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domingo, 25 de setembro de 2022

Eduardo Banks se destaca como ativista em defesa do Estado laico




O jornalista e escritor tem movido com frequência o Ministério Público para que seja respeitada a separação entre Igreja e Estado. Em oito anos, conseguiu que a Justiça considerasse procedentes treze ações de inconstitucionalidade e outras dez aguardam decisão


PAULO LOPES / entrevista
jornalista


Muitos defendem a laicidade de Estado, mas só na retórica, porque poucos, pouquíssimos, na prática agem contra o vergonhoso sequestro da administração pública por igrejas e seus políticos e pelo fanatismo religioso, embora, para uma reação, baste o envio de uma representação ao Ministério Público.

O jornalista e ateu militante Eduardo Banks, 43, é uma honrosa exceção porque em oito anos de militância em defesa do Estado laico conseguiu que a Justiça considerasse procedentes treze ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) e, por iniciativa sua, dez outras aguardam manifestação do Ministério Público. Um balanço que, na avaliação dele, supera o de entidades criadas com o propósito, entre outros, de lutar pela separação entre Estado e Igreja.

As representações de Banks têm conseguido, por exemplo, que escolas públicas sejam impedidas de serem usadas para fins religiosos, que a leitura da Bíblia faça parte do regimento interno de casas do legislativo e que não haja privilégio na concessão a templos de alvarás de funcionamento.

Escritor, Banks estuda letras e língua Portuguesa na Unirio e faz estágio em um escritório de advocacia. "Sou um autodidata em direito", diz.

Na entrevista abaixo (cujas perguntas e respostas foram feitas por escrito), Banks fala sobre sua militância em prol da laicidade de Estado, dando inclusive orientação como qualquer cidadão pode recorrer ao Ministério Público sem ter gasto.

Ele também critica ateus e agnósticos que gastam "energia na rede social com memes anti-cristãos", com postagens para outros ateus, em vez de agirem para mostrar à sociedade "que nós existimos", seguindo o movimento LGBT.

"A militância ateísta precisa estar nas ruas, nas universidades, nos estabelecimentos de ensino e nos órgãos de controle geridos pelos Poderes Públicos, para que as garantias constitucionais da laicidade do Estado sejam respeitadas."


Banks, paladino da laicidade de Estado

ENTREVISTA

Em um momento em que, como nunca, no Brasil a religião evangélica contamina a política e se infiltra na administração pública, você tem se destacado com várias representações ao Ministério Público em defesa da laicidade do Estado. Me faça um balanço desse trabalho, qual tem sido o resultado, cite alguns exemplos.

No dia 28 de agosto de 2014, eu saí de minha inação, depois de presenciar tantos e prolixos abusos cometidos pela bancada evangélica, e protocolizei a minha primeira notícia de fato junto à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, contra a Lei Estadual nº. 5.998/2011, de autoria do ex-deputado Edson Albertassi, “diácono” da “Assembléia de Deus” em Volta Redonda (depois, preso na Operação Cadeia Velha), que obrigava às bibliotecas públicas e privadas a manterem exemplares da “bíblia sagrada” em seus acervos, sob pena de multa de 1.000 (mil) unidades fiscais de referência do Estado do Rio de Janeiro (UFERJ), aplicada em dobro, no caso de “reincidência”.

Quatro dias depois, em 1º de Setembro de 2014, fiz o mesmo contra a Lei Municipal nº. 556/2014, do Município de São Gonçalo (RJ), que tinha igual previsão.

Ambas as notícias de fato resultaram na propositura de ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) propostas pelo Procurador Geral de Justiça, sob os números 0066288-37.2014.8.19.0000 e 018946-93.2015.8.19.0000, e julgadas procedentes pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para retirar do ordenamento essas leis.

