Ministério Público de Milão abriu formalmente um inquérito por suspeita corrupção internacional e, agora, está considerando o envio de uma rogatória para esclarecer as movimentações financeiras que deveriam ter sido registradas entre a Rússia e a Liga
Gina Marques
RFI
Roma (Itália)
19 de jul de 2019 às 15:21
Um escândalo envolvendo a Rússia e o partido de extrema-direita do vice-premiê e ministro do Interior Matteo Salvini, a Liga, está balançando o governo italiano. Por meio de um acordo bilionário de venda de petróleo, a Liga teria recebido até US$ 65 milhões para sua campanha nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio. O Ministério Público de Milão abriu formalmente uma investigação sobre o caso.
O escândalo surgiu com um áudio publicado recentemente pelo site Buzzfeed, além de outras revelações feitas pela revista italiana L'Espresso. Trata-se de uma gravação feita em 17 de outubro do ano passado no Metropol Hotel, em Moscou. A conversa envolve um total de seis pessoas: três italianos e três russos. No áudio, foi reconhecida a voz de Gianluca Savoini, presidente da associação Lombardia-Rússia e representante da Liga em Moscou. O advogado italiano Gianluca Meranda também participou do encontro.
No áudio, Savoini, que é um fiel aliado de Salvini, afirma: “Queremos mudar a Europa. Uma nova Europa deve ser próxima da Rússia porque queremos ter nossa soberania”. A questão principal não é a declaração ultranacionalista do representante da Liga e sim a suspeita corrupção internacional.
Segundo a imprensa, houve corrupção de funcionários russos em uma operação que levaria grandes companhias petrolíferas russas a vender três milhões de toneladas de querosene e gás por um preço mais baixo de pelos menos 4%. Esta redução do preço chegaria a US$ 65 milhões que teriam sido desviados para os cofres da Liga, ou seja, caixa dois.
Novas revelações da imprensa italiana
O semanário L'Espresso publicará no domingo (21/07) alguns documentos que comprovariam a existência de uma negociação que continuou após a reunião do hotel Metropol. Trata-se de uma proposta comercial dirigida às gigantes empresas petrolíferas russas Rosneft e Gazprom pela Euro-IB Ltd.
A proposta foi feita pelo banco de investimento de Londres, controlado pelo banqueiro alemão Alex Von Ungern-Sternberg. O advogado Gianluca Meranda - um dos homens presentes com Savoini no encontro no Metropol em Moscou - é conselheiro-geral e consultor jurídico deste banco.
Em 29 de outubro - 11 dias após a reunião do hotel - o banco teria preparado um documento para solicitar um fornecimento de petróleo. Esse pedido é assinado pelo italiano Glauco Verdoia, um executivo italiano especializado em negociação e finanças estruturadas.
O banco britânico queria comprar três milhões de toneladas de diesel: 250 mil toneladas por mês, por doze meses consecutivos. No documento publicado pelo L'Espresso, o banco indica um desconto de 6,5%. É exatamente o tipo de acordo que Savoini e cinco outros homens discutiram no Metropol.
De acordo com a revista, essa negociação teria continuado até fevereiro, ou seja, até três meses das eleições europeias, que resultaram no sucesso Liga de Matteo Salvini. Não está claro se as partes cumpriram o acordo, que viola a legislação italiana.
Facebook/Matteo Salvini
Financiamento russo a partidos italianos abriu crise na coalizão em Roma
Entre os documentos relevados pelo L'Espresso, está uma carta enviada em 1° de fevereiro de 2019, na qual a Gazprom se recusa a cooperar com o Euro-IB porque o banco britânico "não indicou em seu pedido quais são suas estruturas logísticas". Para o Gianluca Meranda, no entanto, isso seria "irrelevante" porque o banco "compra para vender à Eni, companhia petrolífera italiana que possui toda a infraestrutura logística para a compra". A Eni já negou o envolvimento nas negociações.
Investigações
As investigações começaram na semana passada. O Ministério Público de Milão abriu formalmente um inquérito por suspeita corrupção
internacional e, agora, ele está considerando o envio de uma rogatória
para esclarecer as movimentações financeiras que deveriam ter sido
registradas entre a Rússia e a Liga.
Os dois italianos que
participaram da reunião, Gianluca Savoini e Gianluca Merenda, foram
convocados em audiência judicial. Ambos compareceram as respectivas
audiências, mas optaram por não fazer declarações.
Reações políticas
No
próximo dia 24 de julho, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte,
vai falar no parlamento sobre a questão. O vice-premiê e ministro do
Interior, Matteo Salvini, negou receber financiamento de qualquer tipo
da Rússia depois da publicação da matéria alegando um acordo obscuro
entre italianos e russos para financiar seu partido com o "dinheiro do
petróleo" de Moscou.
No entanto, aumenta a tensão entre os aliados
de governo, a Liga e o Movimento 5 Estrelas. A coalizão parece estar em
ponto de ruptura. Os jornais italianos dão destaque a uma possível e
iminente crise de governo. O escândalo, chamado Russia Gate italiano,
pode ser a gota d'água.
Mas a popularidade de Salvini cresce. Segundo as últimas pesquisas divulgadas pelo canal de TV italiano La7,
Salvini registra uma preferencia popular de 37,7%. Em caso de eleições
antecipadas na Itália, seria uma vitoria esmagadora da extrema-direita.
Relações da extrema-direita europeia com a Rússia
O fascínio da extrema-direita europeia pela Rússia de Putin tem alguns precedentes sim. Um exemplo parecido com esta história do escândalo italiano é o que minou a carreira de Heinz-Christian Strache, secretário do FPÖ, flagrado por um vídeo que o mostrava prometendo favores a uma mulher que se dizia sobrinha de um oligarca russo em troca de financiamentos. Strache teve que renunciar, provocando uma crise no governo austríaco e a convocação de novas eleições em setembro.
Marine Le Pen, líder do partido francês de extrema-direita Reunião Nacional, recebeu em 2014 um total de € 11 milhões em empréstimos de bancos russos, um dos quais próximo do governo de Moscou.
O banqueiro britânico Arron Banks, um grande defensor do Brexit, foi investigado pela origem "suspeita" dos 8 milhões de libras doados à campanha "Leave" no referendo. Nesse mesmo período, os bancos contrataram investimentos em diamantes e ouro mediados pela embaixada russa em Londres.
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