Contava-me na infância um veterano da guerra do Paraguai, ferido no ombro de Itororó, que, no hospital de sangue, identificava a origem dos seus companheiros de dor pelos santos que invocavam, gemendo. Quando ouvia dizer:
- Ai, minha Nossa Senhora de Nazaré! Sabia tratar-se dum paraense.
Se escutava: - Ai meu Senhor do Bonfim! Era um baiano.
Se outro bradava: - Salve-me a Senhora da Aparecida! Seria paulista ou mineiro do Sul.
E todos os cearenses sem exceção, clamavam: - Valha-me, S. Francisco das Chagas de Canindé!
(...)
Por isso, os ex-votos ricos e pobres, pintados ou esculpidos, de pau ou de pedra, de metal ou de cera, atopem os armazéns a eles destinados, anexos à Igreja. São em tamanha quantidade que seria impossível guardá-los para sempre.
(...) O fato do envio desses barcos desde os recessos da Amazônia até o sertão cearense, através de inúmeros percalços, é verdadeiramente assombroso, implica um ato extraordinário de fé primitiva, espontânea e ingênua, testemunha a existência, insuspeitada pela gente sofisticada das grandes capitais, dum outro Brasil, dum Brasil que não conhecemos, que está mesmo fora das apressadas e interesseiras cogitações dos que vivem para o futebol, o café society ou a politicagem, Brasil inteiramente à margem deste Brasil desvirtuado, cosmopolita, sem peculiaridade e sem tradição, que se tem formado no litoral e no qual vivemos.
É finalmente um dos atos mais extraordinários da crença do povo nordestino nos seus santos.
Acresce que os seringueiros, que não podem ou não sabem construir um desses pequenos barcos, enviam suas dádivas ao Padroeiro do Canindé sob forma de bolas de borracha defumada, soltas também nas águas correntes, que o Amazonas despeja no Atlântico e este atira às praias, onde as pessoas do povo as apanham e mandam pelos mensageiros que encontram ao santuário sertanejo.
Todos os anos os frades de Canindé apuram algum dinheiro coma venda dessa borracha, trazida, como diria o clássico, sob los rios que vão. - GUSTAVO BARROSO - À margem da história do Ceará.
E quem invoca:
"Ai meu São Benedito!"
"Ai meu São Jorge!"
"Ai meu São Cipriano!"
"Ai meu são salamargo"
Ai minha santa piriquita!?
Nenhum comentário:
Postar um comentário