigorosamente cumprida, sua execução foi vigiada pelo tenente-coronel Vaino Kotilainen, que não foi responsabilizado pelos crimes, de acordo com historiadores.
Os finlandeses eram particularmente cruéis com os comunistas e membros da juventude comunista da União Soviética, Komsomol.
Entre os vários exemplos de crueldade relatados nos documentos desclassificados, Tatiana Mukhina, secretária da Komsomol e deputada do conselho da vila de Kuzarand, foi brutalmente torturada, tendo apenas 20 anos de idade, na região de Zaonezhsky.
"Mukhina foi espancada muitas vezes em interrogatórios. Depois disso era atirada para uma sala fria da escola, que servia como cela de detenção preventiva."
"Durante um dos interrogatórios regulares, a camarada Mukhina escapou das mãos dos 'finlandeses brancos' e quis escapar, mas foi mortalmente ferida já na rua por soldados finlandeses e jogada novamente na cela. Ouviram-se vários tiros e Tatiana Mukhina foi morta", contaram os habitantes do povoado.
Espancados com varas de ferro
Famílias inteiras eram jogadas no campo Kolvasozero e as mães eram separadas à força de seus filhos. As pessoas eram enviadas para o campo por motivos insignificantes. Por exemplo, Nikolai Alekseev foi pego por falar sobre o iminente retorno do Exército Vermelho e a restauração da vida agrícola coletiva.
© SPUTNIK / PAVEL LVOV
Peça de artilharia da época da Grande Guerra pela Pátria (parte da 2ª Guerra Mundial) na costa da península de Kola, Rússia
Fyodor Voglaev tentou se esconder dos invasores. "Em agosto de 1941, os finlandeses ocuparam a vila. Eu fui para uma floresta a 15 quilômetros, mas fui detido pelas tropas finlandesas e trazido de volta", lembrou. Durante o interrogatório ele foi "espancado com varas de ferro".
Os traidores
Também houve delatores entre os presos, que tentavam obter dos presos informações de que os invasores necessitavam. Ekaterina Vlasova contou que essas pessoas gozavam de "confiança e privilégios". Em particular, um certo Stepan Timofeev "vigiava os detentos e relatava tais casos ao quartel-general do campo ou em conversas com os guardas".
"Depois disso, a atitude da administração do campo em relação às pessoas denunciadas por Timofeev mudava", conta. Mais tarde, ele emigrou voluntariamente para a Finlândia.
Uma certa Dora Tarasova denunciava os seus companheiros, segundo as memórias de Ekaterina Vlasova: "Sendo operadora de rádio da guerrilha, ela foi capturada, revelou todos os segredos que conhecia, por isso foi liberada e enviada para um curso, eu penso que seria um curso de espionagem". A espionagem de Tarasova foi corroborada por vários outros ex-prisioneiros do campo.
Razões para punição corporal
No campo de Svyatnavolok as condições eram ainda mais duras. Os guardas forçavam os prisioneiros a realizar tarefas ridículas e os espancavam. "Da primeira vez fui espancado pelo comandante Kashras por não raspar a barba", contou o ex-prisioneiro Gerasim Pushko.
"Fui espancado da segunda vez por Pavel Sergeev, um russo, foi comandante do campo em 1942. Ele pensou que eu recebi comida pela segunda vez. E a terceira vez me bateu Saprin, um finlandês, por eu ter vindo perguntar se poderia receber comida extra com os cupons."
Aleksandra Ponomareva lembrou que no verão de 1943, à sua frente, o "finlandês Julius Pavlo bateu em Kashin e Parfenov por terem escondido comida durante o descarregamento do caminhão".
Alimentação ruim
O prisioneiro Krasilnikov, do campo de concentração Nº 5 de Petrozavodsk, que continha cerca de 7.000 pessoas, disse que "para cada dia eram distribuídos 300 gramas de farinha com mistura de madeira e 50 gramas de linguiça podre para três dias".
Ele contou pelo menos dois mil mortos, que viu com seus próprios olhos quando levava os corpos para uma vala comum no cemitério da cidade.
Não havia pão suficiente e alguns o buscavam em um povoado por perto, razão pela qual eram espancados com bastões perante o campo inteiro.
Taisia Petrushina "foi espancada com um bastão de tal maneira que não pôde trabalhar por dois dias".
Ekaterina Petrova lembrou que no inverno de 1942 uma das prisioneiras saiu à procura de pão. Como punição por essa "transgressão", os finlandeses forçaram todas as mulheres a rasparem o cabelo.
Grande Finlândia como objetivo
Quando questionados sobre o que conheciam das atrocidades das autoridades finlandesas, os ex-prisioneiros dos campos responderam de diferentes maneiras. O quadro geral só é formado depois do estudo de toda a gama de documentos de arquivo. Atrás de cada linha está uma vida humana.
"Tudo isso não é mais que uma manifestação de genocídio consciente contra a população civil. Mais que isso, se tratava sobretudo da implementação pelo comando finlandês de uma política racial voltada para a eliminação dos russos particularmente", explica Elena Malysheva, chefe do Departamento de Arquivos do Instituto de História e Arquivos da Universidade Estatal de Ciências Humanas Russa, candidata em Ciências Históricas e especialista do projeto "Sem Tempo de Prescrição", à Sputnik.
"A população 'não nacional' foi enviada em massa, famílias inteiras, incluindo crianças pequenas, para campos de trabalho, que para muitos foram campos da morte, algo que é eloquentemente confirmado por dados dos questionários contidos nos documentos de arquivo", conta.
© SPUTNIK / ILIA TIMIN
Memorial da Grande Guerra pela Pátria
Os finlandeses monitoravam rigorosamente a pureza étnica, punindo tentativas de sua transgressão. "Houve casos de espancamentos, especialmente de mulheres que coabitavam com finlandeses: Astapovich, Teiler (alemã) e mais uma, Zina, não me lembro do sobrenome e patronímico dela", relata Adam Bobrovich.
Os campos finlandeses para russos faziam parte de um grande plano para criar o Estado etnicamente puro da Grande Finlândia, como afirmou o marechal Mannerheim. Mesmo antes do início da ofensiva, ele assinou a Ordem Nº 132, cuja 4ª cláusula dizia: "A população russa deve ser detida e enviada para campos de concentração."
"Os nomes dos zelosos executantes desta ordem não são segredo, estão mencionados nas declarações dos prisioneiros dos campos finlandeses que conseguiram sobreviver," observou Malysheva. "A memória humana pode se apagar, mas os documentos de arquivo preservaram esses nomes, o que significa que os crimes 'Sem Tempo de Prescrição' não ficaram anônimos."
De acordo com a diretriz do marechal Mannerheim, os russos, ucranianos, tártaros e muitos outros "habitantes não nacionais" da Carélia eram eliminados de forma silenciosa e metódica.
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