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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

AS PLANTAS NÃO NATIVAS ESTÃO CONTRIBUINDO PARA UM DECLÍNIO GLOBAL DE INSETOS


Pesquisas recentes apontam novas evidências de que a introdução de espécies exóticas ameaça à biodiversidade

Por Janet Marinelli, do Yale Environment 360 - Tradução de Mariana Nântua

01/02/2021 - 21:02Estudos mostram que população de abelhas diminuiu onde plantas nativas foram substituídas Foto: SOPA Images / Getty Images

Durante anos, Doug Tallamy alertou sobre a grave ameaça que plantas introduzidas do exterior representavam para os insetos nativos. Ao transformar comunidades de plantas nativas nas chamadas paisagens novas cada vez mais dominadas por espécies exóticas, das quais muitos insetos não conseguem se alimentar, o entomologista da Universidade de Delaware especulou que elas colocam em perigo não apenas insetos como também pássaros e outros animais que dependem dos insetos para sobreviver.

Nem todo mundo recebeu essa tese de braços abertos. O efeito de plantas introduzidas em biodiversidade nativa tem sido uma das questões mais controversas na ecologia, comparada ao porte de armas, aborto e outros “tópicos polêmicos na cultura americana contemporânea” por Peter Del Tredici, pesquisador-sênior do Arboreto Arnold, de Harvard. Dezenove ecologistas renomados, incluindo Del Tredici, escreveram, num comentário na revista científica Nature, em 2011: “Nas últimas décadas, espécies ‘não nativas’ foram difamadas por levar as amadas espécies ‘nativas’ à extinção e, de forma geral, poluir os ambientes ‘naturais’... ‘Natividade’ não é sinal de aptidão evolucionária ou de uma espécie ter efeitos positivos”.


Dezenas de estudos recentes, entretanto, forneceram evidências que apoiam a hipótese bastante questionada de Tallamy. Num artigo publicado online, na revista Ecological Entomology de 18 de novembro, Tallamy e dois coautores revisaram a pesquisa que sustenta a proposição de que o deslocamento generalizado de comunidades de plantas nativas por plantas não nativas na agricultura, na agrossilvicultura e na horticultura é uma das causas principais do declínio de insetos.

A questão de plantas não nativas tornou-se urgente recentemente pois o escopo do “apocalipse dos insetos” ficou mais claro. Nos últimos anos, o declínio de insetos tem sido documentado ao redor do mundo, incluindo na Europa ocidental e setentrional, na América do Norte, em países neotropicais como Costa Rica e Porto Rico e até no Alto Ártico. Numa revisão abrangente de 73 pesquisas históricas publicadas na Biological Conservation, cientistas descobriram que, em ecossistemas terrestres, Lepidoptera (borboletas e mariposas), Hymenoptera (abelhas e seus parentes próximos) e Coleoptera (besouros), assim como quatro grandes grupos de insetos aquáticos como Odonata (libélulas e donzelinhas), sofreram declínios drásticos.

Além disso, não foram só as espécies especialistas – com requerimentos ecológicos restritos, como dependência a um pequeno número de plantas – que despencaram mas muitas espécies comuns e generalistas também. Um famoso estudo de 2017 que revelou um declínio chocante de 76% na biomassa de insetos voadores ao longo de 27 anos em áreas protegidas da Alemanha trouxe a situação deplorável para conhecimento do público.

De acordo com pesquisadores, o fim dos insetos globais teve início no começo do século 20, acelerou durante os anos 1950 e 1960 e alcançou proporções alarmantes em escala global nas duas últimas décadas. Relatos de um “armagedão de pássaros” em andamento semelhante ao apocalipse dos insetos sugere que os pássaros insetívoros foram um dano colateral do colapso da população de insetos no mundo todo.

Cientistas afirmam que os insetos têm sido atacados por uma série de ameaças constantes, de destruição do hábitat, desmatamento, mudanças climáticas e poluição luminosa à ascensão da agricultura industrial. Um estudo amplamente divulgado, publicado no ano passado na PLOS ONE, calcula que a agricultura dos Estados Unidos é 48 vezes mais tóxica aos insetos do que era 25 anos atrás, com pesticidas neonicotinoides representando 92% da escalação letal; o estudo observa que “esse aumento da carga de toxicidade é consistente com a redução da população de insetos benéficos e de pássaros insetívoros observada nos últimos anos”.

Ainda assim, uma ameaça que atraiu pouca atenção – e que mais de duas dúzias de especialistas internacionais esqueceram de mencionar em suas recomendações de soluções para a crise dos insetos – é a substituição de plantas nativas por vegetação não nativa em curso no mundo todo.De acordo com pesquisadores, há estudos suficientes para afirmar que plantas invasoras são ruins aos insetos Foto: Dan Kitwood / Getty Images

O estudo de Tallamy almeja retificar essa omissão. O entomologista da Universidade de Connecticut David Wagner, que analisou o trabalho, chamou-o de “uma contribuição muito necessária”. Ele acrescentou que “faz um trabalho especialmente louvável de expor os fundamentos fracos de muitos argumentos usado por alguns para alegar que plantas não nativas não são uma ameaça à biodiversidade, que eu considero sem sentido”.

