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domingo, 25 de setembro de 2022

O inspirador de SÉRGIO MORO e tantos outros magistrados que conhecemos

Roland Freisler, o juiz fanático do nazismo
25 de setembro de 2022, 8h00

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy


Roland Freisler é o mais acabado exemplo de juiz nazista e fanático, que confundia as funções de acusação e de julgamento. 
Brutal e sarcástico, Freisler era menos um juiz do que um jurista do partido ao qual servia. 
Crítico de qualquer concepção jurídica liberal, Freisler insistia na inafastabilidade dos conceitos de Povo, Jurista e Direito; o Direito, na concepção de Freisler, deveria substancializar o espírito do nacional-socialismo (Den Geist des Nationalsozialismus). 
É um juiz de triste memória.


Na Primeira Guerra Mundial, lutando pela Alemanha, Freisler foi capturado pelos russos e ficou preso na Sibéria por dois anos; aprendeu russo e passou a acreditar no comunismo, situação que posteriormente lhe criou problemas entre os líderes da Alemanha nazista. Esse fato, de que teria simpatizado com o comunismo, teria suscitado uma aversão, por parte de Hitler, que nunca contou com Freisler entre seus companheiros mais próximos, ainda que esse maníaco juiz represente sem dúvidas a obsessiva aplicação apaixonada e maníaca do direito nazista. Freisler não foi um juspositivista; pelo contrário, julgava exatamente nos termos de uma concepção hermenêutica flexível, volúvel, adaptável, que reputava inspirada pelas orientações do "Führer". Pode ser um engano confundir o juspositivismo com os postulados do direito nazista.

Libertado pelos russos, Freisler estudou Direito em Viena, advogou em Kassel e entrou para o Partido Nazista em 1924; em 1932 foi designado representante dos nazistas na legislatura prussiana, em 1934 passou a secretariar o ministro da Justiça no combate a sabotagem, bem como participou de uma comissão para reforma do Código Penal Alemão. Em 1942 participou da conferência de Wansee, ocasião na qual os nazistas discutiram o que reputavam como a "solução final do problema judaico". Por essa razão, não se pode afirmar que Freisler desconhecia os fatos que ocorriam nos campos de concentração.

Freisler morreu no tribunal, presidindo uma sessão de julgamento por traição, em 3 de fevereiro de 1945, quando uma bomba jogada pelos aliados atingiu o edifício no qual funcionava o tribunal. Ambicioso, Freisler não pretendia consolidar o Tribunal do Povo, no qual trabalhava, como uma instituição jurídica paralela ao sistema judiciário germânico; seu objetivo era que o tribunal se tornasse a Suprema Corte Alemã. Com essa finalidade, Freisler lutou para expandir o núcleo de competências do tribunal, firme na convicção de que todo desvio comportamental punível pelo direito nazista consistia exatamente em delito contra o "Führer" e, consequentemente, contra a Alemanha.

Freisler notabilizou-se definitivamente em episódio da história alemã conhecido como Operação Valquíria, que consistiu num plano militar para o assassinato de Hitler. Foi nesse julgamento que Roland Freisler esbravejou, agrediu verbalmente os envolvidos, fanaticamente gritando que o "Führer" e o povo alemão formavam uma só pessoa, e que os acusados faltaram com a lealdade para com toda a nação alemã.

A Operação Valquíria foi liderada pelo Coronel von Stauffenberg. Reconhecido militar, fora ferido na Tunísia, no início da guerra, quando, na explosão de um carro, perdeu o olho direito, o braço esquerdo e três dedos da mão direita. Era um herói militar. Esse movimento que objetiva assassinar Hitler também foi liderado por outro militar, Henning von Tresckow. Esses militares se aproximaram de um outro grupo de opositores de Hitler, que se reconheciam como membros de uma confraria, o Círculo de Kreisau. Em geral, eram oficiais conservadores, mais preocupados com o que fazer com a Alemanha após o fim da guerra do que com as medidas práticas para a destruição do líder do nazismo.

Os conspiradores foram presos e julgados pelo Tribunal do Povo. Freisler conduziu todas as sessões. Focou no crime, não permitindo que os acusados fizessem declarações, obstaculizando que as razões justificadoras da conspiração fossem apresentadas. As motivações foram abafadas, o que estava em discussão era a tentativa de assassinato de Hitler, como um ato de traição. Hitler pretendia um julgamento sensacionalista, com ampla cobertura jornalística, objetivando um máximo de impacto no povo alemão. Os conspiradores, no entanto, eram militares, o que exigia uma corte marcial. Esta se reuniu e imediatamente expulsou os militares do Exército, justificando-se a competência do tribunal, cuja jurisdição era civil.

Por ordens de Goebbels o julgamento foi filmado; três microfones foram colocados junto a Freisler, que, não acostumado com o aparelho, gritava com estridência, o que ampliou o histrionismo de sua pessoa. Freisler teve vários acessos de raiva ao longo das sessões. Ao se aproximar para ser interrogado, Erwin von Witzleben fez a saudação nazista. O juiz reagiu, dizendo que se estivesse no lugar do acusado não faria a saudação alemã. Esta, segundo Freisler, somente poderia ser usada por pessoas de honra; gritando, disse a Witzleben que este deveria se sentir envergonhado do gesto.

A acusação consistia, objetivamente, na culpa por um atentado reputado como covarde, para assassinar Hitler, depor o regime nacional-socialista, usurpar o poder e acabar com a guerra por intermédio de uma negociação indigna para o povo alemão. Freisler, que julgava atuando como acusador também, vociferou que estava em face da maior traição já cometida contra o povo alemão. Discutiu com cada um dos acusados, condenando a todos, com base nos depoimentos tomados pela polícia do regime. Freisler conseguiu que um dos acusados confessasse que mentira para a polícia, pelo que o chamou de "hipócrita", aos gritos. Os réus foram executados no mesmo dia da proclamação da sentença de condenação, ao longo da própria audiência; foram enforcados com fios bem finos, de cordas de pianos, e em seguida foram pendurados em ganchos de açougue.

Roland Freisler é exemplo de um Judiciário absolutamente dependente do poder, durante um estado de exceção, no qual o julgador também é acusador. O processo penal tornou-se uma farsa. Todo o procedimento não passava de uma encenação. Todos os protagonistas desta pantomina sabiam onde tudo terminaria.
 é livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, advogado, consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2022, 8h00

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