Mal-estar com as imposições dos ultraortodoxos impulsiona o crescimento eleitoral do radical Lieberman
Cartaz eleitoral de Avigdor Lieberman nas ruas de Tel Aviv.JACK GUEZ (AFP)
Juan Carlos Sanz
Jerusalém - 20 Sep 2019 - 08:01 BRT
Os cidadãos de Ramat Gan, na Grande Tel Aviv, gostam de ir à praia aos sábados, o dia livre por excelência em Israel. Mas aqueles entre seus 150.000 habitantes que não têm veículo próprio não podem se permitir o passeio. Como quase toda a atividade econômica do Estado judaico, o transporte público se paralisa do entardecer da sexta-feira até o ocaso do dia seguinte, conforme a prescrição bíblica. Quando a Prefeitura de Ramat Gan tentou estabelecer, neste verão, um serviço de ônibus para que os moradores com menos recursos pudessem desfrutar da costa mediterrânea dos arredores, os partidos ultraortodoxos armaram um escarcéu contra a sacrílega violação da lei religiosa.
O mal-estar cresceu entre os israelenses laicos, uma maioria social nas grandes cidades da planície central do país, durante o último Governo de Benjamim Netanyahu, amparado pela coalizão mais conservadora da história de Israel, em que os partidos União da Torá e do Judaísmo, de ultrarreligiosos askenazitas, e o Shas, de base sefardita ou oriental, são decisivos. O peso de sua influência foi crescendo à medida que a legislatura avançou: se não se respeitasse o shabat, advertiam, eles retirariam seu apoio parlamentar ao primeiro-ministro. Chegou-se a cogitar a proibição dos jogos oficiais de futebol durante o dia sagrado dos judeus. Grupos de fanáticos percorrem as ruas do centro de Jerusalém para amaldiçoar em iídiche (dialeto judaico do alemão) os ímpios clientes dos cafés e restaurantes que permanecem abertos nas noites de sexta e durante o sábado.
Os haredis (religiosos praticantes) são parte de uma paisagem da Cidade Santa que faz soar chifres para declarar o fechamento do pitoresco bazar Mahane Yehuda, no início do shabat. Mas quando os ultraortodoxos radicados em zonas costeiras como Ashdod, ao sul de Tel Aviv, pretenderam impor o fechamento também aos pequenos supermercados de bairro, tolerados em muitas cidades, os israelenses originários da antiga URSS foram os primeiros a se rebelarem contra o diktat dos homens vestidos de presto. Avigdor Lieberman, líder do partido ultraconservador Israel Nosso Lar, logo detectou a onda de descontentamento em seu principal celeiro de eleitores e acabou abandonando a coalizão da grande direita de Netanyahu no final de 2018. Com olfato político, forçou uma nova eleição depois do bloqueio gerado no pleito legislativo de abril. Alegou que o Governo não tinha aprovado a reforma do serviço militar, que ele mesmo promoveu como ministro da Defesa, e vetou qualquer pacto de Governo com os ultraortodoxos se estes não aceitassem o alistamento militar dos alunos das yeshivas (seminários talmúdicos).
Lieberman foi o principal beneficiado nas urnas com sua estratégia de defesa do laicismo radical. Praticamente duplicou sua representação no Knesset, ao passar de cinco para nove assentos, e se transformou no fiel da balança que possui a chave da governabilidade. O centrista Benny Gantz também imprimiu no final da campanha uma guinada secular ao seu programa. A presença dos ultrarreligiosos em um Governo de unidade nacional se vê agora questionada, apesar de o partido Azul e Branco ter se aproximado no passado da União para a Torá e o Judaísmo em busca de um entendimento.
As mudanças demográficas experimentadas com as diferentes ondas migratórias para a Terra Santa há mais de um século marcaram os rumos políticos de Israel hoje em dia. Depois da inicial hegemonia institucional askenazita, esses judeus procedentes da Europa Oriental —que construíram o Estado hebraico e ainda constituem uma elite social— cederam terreno à onda de imigrantes mizrahis (sefarditas ou orientais) procedentes de países árabes e levantinos depois da criação do Estado judeu em 1948.
O crescimento parlamentar dos partidos ultrarreligiosos reflete o crescimento exponencial de suas comunidades, com uma média de meia dezena de filhos por família. Atualmente, os haredis representam 11% da população. As projeções demográficas indicam que seu peso demográfico pode triplicar dentro de três décadas.
A imigração de mais de um milhão de judeus procedentes da antiga URSS nos anos noventa do século passado reforçou os rumos conservadores do Estado judeu. A guinada para o laicismo oferecida por Lieberman lhes proporcionou um lugar central como força política no complexo caldeirão de Israel.
