8 de março de 2021, 7h49
As empresas de economia mista sujeitas à ampla concorrência do mercado não devem seguir as restrições impostas pela Lei de Licitações para contratação de serviços. O regime da lei é incompatível com a agilidade própria do mercado privado, movido pela intensa concorrência entre empresas.ReproduçãoPetrobras não precisa indenizar por quebra de contrato e posterior contratação sem licitação de 1994
Esse foi o entendimento que prevaleceu no julgamento virtual encerrado nesta sexta-feira (5/3), mais de dez anos após o seu início, para decidir se a Petrobras deveria ou não se sujeitar à Lei 8.666/93, a Lei de Licitações.
No caso em discussão, a Petrobras cancelou, em 1994, um contrato de fretamento de navios de cargas que tinha sido assinado com a Frota Petroleiros do Sul (Petrosul), e contratou outra empresa sem licitação. A transportadora questionou a rescisão alegando violação ao artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que prevê a licitação como regra para as contratações da administração pública, incluindo as sociedades de economia mista, e pretendia a anulação do ato administrativo e indenização por perdas e danos.
Na ocasião, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) entendeu que o parágrafo único do artigo 1º da Lei de Licitações não se aplicaria à Petrobras. A decisão teve por fundamento a redação original, vigente à época, do artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição, que dizia que as sociedades de economia mista que exploram atividade econômica se sujeitam ao regime jurídico próprio das empresas privadas.
No Supremo, a maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, Dias Toffoli, para desprover o recurso e manter a decisão do TJ-RS. Segundo ele, "a agilidade que se exige das empresas que atuam no mercado é absolutamente incompatível com um sistema rígido de licitação, como esse imposto pela referida Lei nº 8.666/93".
Como os fatos ocorreram em 1994, ainda não estavam vigentes várias normas posteriores que disciplinaram o assunto, o que também foi debatido pelos ministros. As inovações introduzidas desde então incluem a Emenda Constitucional 9/1995, que flexibilizou o monopólio estatal na atividade petrolífera; a Lei do Petróleo (Lei 9.478/1997); a Emenda Constitucional 19/1998, que alterou aspectos relativos à licitação da administração pública; e o Decreto 2.745/1998, que estabeleceu o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobras.
Para Dias Toffoli, as novas normas apenas reforçaram a previsão constitucional original. "A compreensão dessa realidade, ou seja, de que tais empresas que assim atuam no mercado, sujeitam-se ao regime jurídico de direito privado, é inerente ao sistema criado pela Constituição Federal, atribuindo-se à sociedade de economia mista a exposição, a exploração de atividades econômicas (comercialização de bens ou de prestação de serviços) e o mesmo regime das empresas de direito privado", explicou.Rosinei Coutinho/SCO/STFPara Gilmar Mendes, intenção de dotar estatais de competitividade já está clara desde a promulgação da Constituição
Ao entendimento, Gilmar Mendes acrescentou a evolução da doutrina na interpretação da Lei de Licitações. Segundo ele, a norma foi editada para evitar corrupção nas esferas administrativas do Estado e, assim, tinha pretensão totalizante, abarcando inclusive as estatais. No entanto, não demorou para ficar claro que a lei aumentava a burocracia sem combater possíveis ilícitos.
Para resolver o problema, editou-se a EC 19/1998, modificando os artigos artigo 22, inciso XXVII, e 173 da Constituição. Quando isso aconteceu, lembra Gilmar, o Congresso ficou inerte, o que levou a um impasse sobre a incidência da Lei de Licitações para estatais. A doutrina jurídica resolveu o problema procedendo a duas demarcações: uma delas considerava que o objeto de atuação da empresa era determinante e, assim, a Lei das Licitações não abarcava os casos em que o Estado atuava em regime de competição; a outra diferenciava atividade-meio e atividade-fim, considerando que a Lei de Licitações seria aplicável às estatais exceto quando fosse nociva à atividade de mercado.
"Essas duas questões, aliás, permaneceram em aberto até a edição da Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios", prossegue o ministro.
As interpretações e aperfeiçoamentos posteriores não podem ser aplicados retroativamente, afirma Gilmar, mas mostram que "a história legislativa do Estado-empresário é uma crônica de sucessivas tentativas de dotar as empresas estatais de maior condição de competitividade com o setor privado" desde a promulgação da Constituição, em 1988. Assim, justifica-se o entendimento de que a Petrobras não precisava seguir a Lei de Licitações mesmo antes das diretrizes subsequentes que deixaram o entendimento ainda mais claro.
Além de Gilmar, o voto do relator foi seguido por Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Alexandre de Moraes. Ficaram vencidos os ministro Marco Aurélio, Luiz Edson Fachin, Rosa Weber e Cármen Lúcia. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou suspeito.
Histórico
O Recurso Especial começou a ser julgado pela 1ª Turma do STF em 2008, mas o processo foi encaminhado ao Plenário. Em 2011, Dias Toffoli já tinha proferido o voto que acabou vencedor. Na ocasião, Marco Aurélio divergiu, sustentando que o artigo 37, inciso XXI, da Constituição abrange necessariamente as sociedades de economia mista.
Em 2016, o julgamento foi retomado com voto-vista do ministro Luiz Fux. Ele acompanhou o relator, ressaltando que o entendimento não é uma "carta de alforria". Segundo Fux, a Petrobras, enquanto sociedade de economia mista, não se desobriga da observância das normas jurídicas da Administração Pública, "mas fica dispensada das regras da Lei 8.666 quando estas puderem comprometer a sua competitividade, que é o que se presume no caso". Toffoli, então, reajustou seu voto para incluir as considerações feitas por Fux.
Ainda naquele ano, a divergência aberta por Marco Aurélio foi integralmente seguida pelo ministro Luiz Edson Fachin, bem como pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. O julgamento foi então novamente suspenso para aguardar os votos de Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que estavam ausentes da sessão.
O ministro Teori Zavascki tinha acompanhado o voto de Fux e Toffoli naquela sessão. Em outubro de 2016, houve novo adiamento, atendendo a pedido do Tribunal de Contas da União. O processo foi novamente pautado em 2020, mas o relator, Dias Toffoli, pediu destaque porque ainda não tinha sido resolvida uma controvérsia relativa ao voto de Teori.
Fux, então, enquanto presidente, decidiu que o ministro deveria ter sido declarado impedido de votar nesse julgamento, por ter atuado como relator do Agravo de Instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça (art. 144, II, do CPC). O voto de Teori foi anulado em dezembro de 2020, e o julgamento retomado agora, no final de fevereiro de 2021.
RE 441.280
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