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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

COMO SE ESTÁ, NÃO DÁ PARA CONTINUAR - É necessária uma revolta, outra revolução?

A revolta é uma espécie de tromba da atmosfera social, que repentinamente se forma, mediante certas condições de temperatura, e que, no seu redemoinhar, sobe, corre, detona, arranca, arrasa, esmaga, derruba, arrastando consigo as grandes naturezas e as que o não são, o homem forte e o espírito fraco, o tronco de árvore e o fragmento de palha. 

Desgraçado tanto do que é arrebatado como do que lhe sofre o choque, porque ambos ficam esmagados. 

Não sei que extraordinário poder ela comunica àqueles que absorve. 

Enche o primeiro que topa da força dos acontecimentos; de tudo faz projécteis. De um seixo faz uma bala, de um carrejão um general. A darmos crédito a certos oráculos da política hipócrita, as revoltas, com relação ao poder, não deixam de ser mais ou menos proveitosas. 

Para assim o afirmar fundam-se neste sistema: As revoltas consolidam um governo, todas as vezes que o não derrubam. 

Servem de prova para o exército; concentram a burguesia; distendam os músculos da polícia; servem, enfim, para verificar a força da ossada social. 

É uma ginástica e quase uma higiene. 

Quase sempre o poder passa melhor depois de um tumulto, como acontece ao homem depois de uma fricção. Há trinta anos, as revoltas eram ainda consideradas sob outros pontos de vista. 

Há uma teoria universal que serve para, tudo e que a si mesma se proclama o «bomsenso»; Filinto contra Alcestes, mediação oferecida entre a verdade e a falsidade; explicação, advertência, atenuação com ressaibo de sobranceria, que, por ser entremeada de censura e desculpa, passa por sabedoria, e, de ordinário, não é mais do que pedantismo. 

Isto, porém, deu origem a uma escola política, a que se pôs o nome de partido moderado, isto é, partido da água morna, porque fica entre a água fria e a água quente. 

Esta escola, apesar da sua falsa profundidade, toda superficial, que disseca os efeitos sem remontar às causas, repreende do alto de uma meia ciência, as agitações da praça pública. 

Segundo esta escola: «As revoltas que complicaram o facto de 1830 tiraram a este grande acontecimento parte da sua pureza. A revolução de Julho tinha sido uma bela rajada de vento popular, repentinamente seguida do mais belo céu azul. 

As revoltas fizeram reaparecer o céu nebuloso. Fizeram degenerar em disputa aquela revolução em começo tão notável pela unanimidade. 

Na revolução de Julho, como em todo o progresso de repelão, houvera fracturas secretas; a revolta tornou-as sensíveis. Puderam dizer: Eis aqui isto que está quebrado. 

Depois da revolução de Julho não se sentiu senão a alforria; depois das revoltas sentiu-se a catástrofe. 

«Toda a revolta fecha as lojas, deprime os fundos, consterna a praça; suspende o comércio, paralisa os negócios, precipita as quebras; o numerário desaparece, as fortunas particulares inquietam-se, o crédito público é abalado, a indústria perde o equilíbrio, os capitais recuam, o trabalho falta, o medo é geral; tudo isto se repercute em todas as cidades. 

Daqui os pegos. Calculou-se que o primeiro dia de revolta custou à França vinte milhões, o segundo quarenta, e o terceiro sessenta. 

Uma revolta de três dias custa cento e vinte milhões, isto é, atendendo-se só ao resultado financeiro é equivalente a um desastre, naufrágio ou batalha perdida, que aniquilasse uma esquadra de sessenta naus de linha. 

«Historicamente, não há dúvida que as revoltas tiveram sua beleza; a guerra das ruas não é menos grandiosa nem menos patética do que a guerra das moitas; numa reside a alma das florestas, na outra o coração das cidades; uma tem Jean Chouam, a outra tem Joana. 

As revoltas iluminaram de vermelho, mas esplendidamente, todas as saliências mais originais do carácter parisiense, a generosidade, a dedicação, a alegria tempestuosa, os estudantes provando a aliança da bravura com a inteligência, a guarda nacional inabalável, os acampamentos dos legistas, as fortalezas de gaiatos, o desprezo da morte nos que passavam Escolas e legiões embatiam-se. 

«No fim de tudo, entre os combatentes não havia senão a diferença da idade; é a mesma raça; são os mesmos homens estóicos que morrem aos vinte anos pelas suas ideias, e aos quarenta pelas suas famílias. 

O exército, sempre triste nas guerras civis, opunha a prudência à audácia. 

As revoltas, ao passo que manifestaram a intrepidez popular, educaram a coragem burguesa.

«Muito bem. Mas vale tudo isto o sangue derramado? E ao sangue derramado juntai o futuro sombreado, o progresso comprometido, a inquietação entre os melhores, os liberais honestos e desesperados, o absolutismo estrangeiro satisfeito por ver a revolução ferida por si mesma, os vencidos de 1830 triunfando e dizendo: Bem o tinhamos dito! Juntai Paris, talvez engrandecido, mas a França inquestionavelmente deprimida. Juntai, porque é necessário dizer tudo, as carnificinas que desonravam, muitas vezes a vitória da ordem tornada feroz sobre a liberdade enlouquecida. 

Em conclusão as revoltas foram funestas». 

Assim fala esta quase sabedoria com que a burguesia, esse quase povo, se contenta de tão boa vontade. 

Quanto a nós repelimos a palavra revoltas demasiadamente elástica, e por consequência demasiadamente cómoda. Entre os movimentos populares fazemos distinção. Não queremos saber se uma revolta custa tanto como uma batalha? Em primeiro lugar, porque razão uma batalha? Aqui surge a questão 

A guerra é porventura menos flagelo do que a revolta calamidade? 

E depois, as revoltas são todas calamidades?

- VICTOR HUGO -  Os miseráveis.

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