A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão liminar, suspendeu a proibição de viajar imposta a um casal do Rio de Janeiro que responde a ação de insolvência civil em razão de dívida superior a R$ 3 milhões. De forma unânime, o colegiado considerou que a medida coercitiva restringiu de forma desproporcional o direito fundamental de ir e vir.
"É profundamente lamentável a conduta do devedor, há mais de 13 anos protelando o andamento da insolvência. No entanto, penso que tal medida coercitiva é ilegal, uma vez que restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável", afirmou o relator do habeas corpus no STJ, ministro Luis Felipe Salomão.
O ministro destacou que, de acordo com o artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
Apesar de constituir instrumento genuíno para assegurar o cumprimento do comando judicial, o relator ponderou que a medida de incursão na esfera de direitos do executado, especialmente direitos fundamentais, não terá legitimidade e configurará coação reprovável quando estiver vazia de respaldo constitucional ou previsão legal, e se não for justificável como defesa de outro direito fundamental.
Segundo ele, os doutrinadores reconhecem que, diante das inúmeras possibilidades de aplicação do artigo 139, IV, é sempre imprescindível avaliar a proporcionalidade da medida, considerando sua adequação e necessidade.
No caso dos autos, Salomão entendeu que a proibição de viagens gera embaraço à liberdade de locomoção, a qual deve ser plena, tendo em vista que a medida de coerção atípica exige demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir o direito fundamental constitucional.
Além disso, lembrou que o STJ tem precedentes no sentido de que a obrigação prevista pelo artigo 104 da Lei de Recuperação e Falência — ainda que essa lei pudesse ser aplicada ao caso de insolvência civil — não possui caráter de pena, visando, ao contrário, simplesmente facilitar o curso da ação falimentar, tendo como objetivo a presença do falido para prestar esclarecimentos e participar dos atos processuais.
O dispositivo legal, ressaltou o ministro, não veda a possibilidade de viajar para fora da comarca; apenas a condiciona ao preenchimento de alguns requisitos, como a existência de justo motivo, a comunicação expressa ao juiz e a constituição de procurador.
"Dessa forma, consubstancia coação ilegal à liberdade de locomoção a decisão judicial que estabeleceu a proibição de viajar para fora da comarca em que tramita o processo de insolvência civil, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento" , concluiu o ministro. O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela 4ª Turma. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
HC 525.378
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O entendimento do TJ/SC não disrepa do adotado pelo STJ, senão vejamos:
Apelação Cível n. 0014512-37.2013.8.24.0018, de Chapecó
Relatora: Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA PARCIAL DE
DÉBITO C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, PERDAS E DANOS, LUCROS
CESSANTES E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIDA A
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA. TESE REJEITADA. DEVER DE AMBAS AS PARTES DE PRODUZIR
TODAS AS PROVAS CABÍVEIS. DEMANDADAS QUE SE DESINCUMBIRAM DO ÔNUS DE
COMPROVAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA. IRREGULARIDADE DA RETENÇÃO DO VEÍCULO
RECONHECIDA. AUTOTUTELA INAPLICÁVEL AO CASO. LUCROS CESSANTES.
INADMISSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. DANO MORAL. PESSOA
JURÍDICA. AUSÊNCIA DE OFENSA À HONRA OBJETIVA DA EMPRESA. PRECEDENTES
DESTA CORTE. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
0014512-37.2013.8.24.0018, da comarca de Chapecó (3ª Vara Cível) em que é
Apelante Guindastes Cordenuzzi Ltda ME e Apelados Bianor Celuppi ME/BR
Serviços Mecânicos e Eletrônicos e outro:
A Terceira
Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de
apelação e negar-lhe provimento. Custas legais.
O julgamento,
realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio
Sartorato, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Fernando
Carioni.
Florianópolis, 3 de setembro de 2019.
Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta
RELATORA
RELATÓRIO
Guindastes
Cordenunzzi Ltda. ME ajuizou ação declaratória de inexistência parcial
de débito cumulada com pedido de antecipação de tutela, perdas e danos,
lucros cessantes e danos morais contra Bianor Celuppi ME/BR Serviços
Mecânicos e Eletrônicos e BC Auto Peças e Serviços, alegando a cobrança
em duplicidade de peças trocadas do motor do caminhão Volkswagem/35300,
placa LYW9635, que ao apresentar problemas de funcionamento, foi
encaminhado à oficina mecânica
(primeira ré) para manutenção, tendo a segunda ré, parceira comercial da
primeira, fornecido as peças necessárias ao conserto do veículo.
O pedido liminar de reintegração de posse foi deferido (fls. 58/59) e o veículo devolvido a autora (fl. 67), regularmente processado o feito, foram apresentadas as alegações finais (fls. 193/196 e 200/206).
Na sentença, o
magistrado julgou improcedentes os pedidos iniciais, com fundamento no
artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, condenando a autora
ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em
15% (quinze por cento) sobre o valor da causa (fls. 207/211).
Inconformada,
a autora, nas razões recursais, requereu a procedência dos pedidos
iniciais para obter: 1
- a incidência do Código de Defesa do Consumidor, invertendo-se o ônus
da prova; 2
- a declaração de inexistência do débito no valor de R$ 4.929,48 (quatro
mil, novecentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos); 3
- a indenização por lucros cessante e danos morais em quantia a ser
fixada por esta Corte de Justiça.
Com as contrarrazões pela manutenção da sentença (fls. 232/252), vieram os autos conclusos.
VOTO
Trata-se de
recurso de apelação cível interposto pela parte autora em face da
sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, e a condenou ao
pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados
em 15% sobre o valor da causa.
Em
09/05/2013, a apelante contratou com as apeladas o conserto do motor do
caminhão e o fornecimento de peças para a realização dos reparos
necessários, entre elas o kit de camisas, pistões e anéis. O caminhão
voltou a trafegar no dia 23/05/2013, ocorre que, no dia seguinte à
entrega o veículo apresentou problemas.
Procuradas, as apeladas encaminharam o veículo
ao pátio da mecânica e, novamente abriram o motor, após a análise das
peças foi constatada a falta de manutenção/retífica em um componente do
motor. Uma terceira empresa (Retchap Retifica de Motores) foi contratada
para prestação do serviço e, após devidamente realizado, o motor foi
remontado, sendo necessária para tanto, a nova troca do kit de camisas,
pistões e anéis.
Ao fim,
pelos serviços prestados, as apeladas cobraram o valor de R$ 15.232,26
(quinze mil, duzentos e trinta e dois reais e vinte e seis centavos). No
entanto, a apelante reconhece apenas o débito no valor de R$ 9.964,00
(nove mil, novecentos e sessenta e quatro reais), já depositado em juízo
(fls. 39/40), aduzindo a cobrança irregular por duplicidade da
importância de R$ 4.929,48 (quatro mil, novecentos e vinte e nove reais e
quarenta e oito centavos).
1. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor com a inversão do ônus da prova.
Convém
esclarecer que às relações comerciais estabelecidas entre as partes,
quais sejam, entre a empresa BC Auto Peças e Serviços e a autora, a
compra e venda de produto e, entre a empresa Bianor Celuppi ME/BR
Serviços Mecânicos e Eletrônicos e a autora, a prestação de serviço,
incidem os ditames na norma consumerista.
Assim se diz
por que, conforme os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor,
respectivamente,
"consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final" e
"fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços".
No caso dos
autos, é evidente que o serviço e os produtos fornecidos pelas empresas
demandadas não integram à cadeia produtiva da demandante, o que já foi
dito nesta Corte de Justiça,
"a autora, do ramo de transporte de cargas e prestação de serviço,
utiliza o veículo para atividades
profissionais, por conseguinte, não há de se afastar a tese de
destinatário final. Segundo a interpretação maximalista do CDC, pouco
importa qual uso será dado ao bem, bastando que não haja finalidade de
revenda." (TJSC, Apelação Cível n. 2014.043044-0, de Içara, rel. Des.
Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 07-10-2014).
No entanto,
embora se reconheça a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao
caso, razão não assiste à apelante no que se refere à inversão do ônus
da prova. O recurso previsto no artigo 6º, inciso VIII, do referido
diploma, tem caráter procedimental, e não de julgamento.
