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quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Medida desproporcional - Suspensa decisão que proibiu casal devedor de sair de município



25 de setembro de 2019, 16h10


A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão liminar, suspendeu a proibição de viajar imposta a um casal do Rio de Janeiro que responde a ação de insolvência civil em razão de dívida superior a R$ 3 milhões. De forma unânime, o colegiado considerou que a medida coercitiva restringiu de forma desproporcional o direito fundamental de ir e vir.

"É profundamente lamentável a conduta do devedor, há mais de 13 anos protelando o andamento da insolvência. No entanto, penso que tal medida coercitiva é ilegal, uma vez que restringe o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável", afirmou o relator do habeas corpus no STJ, ministro Luis Felipe Salomão.

O ministro destacou que, de acordo com o artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Apesar de constituir instrumento genuíno para assegurar o cumprimento do comando judicial, o relator ponderou que a medida de incursão na esfera de direitos do executado, especialmente direitos fundamentais, não terá legitimidade e configurará coação reprovável quando estiver vazia de respaldo constitucional ou previsão legal, e se não for justificável como defesa de outro direito fundamental.

Segundo ele, os doutrinadores reconhecem que, diante das inúmeras possibilidades de aplicação do artigo 139, IV, é sempre imprescindível avaliar a proporcionalidade da medida, considerando sua adequação e necessidade.

No caso dos autos, Salomão entendeu que a proibição de viagens gera embaraço à liberdade de locomoção, a qual deve ser plena, tendo em vista que a medida de coerção atípica exige demonstração de sua absoluta necessidade e utilidade, sob pena de atingir o direito fundamental constitucional.

Além disso, lembrou que o STJ tem precedentes no sentido de que a obrigação prevista pelo artigo 104 da Lei de Recuperação e Falência — ainda que essa lei pudesse ser aplicada ao caso de insolvência civil — não possui caráter de pena, visando, ao contrário, simplesmente facilitar o curso da ação falimentar, tendo como objetivo a presença do falido para prestar esclarecimentos e participar dos atos processuais.

O dispositivo legal, ressaltou o ministro, não veda a possibilidade de viajar para fora da comarca; apenas a condiciona ao preenchimento de alguns requisitos, como a existência de justo motivo, a comunicação expressa ao juiz e a constituição de procurador.

"Dessa forma, consubstancia coação ilegal à liberdade de locomoção a decisão judicial que estabeleceu a proibição de viajar para fora da comarca em que tramita o processo de insolvência civil, tendo em vista a evidente falta de proporcionalidade e razoabilidade entre o direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretende favorecer (adimplemento de dívida civil), diante das circunstâncias fáticas do caso em julgamento" , concluiu o ministro. O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela 4ª Turma. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

HC 525.378

Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2019, 16h10

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O entendimento do  TJ/SC não disrepa do adotado pelo STJ, senão vejamos: 

Apelação Cível n. 0014512-37.2013.8.24.0018, de Chapecó
Relatora: Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta
   