Na sequência, vieram outras notícias de fato apresentadas por mim ao Ministério Público fluminense, contra a Lei Municipal nº. 4.960/2008, do Município do Rio de Janeiro, que dispensava às igrejas de divulgar as condições de segurança nos seus lugares de culto (ADI 0046452-44.2015.8.19.0000), contra a Lei Estadual nº. 4.295/2004 (uso de escolas públicas para encontros religiosos), do Estado do Rio de Janeiro (ADI 0061223-27.2015.8.19.0000), contra o artigo 2º da Lei Estadual nº. 4.471/2004 (estabelecimento de convênios com igrejas para tratar de dependência química), do Estado do Rio de Janeiro (ADI 0023796-93.2015.8.19.0000), contra a Lei Estadual nº. 6.998/2015 (direito de “objeção de consciência” por motivos religiosos), do Estado do Rio de Janeiro (ADI 0057920-68.2016.8.19.0000), contra a Lei Municipal nº. 4.567/2016, do Município de Nova Iguaçu (RJ), que proibia o ensino sobre a diversidade sexual em escolas públicas (ADI 0060740-89.2018.8.19.0000), contra a Lei Estadual nº. 7.380/2016 (criação dos “juízes eclesiásticos de paz”), do Estado do Rio de Janeiro (ADI 0023140-34.2018.8.19.0000), todas elas julgadas procedentes.

Passando a examinar as leis do Estado de São Paulo, representei, perante a PGJ-SP, contra a Lei Municipal nº. 3.791/2015, do Município de Santa Bárbara d’Oeste (proibição do uso de chips de identificação civil porque trazem o “número da besta”, 666), ADI 2208826-41.2016.8.26.0000; contra a Lei Municipal nº. 3.875/2016, também do Município de Santa Bárbara d’Oeste (dispensava às igrejas de apresentar projeto específico para a expedição de alvarás de funcionamento de seus templos), ADI 2137209-84.2017.8.26.0000.

Faço um parêntesis: ambas as leis de Santa Bárbara d’Oeste eram de autoria de um mesmo vereador, ligado à “Assembléia de Deus”. Quando foi derrubada a lei que proibia o “chip da besta” (como foi chamada), aquele vereador (não digo seu nome para não prestigiá-lo) declarou à imprensa que, pelo menos, tinha conseguido aprovar, na mesma semana, a lei que facilitava a expedição de alvarás de funcionamento para templos religiosos. Representei contra essa outra lei também, obtendo, como no outro caso, a declaração de inconstitucionalidade.

Continuando a escrutinar as leis do Estado de São Paulo, vieram minhas representações contra a Lei Estadual nº. 16.648/2018 (remição de penas pela leitura de livros religiosos), resultando na ADI 2182765-41.2019.8.26.0000, cujo julgamento de procedência restou confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, em Acórdão da lavra do Ministro Edson Fachin; contra o artigo 121, caput, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Piracicaba (leituras bíblicas na abertura das sessões), resultante na ADI 2060503-84.2022.8.26.0000, julgada procedente no dia 8 de setembro de 2022.

No momento, aguardo que a Procuradora Geral de Justiça ajuíze ADIs contra normas semelhantes dos Regimentos Internos da Câmaras Municipais de São Carlos, Araçatuba, Araraquara, Engenheiro Coelho, Artur Nogueira e Holambra, cujas notícias de fato/representações se encontram em andamento no Ministério Público.

Olhei o Estado da Paraíba, e vi que aquela terra está cheia de fanatismo. Representei contra a Lei Municipal nº. 7.280/2019, do Município de Campina Grande (leituras bíblicas nas escolas, na abertura dos turnos de aulas) e 7.290/2019, também de Campina Grande (proibição de exposições artísticas que blasfemem de símbolos religiosos). A primeira, já foi julgada procedente em 9 de agosto de 2022 (ADI 0805997-05.2021.8.15.0000), e a segunda (ADI 0812246-69.2021.8.15.0000), está conclusa para despacho ao Desembargador Relator desde 14 de março de 2022.

Representei também contra o § 7º do artigo 125 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Campina Grande (leitura bíblica e invocação do “nome de Deus” na abertura das sessões), contra o artigo 94, caput e o artigo 95, inciso I do Regimento Interno da Câmara Municipal de Bananeiras, com o mesmo teor, e contra a Lei Municipal nº. 869/2020, também de Bananeiras (leituras bíblicas nas escolas), aguardando que a Procuradoria Geral de Justiça conclua a instrução das notícias de fato e ajuíze as ações de inconstitucionalidade.

Perante o Procurador Geral de Justiça do Estado do Ceará, pedi a propositura de ADI contra as leis Estaduais números 15.718/2014 e 17.166/2020, que tratam de remissão de penas, inclusive pela leitura de livros religiosos, também aguardando a conclusão da instrução no Ministério Público.

