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quarta-feira, 10 de março de 2021

SOBRE A MANDIOCA

Não pense que falo daquela que está sendo introduzida, sem cuspe, no povo brasileiro, desde 1988.

Os termos correlatos (entre aspas,) são para chamar minha atenção, durante o trabalho no glossário que estou elaborando, tendo por objeto meio-ambiente, geografia, costumes, história, folclore, etc....

Como se diz, "uma coisa puxa outra" e o resultado é muito prazeroso, para quem organiza algo do gênero.

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MANDIOCA (Ver AIPIM, BEIJU, CAPOTE, CAROEIRA, CAROLO, COVA-DE-MANDIOCA, CRUEIRA, DESMANIVAR, ENGENHO, ENGENHOCA, FARINHA DE GUERRA, FARINHA DE PEIXE, FARINHA SECA, MANIVA, PIRÃO, PIROCA, TAPIOCA, TIPITIM)

- PERO DE MAGALHÃES GANDAVO - História da Província de Santa Cruz - Editora Obelisco Ltda/SP/1964, p.35, sobre tal espécie, registrou: primeiramente tratarei da planta e raiz de que os moradores fazem seus mantimentos que la comem em logar de pão. A raiz se chama mandioca, e a planta de que se gera he da altura de hum homem pouco mais ou menos. Esta planta nam he muito grossa e tem muitos nós: quando a querem plantar em alguma roça cortão-na e fazem-na em pedaços, os quaes metem debaixo da erra, depois de cultivada, como estacas, e dahi tornão arrebentar outras plantas de novo:  e cada estaca destas cria tres ou quatro raízes e dahi pera cima (segundo a virtude da terra em que se planta) as quaes põem nove ou dez meses em se criar: salvo em Sam Vicente que põem tres anos por causa da terra ser mais fria. 

Estas raízes a cabo deste tempo se fazem mui grandes á maneira de Inhames de S. Tomé, ainda que as mais dellas sam compridas, e revoltas de feição de corno de boi. E depois de criadas desta maneira, si logo as nam querem arrancar pera comer, cortam-lhe a planta pelo pé, e assi estão estas raízes, cinco, seis meses debaixo da terra em sua perfeição sem se danarem.: e em S. Vicente se conservam vinte, e trinta anos da mesma maneira. E tanto que as arrancão põem-na a curtir em agoa três quatro dias, e depois de curtidas, pizam-nas muito bem. Feito isso metem aquella massa em humas mangas compridas e estreitas que fazem de huma vergas delgadas, tecidas á maneira de cesto: e ali a espremem daquelle sumo da maneira que nam fique delle nenhuma cousa por esgotar: porque he peçonhento e em tanto extremo venenoso, que si huma pessoa ou qualquer outro animal o beber, logo naquelle instante morrerá. #E depois de assi a terem curada desta maneira põem hum alguidar sobre o fogo em que a lanção, a qual está mexendo huma Índia até que o mesmo fogo lhe acabe de gastar aquella humidade e fique enxuta e disposta pera se poder comer que será por espaço de meia hora  pouco mais ou menos. 

Este he o mantimento que chamão farinha de páo, com que os moradores e gentio desta Provincia se mantém. Há todavia farinha de duas maneiras: huma se chama de guerra e outra fresca. A de guerra se faz desta mesma raiz, e depois de feita fica muito seca e torrada, de maneira que dura mais de hum ano sem se danar. A fresca he mais mimosa e de melhor gosto: mas nam dura mais que dous ou tres dias, e como passa delles, logo se corrompe. Desta mesma mandioca fazem outra maneira de mantimentos que se chamão beijús,  os quaes sam de feição de obreas, mas mais grossos e alvos, e alguns delles entendidos da feição de filhós. Destes uzam muitos moradores da terra, principalmente os da Bahia de Todos os Santos, porque são mais saborosos e de melhor disistão que a farinha.

Também ha outra casta de mandioca que tem differente propriedade desta, a que por outro nome chamão aipim, da qual fazem alguns bolos em algumas Capitanias que parecem no sabor que excedem a pão fresco deste Reino.  O sumo desta raiz nam he peçonhento como o que sae da outra, nem faz mal a nenhuma cousa ainda que se beba. Tambem se come a raiz assada como batata ou inhame: porque de toda maneira se acha anella muito gosto. (português da época

- VASCONCELLOS -  Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil  (Lisboa/1668), p. 246 (português atualizado, na medida do possível): 

 O gênero de erva de raíz mais notável e proveitosa do Brasil é a que chamam mandioca. Tem debaixo de si diversíssimas espécies, a saber: mandijbuçú, mandijbimana, mandijbibiyana, mandijbiyuruçu, apitiuba, aipy; este se divide em mui várias espécies apontadas à margem (*).

O sumo destas raízes verdes (excetas as dos aipys todos) é venenoso e mortal, a todo gênero de vivente.

É esta planta toda a fartura do Brasil, e tradição, que a ensinou aos índios São Tomé, cavando a terra em montinhos e metendo, em cada qual, quatro pedaços da vara de certos ramos que chamam manaíba (**), de comprimento como de um de um palmo cada um dos pedaços, cujas trÊs partes vão metidas em terra, que fiquem em forma de Cruz; daí a dez dias brotam, comumente, os pedaços de varas, portos os nós que tem amiudados, e dentro em sete, ou oito meses crescem em altura de dois até três côvados; suposto que é necessário ordinariamente um ano para a perfeição do seu fruto, que são as raízes, duas, quatro, seis, e muitas vezes chegam a dez, mais ou menos compridas, grossas, conforme a fertilidade da terra.