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA PARCIAL DE DÉBITO C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, PERDAS E DANOS, LUCROS CESSANTES E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIDA A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. NECESSIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. TESE REJEITADA. DEVER DE AMBAS AS PARTES DE PRODUZIR TODAS AS PROVAS CABÍVEIS. DEMANDADAS QUE SE DESINCUMBIRAM DO ÔNUS DE COMPROVAR A LEGALIDADE DA COBRANÇA. IRREGULARIDADE DA RETENÇÃO DO VEÍCULO RECONHECIDA. AUTOTUTELA INAPLICÁVEL AO CASO. LUCROS CESSANTES. INADMISSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE OFENSA À HONRA OBJETIVA DA EMPRESA. PRECEDENTES DESTA CORTE. RECURSO DESPROVIDO.
           Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0014512-37.2013.8.24.0018, da comarca de Chapecó (3ª Vara Cível) em que é Apelante Guindastes Cordenuzzi Ltda ME e Apelados Bianor Celuppi ME/BR Serviços Mecânicos e Eletrônicos e outro:
           A Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento. Custas legais.
           O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni.
           Florianópolis, 3 de setembro de 2019.
Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta
RELATORA
            RELATÓRIO
           Guindastes Cordenunzzi Ltda. ME ajuizou ação declaratória de inexistência parcial de débito cumulada com pedido de antecipação de tutela, perdas e danos, lucros cessantes e danos morais contra Bianor Celuppi ME/BR Serviços Mecânicos e Eletrônicos e BC Auto Peças e Serviços, alegando a cobrança em duplicidade de peças trocadas do motor do caminhão Volkswagem/35300, placa LYW9635, que ao apresentar problemas de funcionamento, foi encaminhado à oficina mecânica (primeira ré) para manutenção, tendo a segunda ré, parceira comercial da primeira, fornecido as peças necessárias ao conserto do veículo.
           O pedido liminar de reintegração de posse foi deferido (fls. 58/59) e o veículo devolvido a autora (fl. 67), regularmente processado o feito, foram apresentadas as alegações finais (fls. 193/196 e 200/206).
           Na sentença, o magistrado julgou improcedentes os pedidos iniciais, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, condenando a autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa (fls. 207/211).
                 Inconformada, a autora, nas razões recursais, requereu a procedência dos pedidos iniciais para obter: 1 - a incidência do Código de Defesa do Consumidor, invertendo-se o ônus da prova; 2 - a declaração de inexistência do débito no valor de R$ 4.929,48 (quatro mil, novecentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos); 3 - a indenização por lucros cessante e danos morais em quantia a ser fixada por esta Corte de Justiça.
                 Com as contrarrazões pela manutenção da sentença (fls. 232/252), vieram os autos conclusos.