Cartaz eleitoral de Avigdor Lieberman nas ruas de Tel Aviv.JACK GUEZ (AFP)
Juan Carlos Sanz
Jerusalém - 20 Sep 2019 - 08:01 BRT
Os cidadãos de Ramat Gan, na Grande Tel Aviv, gostam de ir à praia aos sábados, o dia livre por excelência em Israel. Mas aqueles entre seus 150.000 habitantes que não têm veículo próprio não podem se permitir o passeio. Como quase toda a atividade econômica do Estado judaico, o transporte público se paralisa do entardecer da sexta-feira até o ocaso do dia seguinte, conforme a prescrição bíblica. Quando a Prefeitura de Ramat Gan tentou estabelecer, neste verão, um serviço de ônibus para que os moradores com menos recursos pudessem desfrutar da costa mediterrânea dos arredores, os partidos ultraortodoxos armaram um escarcéu contra a sacrílega violação da lei religiosa.
O mal-estar cresceu entre os israelenses laicos, uma maioria social nas grandes cidades da planície central do país, durante o último Governo de Benjamim Netanyahu, amparado pela coalizão mais conservadora da história de Israel, em que os partidos União da Torá e do Judaísmo, de ultrarreligiosos askenazitas, e o Shas, de base sefardita ou oriental, são decisivos. O peso de sua influência foi crescendo à medida que a legislatura avançou: se não se respeitasse o shabat, advertiam, eles retirariam seu apoio parlamentar ao primeiro-ministro. Chegou-se a cogitar a proibição dos jogos oficiais de futebol durante o dia sagrado dos judeus. Grupos de fanáticos percorrem as ruas do centro de Jerusalém para amaldiçoar em iídiche (dialeto judaico do alemão) os ímpios clientes dos cafés e restaurantes que permanecem abertos nas noites de sexta e durante o sábado.
Os haredis (religiosos praticantes) são parte de uma paisagem da Cidade Santa que faz soar chifres para declarar o fechamento do pitoresco bazar Mahane Yehuda, no início do shabat. Mas quando os ultraortodoxos radicados em zonas costeiras como Ashdod, ao sul de Tel Aviv, pretenderam impor o fechamento também aos pequenos supermercados de bairro, tolerados em muitas cidades, os israelenses originários da antiga URSS foram os primeiros a se rebelarem contra o diktat dos homens vestidos de presto. Avigdor Lieberman, líder do partido ultraconservador Israel Nosso Lar, logo detectou a onda de descontentamento em seu principal celeiro de eleitores e acabou abandonando a coalizão da grande direita de Netanyahu no final de 2018. Com olfato político, forçou uma nova eleição depois do bloqueio gerado no pleito legislativo de abril. Alegou que o Governo não tinha aprovado a reforma do serviço militar, que ele mesmo promoveu como ministro da Defesa, e vetou qualquer pacto de Governo com os ultraortodoxos se estes não aceitassem o alistamento militar dos alunos das yeshivas (seminários talmúdicos).
Lieberman foi o principal beneficiado nas urnas com sua estratégia de defesa do laicismo radical. Praticamente duplicou sua representação no Knesset, ao passar de cinco para nove assentos, e se transformou no fiel da balança que possui a chave da governabilidade. O centrista Benny Gantz também imprimiu no final da campanha uma guinada secular ao seu programa. A presença dos ultrarreligiosos em um Governo de unidade nacional se vê agora questionada, apesar de o partido Azul e Branco ter se aproximado no passado da União para a Torá e o Judaísmo em busca de um entendimento.
As mudanças demográficas experimentadas com as diferentes ondas migratórias para a Terra Santa há mais de um século marcaram os rumos políticos de Israel hoje em dia. Depois da inicial hegemonia institucional askenazita, esses judeus procedentes da Europa Oriental —que construíram o Estado hebraico e ainda constituem uma elite social— cederam terreno à onda de imigrantes mizrahis (sefarditas ou orientais) procedentes de países árabes e levantinos depois da criação do Estado judeu em 1948.
O crescimento parlamentar dos partidos ultrarreligiosos reflete o crescimento exponencial de suas comunidades, com uma média de meia dezena de filhos por família. Atualmente, os haredis representam 11% da população. As projeções demográficas indicam que seu peso demográfico pode triplicar dentro de três décadas.
A imigração de mais de um milhão de judeus procedentes da antiga URSS nos anos noventa do século passado reforçou os rumos conservadores do Estado judeu. A guinada para o laicismo oferecida por Lieberman lhes proporcionou um lugar central como força política no complexo caldeirão de Israel.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/19/internacional/1568844379_185888.html
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