Em decisão
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro
Mauro Campbell Marques, acerca da inversão do ônus da prova,
prolatou-se que
"a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o
saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior -
garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar
suas provas". (AgRg no REsp 1450473/SC, Segunda Turma, julgado em
23/09/2014, DJe 30/09/2014).
A referida
decisão no corpo do acórdão esclarece que, ainda que a inversão se dê ao
tempo da sentença, tal medida não prejudica o demandado, pois desde o
início da lide ele, assim como o demandante, estão cientes da sua
responsabilidade de comprovarem tudo aquilo que estiver dentro de suas
possibilidades.
Assim, observa-se que, independentemente da inversão do
onus probandi, oportunizou-se às partes a produção de todas as
provas cabíveis. Além disso, o indeferimento da prova pericial ocorreu
em razão da inconteste alteração de
status das peças do motor do caminhão, que já foram retificadas e
por isso perderam as características que deveriam ser analisadas pelo
perito, não se justificando a realização do ato.
Em sendo
assim, cumprindo a ré com o disposto no art. 373, inciso II, do CPC,
esvazia-se a pretensão de inversão do ônus probatório.
2. Da cobrança em duplicidade.
A
apelante alega a cobrança indevida da quantia de R$ 4.929,48 (quatro
mil, novecentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos),
sustenta que o valor se refere à cobrança em duplicidade da mão de obra e
de um kit de peças do motor do caminhão (jogos de pistões, camisas e
anéis) e, que o fato gerador da substituição das referidas peças, em um
segundo momento, teria sido um defeito no produto, ou ainda, na execução
do serviço realizado pela mecânica e, que jamais teria se comprometido
com a contratação de serviços externos por conta própria.
As
apeladas, por sua vez, alegam que a substituição do kit é fruto da
negligência do representante da apelante, Sr. Danilo Cordenunzzi;
esclarecem que na primeira vez em que o motor do caminhão foi aberto
houve a constatação da necessidade da manutenção/retífica de algumas
peças e, que o Sr. Danilo se responsabilizou pessoalmente pela
contratação do referido serviço.
Com o
retorno das peças, supostamente retificadas à mecânica, o motor foi
montado e o caminhão entregue, voltando a apresentar problemas no dia
seguinte. Após novamente aberto o motor, aferiu-se que um componente não
havia sido retificado, conforme anteriormente afirmado pelo Sr. Danilo,
o que foi admitido por ele quando confrontado. Por essa razão a empresa
Retchap foi contratada para realização da retífica da peça (cabeçote),
sendo necessária a substituição do kit de camisas, pistões e anéis, que
foram danificados pelo desgaste do componente que não recebeu a devida
manutenção.
É fato
incontroverso nos autos que houve a troca das referidas peças por duas
vezes, o que se discute é a razão de tal fato, se por ineficiência das
rés na execução do serviço contratado, ou então, por negligência da
autora quanto a realização de um reparo em outro componente do motor que garantiria o bom funcionamento daquelas peças, com a contratação sob sua responsabilidade.
Com
efeito, como bem salientou o Magistrado condutor da lide na sentença
objurgada, é temerário acolher a pretensão da autora, no sentido de
desconsiderar parte dos valores cobrados pelas requeridas, pois as
provas produzidas nos autos são insuficientes para comprovar que a
substituição repetida das peças foi causada pela má prestação do serviço
pelas rés.
Ademais, o exame dos autos, revela que a ordem de serviço (fl. 35) diz
respeito à contratação do serviço terceirizado de regulagem da bomba
junto à empresa Conda Comercial Eletro Diesel Ltda., pessoalmente pelo
representante da apelante, Sr. Danilo Cordenunzzi, no dia 20/05/2013, ou
seja, data anterior à primeira montagem do motor, o que foi confirmado
pela testemunha Carlos Alberto Giotto, funcionário da empresa.
O que
corrobora com a tese apresentada pelas apeladas, confirmada pelo
depoimento das testemunhas Juliano Olivo Soldi e Neori Kranz, mecânicos
da BC Auto Peças e Serviços, de que a apelante, representada pelo Sr.
