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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A pesca com rede de arrasto e algumas lamentáveis consequências ambientais

Virgílio Várzea - A canção das gaivotas - Edit. Lunardelli/Fpolis-SC/1985, p. 86:

E o peixe começou a alastrar a praia, numa onda viva e colossal de corpos fulgurantes, torneados, polidos, como formados de aço, a se debater, aos roncos, em uma angústia e convulsão de morte, as bocas abertas, ofegantes, como exalando almas.


Um dos instrumentos usados pelos pescadores artesanais, na Ilha de SC e adjacências, era a denominada rede de arrasto, ou simplesmente arrastão. 

Constituía-se de cabos, nos quais era "entralhado" um "pano" de malhas (com uso de uma linha conhecida como "incala") as quais diminuiam de tamanho à  medida que se aproximava o "copo". 

Este era a parte da rede que chegava por último à praia, suportando o peso do todo que fora capturado. Por isso era feito de malha mais miuda e com linha reforçada.

As tralhas (cordas, cabos) eram de três utilidades: a) uma delas servia para prender os flutuantes (cortiças), os quais faziam boiar uma das extremidades da rede; b) a outra servia para prender pesos (chumbos, que, na verdade, eram saquinhos de tecido, semelhantes a lulas, cheios de areia grossa) os quais mantinham uma das extremidades da rede no fundo do mar.

As pontas das tralhas eram unidas por um um nó, ao qual se atava o cabo nu, destinado a trazer  o conjunto de volta à praia.

A rede era embarcada numa canoa,  geralmente uma canoa bordada, acionada por remos de voga (**). 

Para estender  a rede no mar, ficava um dos extremos de cabo na mão de um pescador., na praia.  O cabo ia sendo largado n'água, seguindo-se a ele a rede propriamente dita. A canoa descrevia o percurso de um "U", chegando de volta à praia com a outra ponta de cabo nu.

Então, os pescadores, valendo-se do "puxador" (feito de corda, composto de uma volta/circulo - que era vestida e mantida em torno da cintura, mais um pedaço de corda a ele emendado, na ponta do qual era colocado um pequeno rolete de pau) trabalhavam em marcha à ré, no afã de trazer o conjunto de volta à praia.

Os pescadores, antes de lançar a rede à água, atentavam às marés, preocupados com a possibilidade de ser a mesma  levada para a frente de um costão, quando, então, não poderiam trazê-la, arrastando, para uma praia, onde pudessem recolher os peixes.

Chegando a rede ao seco, havia uma triagem dos peixes, camarões, lulas, polvos, tartarugas, siris e tudo mais que pudesse ser consumido e o restante era deixado na praia. A maré cheia incumbia-se de levar parte dos rejeitos, mas muitas espécies ficavam apodrecendo na areia mesmo, se não fossem comidas por gaivotas, trinta-réis,  fragatas (joão-grande), gaviões, lagartos, gatos, dentre outros animais de terra.

Arrastão é a rede varredoira, a rede de arrastar, que apanha grande quantidade de peixe, tendo todavia o inconveniente de trazer à praia, de envolta com o peixe grande, o peixe ainda pequeno, que se não aproveita. - ROHAN - Dicionário…

Além dos peixes pequenos, a rede de arrasto capturava e matava peixes que não são adequados/apreciados para consumo (alguns até venenosos, como o baiacu pintado), crustáceos (siris, caranguejos, camarões), moluscos (polvos, estrelas do mar), águas-vivas (medusas), algas, etc...Ou seja, provoca danos ambientais representativos.

Antigamente, na Ilha de SC e arredores, uma espécie que não se apreciava para consumo era a manjuba de boca-larga. Capturado um cardume, acabava largado na praia, servindo de repasto para toda a fauna citada acima.

As tartarugas também eram vítimas de tal apetrecho de pesca, sendo a maioria delas degolada ao chegar na praia, por ser sua carne muito apreciada.

Não raramente, a rede de arrasto capturava, ainda, botos e lobos do mar, os quais, na ânsia de escaparem do cerco, forçavam a saída, ficando enredados e sendo mortos a facadas, ou pauladas, pelos pescadores, que se irritavam com os danos causados aos “panos” das redes por aqueles animais de maior porte.

