12 de setembro de 2022, 17h54
Na hipótese de atraso de voo operado por companhia aérea, não se vislumbra que o dano moral possa ser presumido em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados pelo passageiro.
Reprodução Família judaica que recusou voo em dia sagrado não deve ser indenizada, diz TJ-SP
Com base nesse entendimento, a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou um pedido de indenização por danos morais e materiais feito por uma família judaica contra uma companhia aérea por atraso em um voo.
De acordo com os autos, a família ia de Tel-Aviv a Buenos Aires, com escala no aeroporto de Guarulhos, mas recebeu um e-mail da companhia aérea informando que haveria atraso no primeiro voo, o que faria com que eles perdessem a conexão em São Paulo. A empresa ofereceu realocação em outro voo em Guarulhos, mas, em razão de preceitos do judaísmo, a família não poderia viajar na sexta-feira à noite.
Trata-se do shabat, que começa com o pôr-do-sol da sexta-feira e termina ao anoitecer do sábado. Nesse período, os judeus se dedicam ao descanso e à oração. Por causa disso, a família acabou remarcando a viagem para três dias depois e alegou ter ficado sem assistência da companhia aérea, o que motivou o ajuizamento da ação. No entanto, a indenização foi negada em primeira e segunda instâncias.
Segundo o relator, desembargador Marco Fábio Morsello, dadas as características próprias do ramo do transporte aéreo, certos eventos denotam caráter extrínseco à atividade empreendida, não havendo que se falar em dano moral em todas as situações de atrasos e cancelamentos de voos, desde que resolvidos dentro de uma margem de tempo razoável.
"O Superior Tribunal de Justiça decidiu, recentemente, que os danos morais em transporte aéreo não mais devem ser considerados in re ipsa. Em outros termos, foi reconhecida, pelo aludido tribunal superior, a necessidade de arbitramento dos danos morais em tais eventos com base no concreto sofrimento vivido", afirmou.
O relator considerou que, após a comunicação do atraso no voo em Tel-Aviv, a companhia aérea se mostrou prestativa ao oferecer alternativas aos autores, "sendo certo que a primeira alternativa ofertada não pôde ser acolhida em decorrência de preceitos religiosos seguidos pelos requerentes". Ademais, prosseguiu, a empresa prestou informações prévias, claras e precisas sobre a alteração do horário dos voos e, mesmo com os atrasos, não há notícia de perda de compromissos inadiáveis.
"Não se nega que o primeiro voo disponível para que os autores chegassem ao seu destino seria realizado durante o período de shabat. Contudo, na linha das manifestações da douta magistrada e do ilustríssimo membro do Ministério Público, as consequências econômicas advindas da recusa de embarque neste voo não podem ser atribuídas à companhia aérea, pois que derivou de escolha pessoal dos próprios apelantes", completou.
Desse modo, o magistrado apontou o rompimento do nexo de causalidade, impedindo a responsabilização da empresa ré, nos termos do inciso II do § 3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Ele destacou que a maior parte do atraso não poderia ser atribuído à companhia aérea, uma vez que a necessidade de remarcação do voo oferecido pela empresa derivou de decisão pessoal dos autores.
"Desse modo, a escolha pessoal dos apelantes, ainda que respaldada por uma questão absolutamente respeitável e significativa, como é o caso da escusa religiosa, não impõe ao devedor o cumprimento da prestação de maneira mais gravosa (com o pagamento de diárias em hotel, transporte e alimentação, por exemplo), uma vez que nem o contrato de transporte nem a lei impõem ao fornecedor este dever."
A parcela de atraso atribuível à companhia aérea, segundo Morsello, não superou os limites do razoável, levando-se em consideração que se tratava de voo internacional, com conexão e que sequer trouxe custos adicionais aos passageiros: "Assim, não é possível imputar reparação extrapatrimonial à ré, seja pela ausência de ato ilícito, seja pela ausência de comprovação dos alegados danos". A decisão foi unânime.
Processo 1048704-23.2020.8.26.0100
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