  VOTO
           Trata-se de recurso de apelação cível interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, e a condenou ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor da causa.
                 Em 09/05/2013, a apelante contratou com as apeladas o conserto do motor do caminhão e o fornecimento de peças para a realização dos reparos necessários, entre elas o kit de camisas, pistões e anéis. O caminhão voltou a trafegar no dia 23/05/2013, ocorre que, no dia seguinte à entrega o veículo apresentou problemas.
                 Procuradas, as apeladas encaminharam o veículo ao pátio da mecânica e, novamente abriram o motor, após a análise das peças foi constatada a falta de manutenção/retífica em um componente do motor. Uma terceira empresa (Retchap Retifica de Motores) foi contratada para prestação do serviço e, após devidamente realizado, o motor foi remontado, sendo necessária para tanto, a nova troca do kit de camisas, pistões e anéis.
                 Ao fim, pelos serviços prestados, as apeladas cobraram o valor de R$ 15.232,26 (quinze mil, duzentos e trinta e dois reais e vinte e seis centavos). No entanto, a apelante reconhece apenas o débito no valor de R$ 9.964,00 (nove mil, novecentos e sessenta e quatro reais), já depositado em juízo (fls. 39/40), aduzindo a cobrança irregular por duplicidade da importância de R$ 4.929,48 (quatro mil, novecentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos).
                 1. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor com a inversão do ônus da prova.
           Convém esclarecer que às relações comerciais estabelecidas entre as partes, quais sejam, entre a empresa BC Auto Peças e Serviços e a autora, a compra e venda de produto e, entre a empresa Bianor Celuppi ME/BR Serviços Mecânicos e Eletrônicos e a autora, a prestação de serviço, incidem os ditames na norma consumerista.
           Assim se diz por que, conforme os artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" e "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
           No caso dos autos, é evidente que o serviço e os produtos fornecidos pelas empresas demandadas não integram à cadeia produtiva da demandante, o que já foi dito nesta Corte de Justiça, "a autora, do ramo de transporte de cargas e prestação de serviço, utiliza o veículo para atividades profissionais, por conseguinte, não há de se afastar a tese de destinatário final. Segundo a interpretação maximalista do CDC, pouco importa qual uso será dado ao bem, bastando que não haja finalidade de revenda." (TJSC, Apelação Cível n. 2014.043044-0, de Içara, rel. Des. Denise Volpato, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 07-10-2014).
           No entanto, embora se reconheça a incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso, razão não assiste à apelante no que se refere à inversão do ônus da prova. O recurso previsto no artigo 6º, inciso VIII, do referido diploma, tem caráter procedimental, e não de julgamento.
           Em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, acerca da inversão do ônus da prova, prolatou-se que "a decisão que a determinar deve - preferencialmente - ocorrer durante o saneamento do processo ou - quando proferida em momento posterior - garantir a parte a quem incumbia esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas". (AgRg no REsp 1450473/SC, Segunda Turma, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014).
           A referida decisão no corpo do acórdão esclarece que, ainda que a inversão se dê ao tempo da sentença, tal medida não prejudica o demandado, pois desde o início da lide ele, assim como o demandante, estão cientes da sua responsabilidade de comprovarem tudo aquilo que estiver dentro de suas possibilidades.
           Assim, observa-se que, independentemente da inversão do onus probandi, oportunizou-se às partes a produção de todas as provas cabíveis. Além disso, o indeferimento da prova pericial ocorreu em razão da inconteste alteração de status das peças do motor do caminhão, que já foram retificadas e por isso perderam as características que deveriam ser analisadas pelo perito, não se justificando a realização do ato.
           Em sendo assim, cumprindo a ré com o disposto no art. 373, inciso II, do CPC, esvazia-se a pretensão de inversão do ônus probatório.
           2. Da cobrança em duplicidade.
                 A apelante alega a cobrança indevida da quantia de R$ 4.929,48 (quatro mil, novecentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos), sustenta que o valor se refere à cobrança em duplicidade da mão de obra e de um kit de peças do motor do caminhão (jogos de pistões, camisas e anéis) e, que o fato gerador da substituição das referidas peças, em um segundo momento, teria sido um defeito no produto, ou ainda, na execução do serviço realizado pela mecânica e, que jamais teria se comprometido com a contratação de serviços externos por conta própria.
                 As apeladas, por sua vez, alegam que a substituição do kit é fruto da negligência do representante da apelante, Sr. Danilo Cordenunzzi; esclarecem que na primeira vez em que o motor do caminhão foi aberto houve a constatação da necessidade da manutenção/retífica de algumas peças e, que o Sr. Danilo se responsabilizou pessoalmente pela contratação do referido serviço.