Depois de usada, a rede era lavada (batida na água) para livrá-la de lama e de água viva, que ficavam coladas aos panos e cabos e reembarcada na canoa, seja para ser lançada, novamente, ao mar, seja para ser estendida nos varais que se levantava nos "combros", onde ficava até secar. Os cabos que serviam para traze-la de volta à praia, durante os "lanços", eram enrolados (mais comumente por um "ajudante", criança, adolescente ou adulto), batidos na água e colocados a secar também. 

O pano da rede que fosse danificado era remendado pelos próprios pescadores, com a ajuda de linha (colocada numa "agulha") e de uma malheira (feita lasca de bambu ou de madeira), com cerca de meio palmo de comprimento e feitio de "pastel" (mais volumosa no centro do que nas bordas, como se fora recheada).  

A canoa, depois de lavada, era deixada a secar e finalmente recolhida ao rancho. Uma das extremidades do varal onde a rede era estendida para secar ficava próxima ao local onde a canoa era guardada. Assim, quando a rede estava seca, era puxada para dentro da canoa  e ambas ficavam abrigadas do tempo.

A equipe que operava a "parelha" era composta pelo dono da embarcação,  da rede e demais apetrechos (patrão), pelos camaradas (que incluía os remadores) e pelos ajudantes. Entre eles não havia relação de emprego, mas vigorava um acordo tácito que impunha hierarquia, subordinação e forma de divisão dos frutos de cada lanço. 

Via de regra, o primeiro lanço era efetuado bem cedo e os pescadores saíam de casa após tomarem só um "aparadinho" (café) com duros biscoitos, pois nas regiões praianas raras eram as padarias. A vida sacrificada não lhes punha, todavia, de mau humor constante.  Se o resultado do primeiro lanço fosse bom, geralmente se dava um segundo. A fome, a essas alturas, já era sentida e, então, comia-se camarões crus, muitas vezes descascados vivos e ainda se mexendo, só lavados na água do mar.

Ouvi, quando criança, os pescadores gritarem uma interjeição - "citô", se não me falha a memória - indicativa de que apareciam na rede, que estava sendo trazida de volta à praia, os primeiros peixes malhados. 

Em dias de "lestada" (ventos fortes vindos do quadrante leste), evitava-se ir ao mar, pois os riscos aumentavam bastante. Curiosamente, muitos pescadores sequer sabiam nadar, ou faziam-no muito mal. 

As canoas eram feitas de diversas espécies de madeira, com destaque para o garapuvu, também conhecido como guarapuvu, guapuruvu ou cedro mimoso. É a árvore símbolo da Ilha de SC, por força da Lei municipal abaixo transcrita(*).

Os remos de voga eram confeccionados e


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(*) - LEI Nº 3.771 25 de maio de 1992

INSTITUI COMO SÍMBOLO ÁRVORE DA CIDADE DE FLORIANÓPOLIS O - GUARAPUVU.

Faço saber a todos os habitantes do Município de Florianópolis, que a Câmara de Vereadores aprovou e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º - Fica instituída como "Símbolo Árvore da Cidade de Florianópolis o - Guarapuvu.(*)

Art. 2º - A Prefeitura Municipal de Florianópolis desenvolverá programas que visem:

a) reflorestamento e preservação da árvore nas comunidades do interior da Ilha; 
b) a divulgação, nas escolas da rede municipal de ensino, da importância Guarapuvu na cultura açoriana. 
c) atividades em torno do Guarapuvu, na semana que antecede o Dia Mundial do Meio Ambiente, em 05(cinco) de junho. 
d) Atividades comemorativas ao Guarapuvu, no Dia da Árvore, em 21(vinte e um) de setembro.

Art. 3º - A Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos, através da Assessoria de Meio Ambiente, juntamente com a Secretaria Municipal de Educação, promoverá campanhas educativas sobre a relevância da espécie arbórea, em especial o Guarapuvu, aliadas a programas pré-estabelecidos que conscientizem a população, da necessidade da preservação das árvores.

Art. 4º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a regulamentar a presente Lei no prazo máximo de 45 dias.

Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6º - Revogam-se as disposições em contrário.

Paço Municipal, em Florianópolis, aos 25 de Maio de 1992.

ANTÔNIO HENRIQUE BULCÃO VIANNA Prefeito Municipal

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(*) J. J. SILVA, no livro Um Zé qualquer – pág. 35, grafou GARAPIVU

(**) - Algumas dessas embarcações eram feitas de um pau só (monóxilas), mais conhecidas como batelão (aumentativo de batel). Os batelões - feitos de garapuvu - são geralmente pequenos (apesar do nome, que sugere coisa grande) e empregados mais para tarrafear, pescar com caniço, ou linha, estender e recolher espinhéis (groseiras).
As canoas bordadas eram acionadas a remo de voga, feitos com as madeiras do araçá (vermelho), guarapari, louro, peroba e seca-ligeiro, conforme os pescadores ilhéus Manoel (do Augusto) Schroeder e Deca do Belo, ambos de Canasvieiras. 
Os remos de voga ficam presos, individualmente, aos toletes - paus roliços, de cerca de 25 cm de comprido e cerca de 2 cm de espessura, descascados, (das espécies camboatá, catingueiro ou pitangueira), os quais ficam cravados nas bordas da embarcação (toleteira) - por uma tira de couro de boi, cru, esta chamada de estropo.
Na popa das mesmas, em pé sobre o "paneiro" (pequeno platô feito de madeira e que se apoia, horizontalmente, ao fundo da embarcação), ficava um pescador, o qual se incumbia de ajudar a guiar a embarcação, com ajuda de um remo de pá, à guisa de leme, apoiando-o num ou noutro costado, numa manobra que diziam "encontro". 

- "O missionário de São Paulo, prevenido de nossa chegada, nos aprestara uma grande canoa, piroga ou brigantina equipada de quatorze remeiros e um patrão".
(...) 
As canoas de que se servem os portugueses, e de que nos valemos desde São Paulo, são muito maiores e mais confortáveis que as dos índios, nas quais navegáramos nas missões espanholas. 
O tronco de árvore, que constitui o corpo das canoas índias, não é entre os portugueses mais do que a querena. Eles o fendem primeiramente, e o escavam a ferro; depois o abrem a fogo, para aumentar a largura; mas como a cavidade diminui em proporção, eles lhe dão maior altura juntando-lhe uma abordagem que se liga em curva ao corpo da construção. O leme é colocado nessas canoas de maneira que o seu manuseio nada estorva a cabana, ou camarazinha, que está localizada na popa. Algumas dessas brigantinas têm 60 pés (19,44m) de comprimento por 7 de largura (2,268m) e 3,5 de calado (1,134m); há maiores ainda, e de quarenta remadores. A maior parte delas têm dois mastros, e vão a vela, o que é de grande comodidade para subir o rio a favor do vento do este, que aí reina desde o mês de outubro até o de maio. Há quatro ou cinco anos uma dessas brigantinas de tamanho medíocre, com coberta, equipada por um capitão mercante francês que nela se embarcou com três marinheiros da mesma nação, se fez ao largo com grande espanto dos habitantes do Pará, e foi em seis dias até Caiena, trajeto que fiz, como se verá, em dois meses em uma construção do mesmo porte; obrigado que fui a me deixar conduzir junto à terra, à moda do país, o que aliás me convinha grandemente para o levantamento da minha carta - LA CONDAMINE - https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1045/580837.pdf?sequence=4

- SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA – História Geral da civilização brasileira – Edit. Bertrand Brasil Ltda/RJ/2003 – V. 1, p. 376: “Cortam-se os troncos, em geral, nos meses que não têm ‘r’, durante a lua minguante, particularmente em junho e julho, e no trabalho de escavação usam-se apenas machados, enxós, fogo e água, segundo o rude processo dos índios, processo que em nossos dias ainda é usado entre pescadores do litoral do Estado. O casco assim preparado deveria medir de espessura, quando muito seis centímetros. Para aumentar a segurança durante as viagens, costumavam os construtores rematar a borda com uma faixa adicional de madeira. A essa operação chamavam bordar (...)”.


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