Mark Davis, ecologista do Macalester College, tem uma visão diferente. Ele aponta que até Tallamy e seus coautores admitem que conseguem apenas extrapolar o impacto de plantas não nativas na população de insetos a partir de estudos de curto prazo realizados em escala local, porque estudos de longo prazo e em grande escala ainda não foram feitos. “Em outras palavras”, disse Davis, “até agora, não há evidências de que plantas não nativas reduzem a abundância de insetos na paisagem geral”.

O palpite inicial de Tallamy, de que plantas não nativas têm ajudado a dizimar populações de insetos, era baseado em décadas de pesquisas mostrando que muitos insetos – especialmente os fitófagos ou as espécies que se alimentam de plantas, que representam a maior diversidade de insetos – dependem de um número limitado de plantas para sobreviver.

Desde os anos 1960, cientistas têm atribuído essa chamada especialização de planta hospedeira a vários fatores, incluindo a necessidade de alimentar insetos para desenvolver maneiras de contornar as defesas das plantas, como a produção de compostos químicos que seriam fatais para outras espécies.

Como resultado disso, a dieta da maioria dos insetos é restrita a uma única família de plantas, e quanto mais próximas as espécies estão dos trópicos, maior a probabilidade de seus menus serem limitados. Mais de 90% dos insetos herbívoros das florestas tropicais da Papua-Nova Guiné, por exemplo, utilizam-se apenas de plantas de um único gênero ou de um grupo de espécies parecidas.

As restrições de dieta de borboletas e mariposas têm sido mais estudadas do que as de outros grupos de insetos cujas populações estão despencando. Cinco anos atrás, quando cientistas observaram a amplitude da dieta de insetos herbívoros ao redor do mundo, eles descobriram que 69% das espécies de lagartas conseguem se desenvolver com apenas uma família de planta. Dadas essas dietas tão restritas, Tallamy e seus coautores escrevem, é razoável cogitar que “talvez o deslocamento de plantas nativas por espécies não nativas tenha efeitos profundos nas populações de insetos fitófagos em todo lugar”.

Aliás, pesquisas têm mostrado, repetidas vezes, que quando plantas hospedeiras nativas decaem ou desaparecem de uma área, as populações de insetos herbívoros encolhem e tornam-se menos diversificadas. Uma análise de 76 estudos sobre a saúde de lagartas em plantas nativas e introduzidas descobriu que, salvo poucas exceções, elas eram maiores e tinham mais probabilidade de sobreviver em suas plantas hospedeiras nativas. A análise também descobriu que, em comunidades de plantas invadidas por espécies não nativas, a abundância e diversidade de borboletas e mariposas eram significativamente reduzidas.

Houve, entretanto, exceções. Numa pequena porcentagem de casos, insetos herbívoros adotaram plantas introduzidas como fonte de comida, principalmente se pertenciam ao mesmo gênero ou família de suas hospedeiras nativas. No mais conhecido exemplo, descobriu-se que 34% das espécies de borboletas da Califórnia alimentavam-se de plantas não nativas ou colocavam seus ovos nelas.

Como nem todo estudo demonstrou efeitos negativos, continua a controvérsia de longa data sobre se plantas introduzidas são nocivas ou não a insetos nativos. O ecologista Richard Hobbs, pesquisador-sênior da Escola de Ciências Biológicas da Universidade da Austrália Ocidental, afirma que “a suposição de que espécies não conseguem se adaptar a novos recursos está sendo cada vez mais questionada”. Ele aponta: “Estudos indicam que espécies não nativas podem ter impactos positivos, neutros ou negativos, e não é tão simples quanto apenas presumir que espécies não nativas são só ruins”.

Entretanto, de acordo com Tallamy, os casos positivos não são comuns e “você tem que olhar tanto para os efeitos negativos quanto para os positivos”. Ele aponta para o kudzu, um invasor desenfreado do leste dos Estados Unidos que descobriu-se ser sustento do Epargyreus clarus, uma borboleta nativa. Isso levou algumas pessoas a concluir que nem todas as plantas não nativas invasivas são ruins. “Com uma invasão do kudzu, você pode ter o Epargyreus clarus”, responde Tallamy, “mas você perde literalmente milhares de espécies” que dependem das plantas nativas que o kudzu substituiu.

Até entre aqueles que consideram plantas não nativas um problema significativo, há discordância de opiniões quanto ao grau da ameaça que elas representam. Wagner, da Universidade de Connecticut, que já descreveu a situação deplorável dos insetos como uma “morte por mil cortes”, afirma: “Não há dúvida de que as espécies invasivas e as plantas ornamentais que colocamos nos nossos quintais estão afetando os insetos”.Pássaros como chapim também são afetados pela introdução de plantas exóticas Foto: picture alliance / dpa/picture alliance via Getty Images

Embora eles sejam “estressores muito importantes”, nas palavras de Wagner, os “cortes” verdadeiramente destrutivos são a intensificação agrícola, o desmatamento e a mudança no uso da terra. “Esses são aqueles bem ruins”, ele acrescenta, “e estão dificultando a sobrevivência de espécies com humanos nesse planeta”.