                 Com o retorno das peças, supostamente retificadas à mecânica, o motor foi montado e o caminhão entregue, voltando a apresentar problemas no dia seguinte. Após novamente aberto o motor, aferiu-se que um componente não havia sido retificado, conforme anteriormente afirmado pelo Sr. Danilo, o que foi admitido por ele quando confrontado. Por essa razão a empresa Retchap foi contratada para realização da retífica da peça (cabeçote), sendo necessária a substituição do kit de camisas, pistões e anéis, que foram danificados pelo desgaste do componente que não recebeu a devida manutenção.
                 É fato incontroverso nos autos que houve a troca das referidas peças por duas vezes, o que se discute é a razão de tal fato, se por ineficiência das rés na execução do serviço contratado, ou então, por negligência da autora quanto a realização de um reparo em outro componente do motor que garantiria o bom funcionamento daquelas peças, com a contratação sob sua responsabilidade.
                 Com efeito, como bem salientou o Magistrado condutor da lide na sentença objurgada, é temerário acolher a pretensão da autora, no sentido de desconsiderar parte dos valores cobrados pelas requeridas, pois as provas produzidas nos autos são insuficientes para comprovar que a substituição repetida das peças foi causada pela má prestação do serviço pelas rés.
                  Ademais, o exame dos autos, revela que a ordem de serviço (fl. 35) diz respeito à contratação do serviço terceirizado de regulagem da bomba junto à empresa Conda Comercial Eletro Diesel Ltda., pessoalmente pelo representante da apelante, Sr. Danilo Cordenunzzi, no dia 20/05/2013, ou seja, data anterior à primeira montagem do motor, o que foi confirmado pela testemunha Carlos Alberto Giotto, funcionário da empresa.
                 O que corrobora com a tese apresentada pelas apeladas, confirmada pelo depoimento das testemunhas Juliano Olivo Soldi e Neori Kranz, mecânicos da BC Auto Peças e Serviços, de que a apelante, representada pelo Sr. Danilo Cordenunzzi, responsabilizou-se pela contratação do serviço de manutenção/retífica de algumas peças do motor na primeira vez em que foi aberto para conserto.
                 E, ainda, às fls. 25/26 a demandada trouxe aos autos as notas de prestação de serviço da empresa Retioeste Retífica de Motores, que dizem respeito a serviços por ela contratados em data anterior à primeira montagem do motor, nas quais não se identifica a prestação do serviço de manutenção/retífica do cabeçote, componente que, de forma uníssona, devido há não correção do desgaste, foi citado pelas testemunhas como causador dos reiterados problemas, que resultou na necessidade do refazimento do serviço, com a consequente, substituição de peças já anteriormente trocadas pelas rés.
                 Observa-se, ademais, que o depoimento de Cesar Fabro, funcionário da empresa Retchap, esclarece sobre a impossibilidade de ser verificada a adequada realização da retífica do cabeçote, senão pela sua desmontagem, procedimento realizado na própria retífica, o que demonstra que não poderia o mecânico da demandada ter verificado a efetiva realização do serviço.
                 Ainda do que foi dito pelo funcionário da empresa Retchap, conclui-se que a tempo da primeira montagem do motor e entrega do veículo, realizada dia 23/05/2013, o "cabeçote" havia sido apenas limpo, não tendo recebido a manutenção devida, o que só foi acontecer quando o veículo voltou a apresentar problemas e foi encaminhado pela segunda vez à oficina mecânica.
           Portanto, extrai-se dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que a causa da necessária substituição do kit de peças foram os problemas de funcionamento decorrentes da ausência de manutenção/retífica do "cabeçote", serviço que deveria ter sido contratado e realizado aos cuidados do Sr. Danilo Cordenunzzi.
           Logo, devidamente comprovada a ausência de culpa das demandadas na substituição das peças, que ocorreu por fato de responsabilidade da demandante, justificando-se a cobrança da integralidade do valor (R$ 15.232,26), ainda que tenha sido observada a cobrança dúplice de algum serviço ou produto, porque devidamente verificada sua necessidade e efetiva realização.
           Portanto, evidente que as rés/recorridas se desincumbiram do ônus que lhe competiam (art. 373, II, CPC), pois demonstraram, por meio de prova testemunhal idônea a regularidade da cobrança.
                 3. Da retenção do veículo como fato gerador de lucros cessantes e danos morais.
                 A sentença recorrida reconheceu a licitude da conduta das demandadas que diante de inadimplemento do conserto impediram a retirada do veículo de dentro do pátio da oficina mecânica, amparando-se no artigo 1.219 do Código de Processo Civil.
           É fato notório que a entrega do veículo às demandadas teve como objetivo único o seu conserto, sem que houvesse, desse modo, transferência de quaisquer dos direitos inerentes à propriedade, não estando autorizada, pois, a reter o veículo para cobrar eventual dívida.