Danilo Cordenunzzi, responsabilizou-se pela contratação do serviço de
manutenção/retífica de algumas peças do motor na primeira vez em que foi
aberto para conserto.
E,
ainda, às fls. 25/26 a demandada trouxe aos autos as notas de prestação
de serviço da empresa Retioeste Retífica de Motores, que dizem respeito a
serviços por ela contratados em data anterior à primeira montagem do
motor, nas quais não se identifica a prestação do serviço de
manutenção/retífica do cabeçote, componente que, de forma uníssona,
devido há não correção do desgaste, foi citado pelas testemunhas como
causador dos reiterados problemas, que resultou na necessidade do
refazimento do serviço, com a consequente, substituição de peças já
anteriormente trocadas pelas rés.
Observa-se,
ademais, que o depoimento de Cesar Fabro, funcionário da empresa
Retchap, esclarece sobre a impossibilidade de ser verificada a adequada
realização da retífica do cabeçote, senão pela sua desmontagem,
procedimento realizado na própria retífica, o que demonstra que não
poderia o mecânico da demandada ter verificado a efetiva realização do
serviço.
Ainda do que foi dito pelo funcionário da empresa Retchap, conclui-se que a tempo da primeira montagem do motor e entrega do veículo, realizada dia 23/05/2013, o
"cabeçote" havia sido apenas limpo, não tendo recebido a manutenção devida, o que só foi acontecer quando o veículo voltou a apresentar problemas e foi encaminhado pela segunda vez à oficina mecânica.
Portanto,
extrai-se dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que a causa da
necessária substituição do kit de peças foram os problemas de
funcionamento decorrentes da ausência de manutenção/retífica do
"cabeçote", serviço que deveria ter sido contratado e realizado aos
cuidados do Sr. Danilo Cordenunzzi.
Logo,
devidamente comprovada a ausência de culpa das demandadas na
substituição das peças, que ocorreu por fato de responsabilidade da
demandante, justificando-se a cobrança da integralidade do valor (R$
15.232,26), ainda que tenha sido observada a cobrança dúplice de algum
serviço ou produto, porque devidamente verificada sua necessidade
e efetiva realização.
Portanto,
evidente que as rés/recorridas se desincumbiram do ônus que lhe
competiam (art. 373, II, CPC), pois demonstraram, por meio de prova
testemunhal idônea a regularidade da cobrança.
3. Da retenção do veículo como fato gerador de lucros cessantes e danos morais.
A
sentença recorrida reconheceu a licitude da conduta das demandadas que
diante de inadimplemento do conserto impediram a retirada do veículo de dentro do pátio da oficina mecânica, amparando-se no artigo 1.219 do Código de Processo Civil.
É fato notório que a entrega do veículo
às demandadas teve como objetivo único o seu conserto, sem que
houvesse, desse modo, transferência de quaisquer dos direitos inerentes à
propriedade, não estando autorizada, pois, a reter o veículo para cobrar eventual dívida.
Dito isso, as
demandadas na condição de contratadas para fornecimento de produto e
prestação de serviço, não se enquadram na categoria de
"possuidor de boa-fé", a qual se refere o dispositivo, que em casos
excepcionais, autoriza a autotutela.
Ademais, em caso análogo, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VEÍCULO. REPARO. SERVIÇO CONTRATADO. PAGAMENTO. RECUSA. DIREITO DE RETENÇÃO. CONCESSIONÁRIA. BENFEITORIA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA. DETENÇÃO DO BEM.
1. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em definir se a oficina mecânica que realizou reparos em veículo,
com autorização de seu proprietário, pode reter o bem por falta de
pagamento do serviço ou se tal ato configura esbulho, ensejador de
demanda possessória.
2. O direito de retenção
decorrente da realização de benfeitoria no bem, hipótese excepcional de
autotutela prevista no ordenamento jurídico pátrio, só pode ser
invocado pelo possuidor de boa-fé, por expressa disposição do art. 1.219
do Código Civil de 2002.
3. Nos termos do art. 1.196 do Código Civil de
2002, possuidor é aquele que pode exercer algum dos poderes inerentes à
propriedade, circunstância não configurada na espécie.