DEsta raíz tirada da terra, raspada, lavada, espremida e cozida em alguidares de barro, ou metal, a que os brazis chamam uimoiypaba, os portugueses forno, se faz farinha de três castas: meio cozida, a que chamam uytinga; os portugueses farinha relada(&); mais de meio cozida, que chamam uyeçacoatinga; e cozida de todo, até que fique seca, que chamam uyatá; os portugueses farinha seca ou de guerra.

A farinha relada dura dois dias, a meia cozida seis meses, a de guerra, ou seca, um ano.

(...) 

Do sumo destas raízes, quando se espremem, fica no fundo um como pé, ou polme, do qual, tirado, seco ao sol, fazem farinha alvíssima, mui mimosa,  chamada tipyoca (...) ($)

Prepara-se também d’outras maneiras a mandioca: partem-se as raízes verdes, depois de limpas, em diversos pedaços, estes se põem a secar ao sol por dois dias; depois de secas, pisam-se em um pilão, e faz-se farinha a que os índios chamam typyrati; os portugueses farinha crua. Desta fazem uns bolos alvíssimos e delicadíssimos, que é o comer mais mimoso, ou enquanto moles e frescos, ou depois de duros e torrados; e estes se guardam por muito tempo, e chamam-lhes os índios miapeatá (+), que vale o mesmo que biscoito.

Lançam também de molho em águas estas raízes por três, quatro, ou cinco dias, até que amoleçam, e destas assim moles chamada mandiopuba, fazem farinha mais mimosa chamada uypuba; os portugueses farinha seca; e é o comer ordinário da gente portuguesa mais limpa, em lugar de pão, feita todos os dias; porque passado um dia já não é tão boa. 

Secam também estas raízes ao fogo, e guardam-nas por de maior estima para vários usos: chamam-lhe carimá. Destas, pisadas, fazem uma farinha alvíssima, e dela os mais estimados mingaus; que é o modo de papas sutis e medicinais, frescas, contra peçonha.

(...) 

Da raíz do aipy machaxera fazem também os índios seus vinhos, a que chamam cauymachaxera e além deste outra casta, na forma seguinte. Mastigam as fêmeas a mandioca, e  lançada em água assim mastigada, fazem outra espécie de vinho cauicaraixú.

Até as folhas da mesma manayba, pisadas e cozidas, são outro pasto gostoso aos índios. 

A farinha relada, posta sobre feridas velhas, é único e mui eficaz remédio para limpá-las e curá-las.

A mandioca que chamam caáaxima, pisada, lançada na água e bebia em forma de xarope, é finíssima contrapeçonha.

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(&) - Silicet

($) - Seria o polvilho?

(+) - Beijú? 

(*) Aiupijgoaçu, aipi-jarandé, aipijacaba, aipijgoapamba, aipijcaborandi, aipijcurumumu, aipijiuyrumumiri, aipijurucuya, aipijmachaxera, aipijmaniacaú, aipijpoca, aipijtayapoya, aipijpitanga. 

(**) Ver MANIVA.

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- ALEXANDRE DUMAS - Memórias de Garibaldi - Edit. L&PM - 1998/p.39:  As nossas armas e as nossas munições estavam escondidas debaixo das carnes defumadas e da mandioca, o único alimento dos negros.

 O que DUMAS chama de “negros” pode abranger os índios, que, até certo tempo, eram assim também considerados.

- C. A. TAUNAY - Manual do Agricultor brasileiro - Cia das Letras/2001, p. 150, aborda o assunto.

- THOMAS LINDLEY-  Narrativa…, dedicou-se ao tema

https://bdor.sibi.ufrj.br/bitstream/doc/390/1/343%20PDF%20-%20OCR%20-%20RED.pdf -  p. 52

- THEODORO SAMPAIO - O tupy na geographia nacional - SP/1910, p. 76, tratou da mandioca e suas utilidades:

- Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive. Da terra só quer a mandioca, o milho e a cana. A primeira, por ser um pão já amassado pela natureza. Basta arrancar uma raiz e deitá-la nas brasas. Não impõe colheita, nem exige celeiro. O plantio se faz com um palmo de rama fincada em qualquer chão. Não pede cuidados. Não a ataca a formiga. A mandioca é sem-vergonha. Bem ponderado, a causa principal da lombeira do caboclo reside nas benemerências sem conta da mandioca. Talvez que sem ela se pusesse de pé e andasse. Mas enquanto dispuser de um pão cujo preparo se resume no plantar, colher e lançar sobre brasas, Jeca não mudará de vida. O vigor das raças humanas está na razão direta da hostilidade ambiente. Se a poder de estacas e diques o holandês extraiu de um brejo salgado a Holanda, essa joia do esforço, é que ali nada o favorecia. Se a Inglaterra brotou das ilhas nevoentas da Caledônia, é que lá não medrava a mandioca. Medrasse, e talvez os víssemos hoje, os ingleses, tolhiços, de pé no chão, amarelentos, mariscando de peneira no Tâmisa. Há bens que vêm para males. A mandioca ilustra este avesso de provérbio. -  MONTEIRO LOBATO - Urupês - https://aulasdathaisblog.files.wordpress.com/2017/03/urupes-monteiro-lobato.pdf


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