Da mesma forma que duas notas musicais discordantes tocadas ao mesmo tempo colocam em movimento uma composição musical, a dissonância em nossos pensamentos, ideias e valores nos compele a pensar, reavaliar, criticar. A consistência é o parque de diversões das mentes entorpecidas.
Se tensões, conflitos e dilemas irremediáveis são o tempero de todas as culturas, um ser humano pertencente a qualquer cultura específica deve ter crenças contraditórias e ser dilacerado por valores incompatíveis. É uma característica tão essencial a qualquer cultura que até recebeu um nome: dissonância cognitiva.
A dissonância cognitiva é, com frequência, considerada uma falha da psique humana. Na verdade, trata-se de uma qualidade vital. Se as pessoas não fossem capazes de ter crenças e valores contraditórios, provavelmente seria impossível construir e manter qualquer cultura.
YUVAL NOAH HARARI - Sapiens (uma breve história da humanidade) - L&PM Editores/P. Alegre-RS/2019, P. 226.
Então, andou certo o legislador constituinte brasileiro quando colocou entre os direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs, o exercício da ampla defesa e do contraditório, pois não?
E nestes tempos conturbados de redes sociais explosivas, choques de opiniões, demonstrações de intolerância, acusações intermináveis, conflitos de competência e de vaidades exacerbadas, alegações de insanidade e de danos morais, que resultam em processos cíveis, penais, a nível nacional e internacional, na verdade devemos ver todo este rebuliço como uma coisa construtiva, que nos põe para pensar, repensar, questionar, discutir, indignar, em uma palavra "existir", eis que, como disse Descartes, "penso, logo existo".
O pior que poderia acontecer à humanidade seria incorrer em conformismo, resignação, aceitação de dogmas, em nome da paz, pois de tal comodismo resultaria estagnação.
Agitar é preciso. Combater os conceitos alheios, lançar dúvidas, ideias novas, expor-se a críticas, é o que de mais positivo pode acontecer para a espécie humana.
O mencionado Descartes, escreveu:
“Passei a não crer com muita firmeza em nada do que fora inculcado por influência da exemplificação e do costume. E deste modo me libertei (…) de inúmeros erros que podem obscurecer a nossa lucidez natural (…)”
Nenhum comentário:
Postar um comentário