Enfim, o “balanço” que tenho a fazer é de 13 (treze) ações diretas de inconstitucionalidade já julgadas procedentes pelo Poder Judiciário, uma em andamento na Justiça e dez aguardando deliberação no Ministério Público.

Em oito anos de militância em prol da laicidade do Estado, o que fiz sozinho tanto quanto uma entidade forte e combativa, como a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) conseguiu em quatorze anos de existência. Tenho a honra de ser filiado à ATEA desde 11 de agosto de 2014, e compartilho os meus êxitos com todos os ateus e agnósticos do Brasil.

Você tem mostrado ser possível tomar iniciativas em defesa do Estado laico, obtendo êxito em vários casos. Então por que poucas pessoas e mesmo organizações laicas pouco se envolvem nessa militância, diferentemente do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos? Quais seriam as causas?

Atribuo à falta de conscientização da população em geral (não somente dos ateus e agnósticos) sobre a possibilidade de controle jurisdicional sobre os atos dos Poderes Legislativo e Executivo.

Vejo isso pela grande quantidade de leis inconstitucionais que são aprovadas pelas Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas, e até pelo Congresso Nacional, e poucas são questionadas como deveriam sê-lo.

Quase tudo o que os parlamentos legislam tem algum vício, ainda que de iniciativa: as Constituições Estaduais conferem pouca autonomia aos deputados estaduais e vereadores; as matérias mais importantes são reservadas à iniciativa dos governadores e prefeitos, mas eles evitam propor leis sobre assuntos polêmicos, preferindo usar de parlamentares aliados para assumirem a autoria.

Assim, deputados e vereadores conseguem aparecer perante o eleitorado como responsáveis pelas leis, e os governadores e prefeitos apenas as sancionam. Só que a sanção a um projeto com vício de iniciativa não a convalida. O projeto que nasce inconstitucional se torna uma lei inconstitucional.

Falta esclarecimento à população quanto à própria existência de um canal aberto junto ao Ministério Público. As Procuradorias de Justiça estão com as portas abertas a qualquer do povo que deseje denunciar uma lei ou decreto inconstitucional. A população só precisa saber que tem esse poderoso canal à sua disposição.

Eu mesmo, sozinho, não tenho condições de abarcar a tudo o que é feito nos 5.568 Municípios brasileiros e 27 Unidades Federativas (26 Estados e mais o Distrito Federal). Comecei por argüir a inconstitucionalidade das leis do meu próprio Estado (sou carioca, atualmente com domicílio estabelecido em Itaperuna, Noroeste Fluminense), e do vizinho Estado de São Paulo. Com a recente informatização dos Ministérios Públicos Estaduais, posso hoje enviar notícias de fato pela internet (antes, eu tinha que enviar minhas representações por correio).

E os ateus? Nem deles há uma reação consistente ao enfraquecimento da laicidade de Estado. Há ateus no Facebook postando memes para outros ateus, eles também estão no Youtube falando sobre as incontáveis contradições da Bíblia e ateus entrevistando ateus.Vivem isolados em seu mundo. O que você tem a dizer do movimento ateísta, se é que ele existe ou chegou a existir no Brasil?

De fato, a militância ateísta possui algumas deficiências que reclamam autocrítica. A maioria dos ateus e agnósticos perde tempo e gasta energia em veicular memes anti-cristãos nas redes sociais.

Esse trabalho tem a sua importância, pois ajuda a mostrar perante a população que nós existimos, e não temos nenhum temor reverencial pelos valores religiosos, mas não conseguiremos mudança nenhuma na sociedade se ficarmos apenas nisso.

A militância ateísta precisa se fazer presente nas ruas, nas universidades, nos estabelecimentos de ensino em geral, e nos órgãos de controle geridos pelos Poderes Públicos, para que as garantias constitucionais previstas nos artigos 5º., incisos VI e IX e 19, inciso I sejam escorreitamente respeitadas.

Temos diante de nossos olhos o exemplo bem-sucedido da combativa militância LGBT, que muito tem a nos ensinar. Os ativistas que lutam pelos direitos dos LGBT’s não vivem de publicar memes no Facebook contra a homofobia. Eles partem para o confronto, denunciando qualquer ato homofóbico, com o que geram as punições dos agentes discriminadores, e grangeiam maior afirmação legal de suas garantias. Foi assim que em cerca de vinte anos de militância organizada (se tomarmos como “ponto de partida” a realização da primeira parada do Orgulho LGBT de São Paulo, em 1997) o ativismo conseguiu que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse, em 2011, o direito às uniões homoafetivas, e depois, em 2019, criminalizar a homotransfobia como species do racismo, dando a correta interpretação à Lei nº. 7.716/89.

