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segunda-feira, 12 de setembro de 2022

As eminências - albardões, morros, montes, montanhas, serras - e sua importância ambiental, segundo a visão de JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA e da legislação posterior

Seria, por mera postura "comunista", tendente a obstar o desenvolvimento do nosso país, que os legisladores e governantes estão, desde 1934 (com o Código de Águas), portanto há quase cem anos, a implementar medidas de proteção ambiental?  

Atualmente, os dispositivos legais que regulam a proteção ambiental -  a começar pelo art. 225, da Constituição Federal -  somos levados a refletir sobre o espírito das disposições do Código Florestal, em cujo art. 4º, vemos escrito:

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: 

VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º , as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

Botânicos, historiadores, geógrafos, geólogos, biólogos, zoólogos, engenheiros florestais e outros cientistas, com amplos conhecimentos gerais, alertam, insistentemente sobre a possibilidade de mudanças climáticas radicais e seus reflexos e é neles que costumamos buscar argumentos, seja para aconselhar nossos clientes, seja para defendê-los, como nos compete, como advogados, no que tange a desmatamento, desrespeito a mananciais, edificação em encostas, dentre tantas outras situações, nas quais, não raramente, temos em conta, de outro lado, o direito à moradia digna e o denominado "desenvolvimento sustentável", os   quais também foram objeto de proteção constitucional.

Um dos cientistas-doutrinadores, autor de texto impressionante, a favor da proteção da vegetação das eminências e da natureza em geral, que tive oportunidade de consultar - pensando, nos vários lados da questão ambiental - data do século XIX e o seu autor, com formação acadêmica em grandes escolas da Europa, detentor de conhecimentos  indiscutíveis. 

Vejamos o que escreveu: 

 - Bem circunstanciada e muito particular descrição merecem do mesmo modo na nossa história os montes, os vales e os bosques que existem no país. Tratemos esta matéria com o respeito que ela exige e com a precisão inseparável de uma pequena memória. 

São os grandes montes no seu estado primitivo, e cobertos de bastos arvoredos, as respeitáveis muralhas com que a natureza quis cercar as terras destinadas à sustentação do homem, e defendê-las do insulto dos ventos, das neves, dos excessivos frios e das grandes calmas.

São eles ainda o reservatório das águas, o perene manancial das fontes e dos rios, a origem certíssima e a causa próxima e imediata da fertilidade dos vales, pois que para estes baixa diariamente a terra húmus, formada pelas diferentes matérias fermentáveis que se criam por toda a extensão dos mesmos montes. E as diversas espécies de estrume, animal e vegetal, mineral e misto, que ainda os homens menos instruídos sabem neles divisar. 

Se os montes servem de couto natural e do mais seguro asilo às bestas e animais ferozes, que aterram o homem e algumas vezes lhe fazem o maior Insulto e causam o último estrago, assaz vantajosas são as recompensa, e mui lucrosos os benefícios já descritos, que diariamente nos oferecem, e que todavia não ocupam o primeiro lugar na ordem dos bens que desfrutamos. 

As grandes árvores crescidas no cume das montanhas, são os condutores naturais dos raios e dos vapores pestilenciais dos vales: pelo ministério delas, conservada a nossa vida, defendidos os nossos gados e os nossos edifícios, desce a matéria elétrica a fertilizar a terra e a dar-lhe novas forças vegetativas, e sobem igualmente os vapores à região etérea, onde se purificam facilmente, como no mais perfeito laboratório, para deles recebermos com as chuvas repetidos e contínuos favores do autor da natureza. 

Crescem finalmente nos montes muitos animais de grande valor e préstimo, e quase Infinitas aves, de que tiramos incalculável proveito, não menos que das excelentes madeiras e dos frutos arbóreos, por não falar dos minerais, os quais nos fornecem mui saboroso alimento, sustentam os nossos gados, e até vão servir de origem à fertilidade e abundância dos peixes nos rios e nos mares vizinhos. 

Como, pois, se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? 

Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? 

A ignorância, sem dúvida. 

Ela foi quem na Europa conduziu a mão temerária do lavrador ignorante para despojar os montes do seu natural ornamento. 
Percebidas, porém, a conveniência, e a utilidade momentânea que derivou da mais terrível operação, logo os mesmos montes deixaram de ser o que dantes eram. 

Em lugar dos bens com que regalavam o homem, principiaram a causar-lhe os maiores danos, tomaram os ventos nova e prejudicial direção, secaram-se as fontes, ou pelo menos baixaram do seu antigo e primitivo nível, principiaram a regar lugares demasiadamente baixos, e não puderam mais as águas vivificantes fertilizar as terras altas; diminuíram nos rios a força e o peso que os enriquecia e fazia respeitáveis, obstruíram-se os seus álveos naturais pelas terras, e areias, precipitadas dos montes e correndo sem ordem, desolaram campos e vales, e, se não entulharam de  todo, tornaram perigosas e quase impraticáveis as barras, por onde desciam a prestar humilde vassalagem ao mar. 

Finalmente a prodigiosa e incalculável quantidade dos peixes, que em uma e outra parte multiplicava como alimento dos montes, desapareceu da maneira mais sensível, e quase de todos se extinguiram os outros bens que ficam referidos. Desta sorte, o desejo imoderado de cultivar tudo foi a primeira origem e a causa certíssima da escassez dos frutos, assim como dos trabalhos e sistemas agrários, pelo meio dos quais os modernos agricultores tentaram corrigir os erros dos seus passados. 

Queria a Providência que, instruídos pelos males estranhos, acautelemos em tempo os danos que ao depois não poderão remediar nossos vindouros.

- JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA - Necessidade de uma Academia de Agricultura no Brasil. 

É do mesmo autor citado, na continuação do texto já transcrito, o seguinte período:

Destruir matos virgens, nos quais a natureza nos ofertou com mão pródiga as melhores e mais preciosas madeiras do mundo, além de muitos outros frutos dignos de particular estimação, e sem causa, como até agora se tem praticado no Brasil, extravagância é insofrível, crime horrendo, e grande insulto feito à mesma natureza. 

Talvez ele, dentre outros defensores da natureza, tenha influenciado os pensamentos dos legisladores que colocaram em vigor a Lei federal nº 9.605, a qual elenca os crimes contra o meio ambiente e estabelece as correspondentes punições.

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