Armadilha desonesta
22 de setembro de 2019, 10h45
Por Sérgio Rodas
“Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”, diz a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal. Com base nessa norma, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, trancou inquérito policial contra duas advogadas acusadas de estelionato, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso e denunciação caluniosa.
Em 9 de maio, as advogadas Carolina Araújo Braga Miraglia de Andrade e Mariana Farias Sauwen de Almeida acompanharam a cliente Izaura Garcia de Carvalho Mendes em ida à Delegacia de Combate à Pirataria do Rio. Na ocasião, Izaura, portando um falso registro da Biblioteca Nacional, acusou o padre Marcelo Rossi de plágio. O delegado Maurício Demétrio Afonso Alves então decretou a prisão em flagrante das três mulheres.
Ao julgar pedido de Habeas Corpus das duas advogadas, o desembargador Cairo Ítalo França David, relator do caso, afirmou que, no curso das investigações, o delegado já tinha constatado que era falso do registro da obra de Izaura Garcia na Biblioteca Nacional após entrar em contato com essa entidade.
Ainda assim, o delegado, “de forma sub-reptícia”, solicitando que as advogadas e a cliente fossem à delegacia, levando uma petição com cópia de toda a documentação do caso. Na ocasião, Maurício Alves ressaltou que seria de “suma importância a apresentação de tudo naquela data”.
“Verifica-se, dessa forma, que a atitude dissimulada e premeditada da autoridade policial configuraria um verdadeiro flagrante preparado, uma vez que levou as impetrantes a realizarem uma conduta que poderia não ter sido realizada em situação normal”, avaliou o desembargador, lembrando que a Súmula 145 do STF determina que não há crime em caso de flagrante preparado.
O magistrado destacou que o fato de as advogadas e a cliente terem comparecido à delegacia com a documentação solicitada demonstra a boa-fé delas. As mulheres, “achando que estavam auxiliando a investigação, foram surpreendidas com uma medida arbitrária e ilegal do delegado de polícia, que as prendeu em flagrante, sob a alegação de que o documento apresentado como sendo original da Biblioteca Nacional seria, em verdade, falso”, declarou o relator.
Assim, as advogadas não agiram com dolo, disse Cairo David. Pelo contrário: estavam “em pleno exercício do cumprimento de seus deveres legais”, amparadas pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).
O desembargador também afirmou que os crimes imputados às advogadas não comportam prisão em flagrante. Isso porque o Estatuto da Advocacia determina que o advogado só pode ser preso no exercício da profissão em caso de crime inafiançável (artigo 7º, parágrafo 3º).
“Não obstante, as advogadas, doutora Mariana e doutora Carolina, ficaram incomunicáveis dentro de uma delegacia de polícia por mais de três horas e depois foram transferidas para cela comum, incompatível com sala de Estado Maior”, criticou o magistrado.
Ofensas à OAB
A seccional do Rio de Janeiro da OAB afirmou que a decretação de prisão das advogadas no exercício da atividade foi ilegal e apresentou representação contra o delegado por abuso de autoridade no Ministério Público.
A pedido de Maurício Alves, o delegado Pablo Dacosta Sartori, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio, abriu inquérito contra os dirigentes da OAB-RJ para investigar a prática de uso de documento falso, denunciação caluniosa e associação criminosa e os convocou para prestar esclarecimentos.
Em seu relato, Alves afirma que representantes da Ordem estariam protocolando uma petição relatando supostos crimes e transgressões disciplinares cometidos por ele. No entanto, o delegado diz que os advogados praticaram “omissões criminosas” na acusação de abuso de autoridade e alega inocência. No inquérito, por duas vezes, os dirigentes são chamados de “os criminosos da OAB”.
O Conselho Federal impetrou Habeas Corpus para trancar a investigação. De acordo com a OAB, advogado não pode ser investigado por sua atuação profissional ou na Ordem. A petição é assinada pelos procuradores nacionais de Defesa das Prerrogativas Fernando Augusto Fernandes, Ana Karolina Sousa de Carvalho Nunes, Adriane Cristine Cabral Magalhães e Bruno Dias Cândido.
O juiz Paulo Roberto Sampaio Jangutta, da 41ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, concedeu Habeas Corpus para trancar inquérito contra o presidente da OAB-RJ, Luciano Bandeira, e os advogados Marcelo Augusto Lima de Oliveira, Victor Almeida Martins, e Raphael Capelleti Vitagliano, respectivamente, presidente, tesoureiro e subprocurador-geral de Prerrogativas da seccional.
Para o juiz, a criminalização de condutas que visam ao exercício da advocacia pode gerar forte ofensa ao Estado Democrático de Direito, pois o advogado é um "soldado" do acesso à Justiça.
Processo 0045016-11.2019.8.19.0000
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2019, 10h45
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