Os ateus e agnósticos ainda precisam aprender como saírem dos seus armários, “dar a cara a tapa”, e lutar não somente pelo nosso próprio direito à existência, mas para coibir os abusos dos religiosos que querem minar a Laicidade do Estado com leis absurdas.

As igrejas evangélicas também instrumentalizam a sua própria militância, em que tentam fazer da laicidade do Estado uma “letra morta”. Quando aprovam leis que instituem a obrigatoriedade da bíblia em prédios públicos, os evangélicos tripudiam da laicidade.

Os ateus e agnósticos devem se levantar e, parodiando o lema feminista “tirem seus rosários dos nossos ovários”, devem lutar para que “tirem suas bíblias das nossas mobílias”.

Aqui eu também faço uma observação semelhante à do vice-presidente civil Pedro Aleixo, aquando da edição do odioso Ato Institucional nº. 5; ele notou que, no papel, o AI-5 era juridicamente (do ponto de vista técnico) algo razoável, mas “o problema é o guarda da esquina”, ou seja, a aplicação prática que a medida receberia ao ser invocado por autoridades de menor escalão, propensas a agir com intensa arbitrariedade.

Analogicamente ao “guarda da esquina”, existe o “moço do ônibus” e o seu pastor. A laicidade estatal é mais ameaçada pelo “moço do ônibus” do que por governantes.

Quero dizer que os jovens recém-convertidos que ingressam em coletivos e tentam atrair pessoas para as suas igrejas, além de praticarem conduta vedada (no Estado do Rio de Janeiro, o Poder Judiciário proibiu as pregações religiosas nos trens urbanos, no processo nº. 0221325-98.2007.8.19.0001), tornam-se propagadores de valores retrógrados e pulverizam ataques a ateus e LGBT’s, com uma tolerância injustificada por parte dos demais passageiros, que não os expulsam nem pedem aos motoristas para retirá-los.

Se em vez de “pregar o Evangelho”, o “moço do ônibus” bolinasse alguém, sairia preso, e com toda a razão, porque já existe a consciência de que o abuso, principalmente contra passageiras, é intolerável. Então, por que tolerar alguém que “perturba o silêncio da viagem” recitando trechos da bíblia em voz alta nos coletivos?

Agora, a sentença no processo nº. 0221325-98.2007.8.19.0001 não condenou a concessionária Supervia a coibir os cultos, mas apenas a informar, mediante placas dentro dos coletivos, que os cultos são proibidos. Cabe a qualquer cidadão tomar a iniciativa para expulsar dos vagões àqueles que insistem na conduta vedada, inclusive chamando os seguranças das estações para retirada dos “moços” que pregam.

A militância precisa se espraiar, no sentido horizontal, de cidadão a cidadão, e não apenas no plano vertical, contra os atos das autoridades constituídas. Também é importante construir interlocuções com outros grupos minoritários, que sofrem ataques de intolerância religiosa, mesmo que não concordemos com as premissas das crenças deles.

O diálogo pressupõe a aceitação da existência do outro, e não a concordância com tudo o que ele diz. Por exemplo, os judeus e os seguidores das religiões de matriz africana jamais praticam o proselitismo: não forçam ninguém a seguir as suas crenças, e são altamente discriminados, aqueles, pelos goyim, e estes, pelos evangélicos.

Assim, esses discriminados devem ser vistos pelos ateus e agnósticos como aliados naturais, dentro do meio religioso, porque seguem formas de religião mais limpas do que as que são intolerantes e pretendem a universalização.

Os satanistas, a seu turno, em sua maioria, sequer acreditam no “diabo” como uma entidade pessoal com existência própria, mas são igualmente atacados, como se fomentassem “o mal” em sociedade, com o que deveríamos abrir um diálogo respeitoso e proveitoso com eles.

O “mal”, para mim, é atirar pedra em criança vestida de branco, expulsar babalorixás e ialorixás de comunidades carentes, invadir e fechar terreiros.