Tallamy diz que em 2001, quando ele começou a focar nesse assunto, “havia várias pesquisas sobre os problemas causados pelas espécies invasivas, mas a destruição da teia alimentar não era um deles”. Quando ele percebeu a amplitude da área transformada por plantas não nativas, ocorreu-lhe que esse era um grande problema.

Quase metade das terras do planeta está agora em alguma forma de agricultura. De acordo com o Banco Mundial, cerca de 45% das terras dos Estados Unidos contíguos são dedicadas à agricultura de produção, e esse número dispara quando as áreas de pastagem e os viveiros de árvore são levados em conta. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, 44% das florestas plantadas no mundo incluem espécies de árvores não nativas; muitas fugiram do cultivo e agora dominam as florestas nativas próximas.

Tallamy e seus coautores também chamam atenção para o fato de que, devido em grande parte à forte preferência por plantas exóticas no paisagismo, áreas urbanas estão repletas de espécies introduzidas, e estima-se que essas áreas de rápido crescimento poderiam cobrir até 20% das terras habitáveis do mundo até 2030.

A horticultura tem sido um dos principais proliferadores tanto de plantas não nativas invasivas quanto de paisagens dominadas pelos humanos. Estudos mostram agora que 50 a 70% das espécies invasivas e naturalizadas chegaram a suas novas terras através do comércio horticultor. E Tallamy aponta que, mesmo se essas plantas ornamentais nunca cheguem a ser invasivas, elas ainda assim estão substituindo a vegetação nativa, crítica para a sobrevivência da maioria dos insetos.

Nas palavras de uma pesquisa de 2018, publicada na Proceedings of the National Academy of Sciences, com coautoria de Tallamy: “A preferência bem difundida por plantas não nativas na indústria horticultora transformou, globalmente, milhões de acres de potenciais hábitats em ‘desertos de comida’ para insetos nativos, com a consequência não intencional de também reduzir a abundância e distribuição de pássaros”. O estudo foi o primeiro a fornecer dados mostrando que o declínio de insetos tem efeito de cascata subindo a cadeia alimentar.

Durante três anos, a autora principal Desirée Narango, pesquisadora pós-doutora da Universidade de Massachusetts, Amherst, e uma equipe de assistentes de campo mediram o que acontece com chapins da Carolina em reprodução e lagartas, comida essencial para seus filhotes, nos subúrbios de Washington. Entre outros achados, eles viram que os pais buscavam por comida em plantas nativas durante 86% do tempo.

Quintais dominados por plantas introduzidas produziam 75% a menos de biomassa de lagarta do que paisagens primariamente nativas, e a probabilidade de sequer terem chapins se reproduzindo caía 60%. Ninhos construídos por chapins em quintais com muitas plantas não nativas continham 1,5 menos ovos do que ninhos em propriedades dominadas por nativas.

Os chapins foram capazes de atingir a chamada taxa de substituição – ou seja, gerar pintinhos suficientes todos os anos para substituir adultos que sucumbem à idade e aos predadores – apenas em quintais com menos de 30% de biomassa de plantas introduzidas; infelizmente para os pássaros, Narango e seus coautores descobriram que, em média, 56% das plantas dos subúrbios de Washington não são nativas.

Eles apontam que, se um pássaro comum “adaptado à urbanidade”, como o chapim da Carolina, é limitado pela relativa falta de comida numa paisagem suburbana típica, talvez seja um problema ainda maior para pássaros com dietas mais especializadas. Além disso, cerca de 96% dos pássaros terrestres da América do Norte alimentam seus filhotes com insetos em vez de sementes ou frutas, então quando os insetos diminuem, eles também.

Por essas razões, Tallamy propôs uma versão domesticada do Projeto Half Earth, do biólogo de Harvard E. O. Wilson. Se proprietários de casa americanos convertessem metade de seus gramados em comunidades de plantas nativas produtivas, ele afirma, criariam um “parque nacional cultivado em casa” maior do que os parques nacionais de Everglades, Yellowstone, Yosemite, Grand Teton, Canyonlands, Monte Rainier, Cascatas do Norte, Badlands, Olympic, Sequoia, Grand Canyon, Denali e Grandes Montanhas Fumegantes juntos.

Na conclusão de seu novo estudo, Tallamy e seus coautores admitem que ainda há lacunas críticas no nosso conhecimento. Mas eles concluem que, nesse momento, foram finalizados suficientes estudos e reunidas suficientes evidências e, nas palavras de Tallamy, “nós podemos agora responder, definitivamente, a pergunta ‘Plantas invasoras são ruins?’. Em termos de proteção aos insetos, a evidência preponderante diz que sim”.

Fonte: https://epoca.globo.com/sociedade/um-so-planeta/as-plantas-nao-nativas-estao-contribuindo-para-um-declinio-global-de-insetos-24865006

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