4. Na hipótese, o veículo
foi deixado na concessionária pela proprietária somente para a
realização de reparos, sem que isso conferisse à recorrente sua posse. A
concessionária teve somente a detenção do bem, que ficou sob sua
custódia por determinação e liberalidade da proprietária, em uma espécie
de vínculo de subordinação.
5. O direito de retenção,
sob a justificativa de realização de benfeitoria no bem, não pode ser
invocado por aquele que possui tão somente a detenção do bem.
6. Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1628385/ES, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017).
Logo, com a
devida vênia, a decisão se funda em incorreção no ponto, vez que
irregular o exercício da autotutela com o objetivo de compelir a
demandada a adimplir o débito decorrente da contratação dos serviços de
manutenção do veículo.
Embora reconhecida a irregularidade da retenção do veículo,
não merece prosperar a pretensão da apelante quanto à percepção de
lucros cessantes. Isso porque, não se ignora que o bem retido faça parte
da frota de veículos utilizados pela autora para o desenvolvimento de
suas atividades econômicas e, que tenha sido trazido aos autos dois
orçamentos de empresas concorrentes que prestam o mesmo serviço (fls.
29/33).
Contudo, os
lucros cessantes não podem ser presumidos, para que ocorra a sua
fixação deve existir a comprovação nos autos de forma contundente, não
bastando à mera alegação da renda percebida. Nesse sentido, verifica-se
que a requerente não demonstrou, de forma cabal, nenhum documento que
levasse a crer na existência dos lucros cessantes, o que poderia ter
sido feito por meio da apresentação de um balanço dos lucros obtidos com
os serviços prestados pelo caminhão nos meses anteriores, ou ainda,
comprovada a inexistência de outro veículo capaz de substitui-lo na empresa.
Desta forma, diante da ausência de comprovação da perda efetiva e real, por parte da autora, não há falar em lucros cessantes.
Por fim,
quanto ao dano moral, impede salientar, que não se desconhece a
possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral, tema inclusive
sumulado pelo STJ (Súm. 227). Entretanto, para que seja possível a
aludida indenização, é preciso que haja uma efetiva ofensa à honra
objetiva da pessoa jurídica, ou seja, um ataque ao seu nome, algo que
denigra sua reputação perante terceiros, como bem explicou o Min. Ruy
Rosado de Aguiar (RSTJ 85/268, 4ª Turma do STJ, 9.8.1995):
"Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da
ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente
à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida
com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima
etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa
ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração
que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um
ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é
ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A
pessoa jurídica, criação de ordem legal, não tem capacidade de sentir
emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à
injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de
uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que
afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua."
Sob tais premissas, conclui-se que a simples restrição indevida ao uso do veículo
não configura, automaticamente, um constrangimento que resulte no dano
moral em favor da pessoa jurídica supostamente lesada, uma vez que, para
a configuração do abalo a sua honra objetiva, tal informação deve se
propagar vinculada negativamente à imagem da apelante, de forma que
atinja seu mercado de atuação e seus efetivos ou potenciais clientes.
Dessa forma, in casu, como prova do abalo à honra objetiva da pessoa jurídica, a autora deveria comprovar que a retenção do veículo maculou sua imagem, disseminando a ideia de má pagadora perante seus clientes.
Contudo,
não é o que se observa, a autora não trouxe prova alguma da ocorrência
de prejuízo ou ofensa a sua reputação. Ademais, não se pode olvidar que
uma vez demonstrada a regularidade do valor cobrado pelas apeladas a
título dos serviços efetivamente prestados à apelante, conclui-se que a
inadimplência da apelante contribuiu para a retenção, ainda que ilegal, do veículo. Logo, inexistente o direito da apelada à indenização por danos morais.
Assim, imperiosa a manutenção da sentença de improcedência.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
Diante
da integral rejeição do apelo, é devida a fixação de honorários
recursais em favor do causídico das rés, os quais se arbitra
equitativamente em 5% (cinco por cento) do valor da causa, a serem
acrescidos ao montante já arbitrado em primeiro grau.
Gabinete Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta
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