Durante a “República Velha”, o espiritismo kardecista sofreu perseguição do Estado (médiuns e tribunos foram até presos), mas partiu para o revide e invocou não os espíritos dos mortos, mas a proteção da Justiça, e ninguém mais tem cojones de perturbar as atividades dos centros espíritas. “Ide, e pregai o Evangelho a toda a criatura” deveria ser um crime contra a Humanidade.

Realmente há pessoas que deixam de questionar a inconstitucionalidade (ou suposta) de decretos e medidas administrativas por desconhecer as atribuições do Ministério Público. No caso da defesa da laicidade de Estado, você poderia fazer um resumo sobre o que o cidadão tem de fazer? Há custos? É preciso contratar um advogado?

O procedimento é bastante simples, NINGUÉM PRECISA DE ADVOGADO PARA IR AO MINISTÉRIO PÚBLICO. É preciso que se entenda bem o seguinte: os atos privativos de advogado são os que envolvem a “postulação” aos órgãos do Poder Judiciário. Isto significa que para se dirigir a um JUIZ (“postulação”) é preciso estar patrocinado por advogado (ou defensor público). Só que os membros do Ministério Público (Promotores de Justiça e Procuradores de Justiça), NÃO SÃO JUÍZES, então, eles recebem qualquer cidadão, por escrito ou pessoalmente. Já tive reuniões com promotores e procuradores, e eu mesmo NÃO SOU FORMADO EM DIREITO.

Para ser mais didático, disponibilizo o link para a pasta “Modelo de Representação ao Ministério Público”, contendo a íntegra (em word, podendo ser baixada e editada livremente) da minha primeira notícia de fato, contra a “Lei das Bíblias” do Estado do Rio de Janeiro, e os arquivos PDF principais da ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: https://drive.google.com/drive/folders/1bwPLqkO_uUh5ER7E4v2-1eqvSw4-RGas?usp=sharing (a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro chegou a recorrer ao STF, mas o Ministro Celso de Mello negou provimento, mantendo o julgado do Órgão Especial do Tribunal de Justiça Fluminense, pontuando o valor da Laicidade do Estado).

De fato, é “recomendável” que a parte que não entende nada de Direito consulte advogado, mas não é obrigatório, quando se trata de comunicar a ocorrência de crime, ou de edição de lei inconstitucional, ou de algum desastre ambiental, maus-tratos a criança, adolescente ou idoso, etc.

Somente em juízo é obrigatório estar assistido por advogado, não para comunicar a ocorrência de alguma ilegalidade ao Ministério Público. E o Ministério Público, quando reconhece a existência da ilicitude (ou da inconstitucionalidade), deflagra a ação perante o Poder Judiciário por ele mesmo, sem que o cidadão que deu a notícia do fato tenha que depois se manifestar.

O custo para provocar o Ministério Público é ínfimo. Não existe exigência de recolhimento de qualquer valor, ou despesa, para se dirigir ao MP. Basta redigir uma “carta” para o Procurador Geral de Justiça do seu Estado, informando que foi aprovada uma lei inconstitucional, dizendo qual é o teor da lei, quando foi sancionada, em que Diário Oficial pode ser lida, ou o link do site onde está a sua íntegra; se possível, qual o número do projeto que tramitou na Câmara Municipal ou na Assembléia Legislativa, e resultou na lei impugnada, pois a inconstitucionalidade pode ser apenas pelo vício de iniciativa.

Em muitas matérias, o simples fato de o projeto ser de autoria de um vereador ou deputado, e não do prefeito ou do fovernador, é o suficiente para derrubar a lei inteira (por exemplo, leis que criem obrigações para Secretarias de Governo, que precisam ser de autoria do Poder Executivo), e pedir que o Procurador Geral se digne se ajuizar ação direta de inconstitucionalidade.

No Direito dos Estados Unidos, qualquer pessoa pode propor uma injunction contra lei inconstitucional, mas no Brasil, os legitimados são definidos na Constituição Federal, e nas Constituições dos Estados.

O Procurador Geral da República é legitimado universal a propor ADI no Supremo Tribunal Federal, contra leis federais, ou estaduais (não é possível ajuizar ADI contra lei municipal diretamente no STF).

Nos Estados, a competência universal é do Procurador Geral de Justiça, e o Tribunal de Justiça local julga ADI tanto contra leis do próprio Estado, quanto dos Municípios, quando conflitam com a Constituição Estadual.

Também são, em regra, legitimados, a Ordem dos Advogados do Brasil, os partidos políticos com representação na Assembléia Legislativa, ou, no caso de leis municipais, na Câmara Municipal de onde proveio a norma, as Confederações Sindicais, etc.

