Em 2017, a arte da pizza napolitana foi elevada a Patrimônio Mundial pela Unesco. Com a Itália em confinamento devido à epidemia de covid-19, pizzarias estão fechadas, e pizzaiolos ensinam suas receitas pela internet.
A arte de fazer uma boa pizza é levada a sério em Nápoles, no sul da Itália
A Confederação Nacional de Artesãos da Itália estima que, em todo o país, existam 76.457 empresas envolvidas com a fabricação de pizzas, desde serviços de entrega a pizzarias. A região sudoeste da Campânia, onde se localiza Nápoles, lidera em números, com cerca de 16% desses negócios. Para os fabricantes de pizza e para as pessoas que trabalham nessa área, o fechamento do setor causou um profundo sentimento de angústia e perda de identidade.
Confinados em casa, os pizzaiolos da região ocupam as redes sociais em busca de reconhecimento e apoio e para dar vazão à sua frustração. Compartilhando vídeos de como rodar a massa de pizza e também suas receitas do produto, eles estão mostrando aos italianos ‒ muito além das fronteiras regionais ‒ como se faz pizza no estilo napolitano nas cozinhas de suas casas.
Errico Porzio, pizzaiolo de Nápoles e proprietário de seis pizzarias com mais de 60 funcionários, compartilhou seu tutorial de como fazer pizza em sua página no Facebook, alcançando quase meio milhão de visualizações em poucos dias. "Isso significa que as pessoas estão realmente ficando em casa e sentem a necessidade de fazer pizza", diz Porzio.
Errico Porzio faz um live no Facebook sobre como fazer pizza napolitana
Ele criou vários chats dentro da comunidade de pizzaiolos para incentivar colegas que estão preocupados com seus empregos e negócios. A maioria diz apoiar a política de isolamento social, mas alguns estão irritados ou não podem simplesmente ficar sem trabalhar. "Os proprietários que economizaram dinheiro podem aguentar um mês ou dois, mas outros estão com sérios problemas", constata Porzio.
A fim de garantir uma renda para os funcionários e diminuir o ônus para os donos de restaurantes, o governo criou um fundo salarial. "Obviamente, todos nós sentimos falta das chamas dos nossos fornos, mas não podemos ser a prioridade do governo neste momento."
Arte da pizza napolitana é novo patrimônio da Unesco
Esse sentimento é compartilhado por Egidio de Cicco, um pizzaiolo da cidade de Quindici, 40 quilômetros a leste de Nápoles. "Entregamos os documentos dentro do prazo de 31 de março, mas eu gostaria de estar trabalhando." Ele espera não precisar do fundo salarial depois de meados de abril. "O que mais sinto falta é do contato com as pessoas. Elas fazem você amar ainda mais o que faz", afirmou De Cicco.
O pizzaiolo de Quindici continua fazendo sua especialidade para sua família. "Atualmente, na Campânia, pessoas morreriam por um pizzaiolo em casa. Um amigo meu queria passar o confinamento aqui comigo", diz De Cicco, rindo.
É quase tradição sair para comer numa pizzaria uma vez por semana. Na região do Vesúvio, há uma casa de pizza para cada 335 habitantes. Com seus restaurantes favoritos fechados, os moradores que sentem falta da pizza napolitana a lenha transformaram a tradição numa atividade doméstica.
"A saudade da pizza é grande. Tentamos fazer em casa, mas não tem comparação", diz Roberta Esposito, 36 anos, de Portici, nos arredores de Nápoles. "Meu filho de 3 anos, Giuseppe, usa um avental e me vê fazendo pizza." Ela trabalha como gestora num orfanato para adolescentes e ainda continua indo para seu local de trabalho, onde uma de suas tarefas é ensinar outras pessoas a fazer pizza.
Paola Dalla Monica está confinada em sua casa depois que sua lanchonete de Street Food, Colapesce, no coração de Nápoles, teve que fechar. "Eu apoio a decisão do presidente [da região da Campânia, Vincenzo] De Luca [de fechar o setor de gastronomia], apesar da crise econômica", diz Monica. Ela abriu sua lanchonete em novembro e planejava recuperar o investimento na temporada de início e meio do ano.
Agora, ela passa os dias cozinhando em casa. "É um passatempo, os dias passam mais rápido", afirma Monica. Ela diz seguir a receita de pizza de sua avó. "É certamente gratificante fazer você mesmo, mas quando quem faz é um pizzaiolo, é muito mais gostoso."
À medida que mais pessoas confinadas tentam fazer pizza, fermento e farinha estão desaparecendo das prateleiras dos supermercados.
"As pessoas agora estão compartilhando vídeos sobre como fazer massa lêveda, para substituir o fermento comum", diz Claudia Giardiello, que vive nos arredores da cidade de Benevento. Fazer a pizza perfeita é um tema recorrente de conversa entre amigos e familiares. "Acho que estamos comendo o dobro de pizza que antes", diz Giardiello, rindo.
A indústria da pizza e os negócios relacionados têm crescido exponencialmente na última década ‒ e também os seus lucros. Mas a recuperação do setor vai se assemelhar, provavelmente, a um processo de cozimento lento.
"Em Nápoles, a pizza é como café. Esse hábito não muda", observa Porzio. "Mas as novas restrições que ocorrerão após a reabertura significarão que todo o nosso modelo de negócios terá que mudar. Todos nós vamos ter que introduzir o sistema de reservas e aumentar nossas ofertas de entrega ou para viagem. Precisamos nos adaptar e tentar não criar inconvenientes para nossos clientes."
De Cicco, que tem trabalhado como pizzaiolo nos últimos 10 anos, diz viver um dia após o outro. "Com os poucos meios que elas têm em casa, as pessoas demonstram seu amor pela pizza. Como pizzaiolos, isso nos deixa orgulhosos e sabemos que, quando tudo isso acabar, o amor pela pizza será ainda maior do que já é."
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