29 de março de 2021, 12h18
O garantismo é em defesa do réu. Juiz não é parte, não é herói. Juiz não combate, a essencialidade do magistrado é julgar. A legitimidade democrática do juiz deriva da constituição, e não da vontade da maioria. O juiz, acima de tudo, deve ser garantidor.
A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (23/3) declarou o ex-juiz Sergio Moro parcial quando do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá, por três votos a dois.
Para além do espectro político-ideológico, é necessário fazermos uma análise do que essa decisão significa para o Estado democrático de Direito. Nessas idas e vindas, é necessário deixar as ilações pífias de lado e se ater à dinâmica processual. Não se faz mãos limpas sujando as mãos. Não vale tudo, vale a regra.
Inicialmente, impende asseverar, que as consequências jurídicas do reconhecimento de uma parcialidade são muito graves, isso porque faz com que todos os atos processuais sejam considerados nulos, remediando o processo à estaca zero.
Moro, à época, investido de jurisdição, teve atuação grave, polarizou o processo, tomou para si a qualidade de justiceiro, mercadejou com a toga e corrompeu o sistema de Justiça criminal. O objetivo de Moro e seus asseclas era inviabilizar de forma definitiva a participação de Lula no cenário político. Em bom português, Moro usurpou-se da qualidade de juiz, passando de juiz a mero perseguidor.
De saída, cumpre consignar que o combate à corrupção é premissa essencial e digno de elogio, no entanto, é necessário saber como realizar esse enfrentamento. O combate à corrupção deve, portanto, ser feito dentro dos ditames legais.
Não foi o que vislumbramos na operação "lava jato", os autos revelaram uma cadeia sucessiva de atos lesivos ao compromisso com a imparcialidade. Realizou-se um enfrentamento às avessas, a "lava jato" destoou o surgimento funcional do maior escândalo judicial do sistema de Justiça criminal da história da República. É de corar de vergonha.
Querer aduzir que o Habeas Corpus (da defesa do ex-presidente Lula) se baseava nas mensagens entre o ex-magistrado e procuradores que atuaram na "lava jato" é argumento boçal e descabido, desprovido de qualquer conhecimento técnico jurídico.
Em bom mineirês: "Não me atazana, larga mão de conversa fiada, sô!". Quem age de tal modo sequer leu o HC da defesa. O contexto do remédio constitucional trazia à tona farto conteúdo probatório de ilegalidades, as quais eram públicas e notórias.
Em sua exposição, após voto do ministro Kassio Nunes, o ministro Gilmar Mendes pontuou: "É possível dizer que em algum lugar em que impere o Estado Democrático de Direito se possa ter esse tipo de prática? E que isso encontra abrigo na Constituição Federal de 1988? Nem o mais cínico dos autores poderia defender isso. É disso que estamos falando. Interceptação de advogados, continuidade de interceptação, acesso a conversas. E depois (Moro) diz que ainda não se permitiu vazar (as conversas). É possível chancelar isso?".
Precisamos nos incomodar com isso. Moro despertou na comunidade jurídica e, principalmente, na classe da advocacia uma revolta com tudo o que foi desvelado até aqui. Nada é capaz de defender o consórcio de justiceiros espúrio que ali se formou.
O professor Aury Lopes adverte: "A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz que dá inequívocos sinais de que há decidiu a causa". E continua: "Grave inconveniente reside em tais argumentos a priori, na medida em que a decisão é tomada de forma precipitada, antes da plena cognição do feito, fulminando a própria dialética do processo e seu necessário contraditório". (LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 534)
O STF salvou o futuro do Direito, Moro foi herege, a lei triunfou. O dia 23 de março de 2021 ficará nos anais, e não apenas na história da Suprema Corte. Saem fortalecidos o sistema de Justiça e a importância do devido processo legal. Todo e qualquer cidadão merece um julgamento justo.
"Na verdade da justiça está a vida, e no caminho da sua carreira não há morte" (Provérbios 12-28).
Paulo Marques é pós-graduando em Ciências Criminais na FDRP/USP.
Revista Consultor Jurídico, 29 de março de 2021, 12h18
Nenhum comentário:
Postar um comentário