Nos Estados do Rio de Janeiro e do Paraná, os deputados estaduais, individualmente, também podem propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade (e o Supremo Tribunal Federal já confirmou a legitimidade dessa capacidade “individual”), mas o melhor caminho, ao meu ver, é sempre com o Ministério Público, que em regra não aceita pressões, nem se curva a interesses políticos locais, e jamais teve medo de desafiar “poderosos” (um ou outro promotor de comarca do interior pode ser venal; mas o Procurador Geral de Justiça não tem “rabo preso” com político nenhum).

A maioria das Constituições Estaduais reproduz a cláusula de laicidade do Estado prevista no artigo 19, inciso I, da Constituição Federal.

No caso do Estado do Rio de Janeiro, a Constituição Estadual prevê a laicidade no artigo 77, inciso I (com a mesma redação). Na Constituição da Paraíba, é o artigo 6º., § 6º. No Estado de São Paulo, não existe menção expressa à Laicidade do Estado, mas o artigo 1º da Constituição Estadual diz que o Estado de São Paulo “exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal”, então, por via transversal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem considerado como “incluída” a Laicidade do Estado na Constituição Bandeirante, por força do que dispõe o seu artigo 1º, já que o inciso I do artigo 19 da Lei Maior veda à União, ao Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”.

Se lei municipal ou estadual determina que os estudantes devem ser obrigados a rezar ou orar antes dos turnos de aula, ou lerem versículos da bíblia, a norma é inconstitucional porque estabelece culto religioso em serviço público (ou viola à iniciativa das escolas particulares), e inexistindo regramento nesse sentido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que regulamenta em nível federal, de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Caso existisse na LDBE (lei federal), seria da mesma forma inconstitucional, por conflitar com princípio fundamental da Carta Magna, aí cabendo ao Supremo Tribunal Federal fazer o controle concentrado de constitucionalidade, provocado pela Procuradoria Geral da República, ou outro legitimado.

Nos últimos tempos, o Ministério Público (instituição permanente, de caráter nacional, repartida em suas competências entre a União e os Estados e mais o Distrito Federal) tem se informatizado, logo, é possível apresentar “notícias de fato” nos sites do MP de cada Estado.

No Rio de Janeiro, como é o Estado onde resido, eu costumo ainda protocolizar por petição física (impressa), na Divisão de Protocolo, situada no térreo do prédio da Procuradoria Geral de Justiça, na Avenida Marechal Câmara, nº. 370, bairro Castelo.

No caso específico da laicidade do Estado, caso o cidadão tome conhecimento (pelos jornais, rádio, internet ou de “ouvir dizer”) sobre a aprovação de alguma lei que estabeleça qualquer privilégio indevido a organizações religiosas, favoreça o proselitismo por qualquer meio, obrigue a “leituras bíblicas” em estabelecimento de ensino ou repartições públicas, crie cargos adicionais de “capelão” ou “pastor”, apenas para citar os exemplos mais comuns, deve examinar nas páginas oficiais da Câmara Municipal ou da Assembléia Legislativa se a lei, de fato, existe. Existindo, anote-se o número da lei, a data de sua sanção, faça download de seu inteiro teor, e, se possível, anote o Diário Oficial onde foi publicada, e o número do projeto que a originou, e comunique ao Ministério Público.

Não conta o mero “projeto de lei” porque não existe a inconstitucionalidade de lei em tese; por exemplo, desde 2019 tramita no Congresso Nacional hediondo projeto que visa proibir livros que usem o nome “bíblia” em seus títulos, sem se tratarem da “sagrada escritura” dos cristãos, o que poderia se prestar à censura da “Bíblia Satânica” de Anton Szandor LaVey ou da “Bíblia do Diabo” de Luiz Howarth, o que é flagrantemente inconstitucional, por conflitar com a garantia da liberdade de expressão (artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal), e porque o termo “bíblia” é de uso comum, sem proteção de Direitos Autorais; só que “projeto de lei” não é LEI (é “lei em tese”), e apenas se for promulgado é que poderá ser objeto de controle de constitucionalidade.

Tudo o que fiz, consegui agindo como um simples cidadão, podendo qualquer outro cidadão obter êxitos semelhantes, na sua cidade e no seu Estado.

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