A visão dos fazendeiros
A 350 quilômetros e seis horas de carro do posto da guarda-florestal, José Dorilêo repete a frase que se ouve tantas vezes: "Não chove".
Dorilêo vive na Transpantaneira, uma estrada de terra que percorre o norte do Pantanal ao longo de 150 quilômetros entre Poconé e Porto Jofre. Hoje ele recebe a visita do sobrinho Raúl Costa, que, como ele, é criador de gado – já estão na quarta geração, como ambos orgulhosamente salientam. A Fazenda de Dorilêo compreende cerca de 12 mil hectares, um vasto campo por onde são conduzidas cerca de 3 mil cabeças de gado por vaqueiros.
Tanto ele quanto Costa resistem a serem retratados pela mídia como vilões do Pantanal. "Quando teve o incêndio, disseram que nós, os fazendeiros, tínhamos começado o fogo para criar pastagens", conta Costa. "Isso é um absurdo! O Pantanal é enorme e um ou dois malucos podem ter feito isso, mas atear fogo aqui seria suicídio. Nossa própria fazenda queimou quase toda no ano passado. Não dá para colocar todos os fazendeiros no mesmo saco".
Pastagens naturais
Costa está sentado na cozinha do casarão centenário, que dá os ares de um museu local. Fotos antigas, esporas e laços decoram as paredes. É a hora do café da manhã, e um dos vaqueiros traz uma cabeça de gado que ficou assando por 9 horas num forno de barro no quintal da casa.
Após morder um pedaço de língua de boi, o homem de 43 anos diz que nunca houve derrubada de mata na fazenda. Pelo contrário, aponta, os fazendeiros dependem das árvores, pois elas protegem os lugares elevados onde o gado fica durante os dilúvios. O que o incomoda é que, de acordo com a lei, não é permitida nem a retirada de plantas invasoras – arbustos, por exemplo, que se reproduzem de forma veloz e acabam alimentando ainda mais as chamas.
O Pantanal, na verdade, tem suas próprias regras ao longo da Transpantaneira. Ao contrário da Amazônia, muitas pastagens aqui não são produto do desmatamento, mas surgem naturalmente através de enchentes. É por isso que pecuaristas locais como Costa e Dorilêo se sentem injustiçados ao serem acusados de vilões do meio ambiente. Eles dizem ter consciência ambiental e querem combater o clichê de fazendeiros exploradores. Parecem ter entendido que, no Pantanal, só se pode obter lucros com a natureza.
Só que a natureza se torna cada vez mais imprevisível. Devido à falta de chuvas, Costa teme que os tanques sequem neste ano. "Aí não teríamos água suficiente para o gado e teríamos que vendê-lo", afirma.
Economia baseada no turismo sustentável
Já a vários quilômetros dali, um homem na Transpantaneira acredita saber como lucrar com o Pantanal e protegê-lo ao mesmo tempo. Mas a primeira coisa que André Thuronyi diz à reportagem é que está chocado com a seca. "Aqui deveria haver água por toda parte", lamenta, apontando para os prados secos.
Filho de uma família nobre de imigrantes húngaros, Thuronyi veio para o Pantanal em meados da década de 1970. Ele se apaixonou pela região e começou a espalhar a ideia do ecoturismo – algo que ninguém no Pantanal conhecia na época. "Fui pioneiro", diz ele.
Hoje, o homem magro de 66 anos, cuja marca registrada é uma ondulante cabeleira de um louro acinzentado, é dono da exclusiva Araras Eco Lodge. O conceito inclui imersão na natureza: observação de animais silvestres, excursões noturnas e passeios a cavalo.
"Mostrei às pessoas que uma onça ou uma arara-azul tem muito mais valor viva do que morta ou em cativeiro", diz Thuronyi. "Quem quer atrair turistas precisa da natureza." Mas levou muito tempo para que seus vizinhos entendessem essa máxima. "Eu fui considerado o gringo maluco."
Mas com os anos, o sucesso da pousada de Thuronyi inspirou imitadores. Hoje, no lugar de antigas fazendas, existem 18 eco-lodges ao longo da Transpantaneira.
Ao anoitecer, Thuronyi sobe em uma torre de observação de 25 metros de altura no meio de uma floresta que faz parte do terreno da eco-lodge. Enquanto um grupo de macacos-pregos macaqueia no andaime da torre, nuvens escuras aparecem no horizonte. Em alguns lugares, é possível ver a chuva caindo sobre a terra plana. "Isso me alegra muito", diz André Thuronyi. "Mas temo que seja tarde demais."
Fonte: https://www.dw.com/pt-br/%C3%A0-espera-da-chuva-pantanal-teme-nova-cat%C3%A1strofe/a-56719823
Nenhum comentário:
Postar um comentário