           Dito isso, as demandadas na condição de contratadas para fornecimento de produto e prestação de serviço, não se enquadram na categoria de "possuidor de boa-fé", a qual se refere o dispositivo, que em casos excepcionais, autoriza a autotutela.
                 Ademais, em caso análogo, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
    RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VEÍCULO. REPARO. SERVIÇO CONTRATADO. PAGAMENTO. RECUSA. DIREITO DE RETENÇÃO. CONCESSIONÁRIA. BENFEITORIA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA. DETENÇÃO DO BEM.
    1. A controvérsia a ser dirimida no recurso especial reside em definir se a oficina mecânica que realizou reparos em veículo, com autorização de seu proprietário, pode reter o bem por falta de pagamento do serviço ou se tal ato configura esbulho, ensejador de demanda possessória.
    2. O direito de retenção decorrente da realização de benfeitoria no bem, hipótese excepcional de autotutela prevista no ordenamento jurídico pátrio, só pode ser invocado pelo possuidor de boa-fé, por expressa disposição do art. 1.219 do Código Civil de 2002.
    3. Nos termos do art. 1.196 do Código Civil de 2002, possuidor é aquele que pode exercer algum dos poderes inerentes à propriedade, circunstância não configurada na espécie.
    4. Na hipótese, o veículo foi deixado na concessionária pela proprietária somente para a realização de reparos, sem que isso conferisse à recorrente sua posse. A concessionária teve somente a detenção do bem, que ficou sob sua custódia por determinação e liberalidade da proprietária, em uma espécie de vínculo de subordinação.
    5. O direito de retenção, sob a justificativa de realização de benfeitoria no bem, não pode ser invocado por aquele que possui tão somente a detenção do bem.
    6. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1628385/ES, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017).
           Logo, com a devida vênia, a decisão se funda em incorreção no ponto, vez que irregular o exercício da autotutela com o objetivo de compelir a demandada a adimplir o débito decorrente da contratação dos serviços de manutenção do veículo.
           Embora reconhecida a irregularidade da retenção do veículo, não merece prosperar a pretensão da apelante quanto à percepção de lucros cessantes. Isso porque, não se ignora que o bem retido faça parte da frota de veículos utilizados pela autora para o desenvolvimento de suas atividades econômicas e, que tenha sido trazido aos autos dois orçamentos de empresas concorrentes que prestam o mesmo serviço (fls. 29/33).
           Contudo, os lucros cessantes não podem ser presumidos, para que ocorra a sua fixação deve existir a comprovação nos autos de forma contundente, não bastando à mera alegação da renda percebida. Nesse sentido, verifica-se que a requerente não demonstrou, de forma cabal, nenhum documento que levasse a crer na existência dos lucros cessantes, o que poderia ter sido feito por meio da apresentação de um balanço dos lucros obtidos com os serviços prestados pelo caminhão nos meses anteriores, ou ainda, comprovada a inexistência de outro veículo capaz de substitui-lo na empresa.
           Desta forma, diante da ausência de comprovação da perda efetiva e real, por parte da autora, não há falar em lucros cessantes.
                 Por fim, quanto ao dano moral, impede salientar, que não se desconhece a possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral, tema inclusive sumulado pelo STJ (Súm. 227). Entretanto, para que seja possível a aludida indenização, é preciso que haja uma efetiva ofensa à honra objetiva da pessoa jurídica, ou seja, um ataque ao seu nome, algo que denigra sua reputação perante terceiros, como bem explicou o Min. Ruy Rosado de Aguiar (RSTJ 85/268, 4ª Turma do STJ, 9.8.1995):
    "Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação de ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua."
           Sob tais premissas, conclui-se que a simples restrição indevida ao uso do veículo não configura, automaticamente, um constrangimento que resulte no dano moral em favor da pessoa jurídica supostamente lesada, uma vez que, para a configuração do abalo a sua honra objetiva, tal informação deve se propagar vinculada negativamente à imagem da apelante, de forma que atinja seu mercado de atuação e seus efetivos ou potenciais clientes.
                 Dessa forma, in casu, como prova do abalo à honra objetiva da pessoa jurídica, a autora deveria comprovar que a retenção do veículo maculou sua imagem, disseminando a ideia de má pagadora perante seus clientes.
                 Contudo, não é o que se observa, a autora não trouxe prova alguma da ocorrência de prejuízo ou ofensa a sua reputação. Ademais, não se pode olvidar que uma vez demonstrada a regularidade do valor cobrado pelas apeladas a título dos serviços efetivamente prestados à apelante, conclui-se que a inadimplência da apelante contribuiu para a retenção, ainda que ilegal, do veículo. Logo, inexistente o direito da apelada à indenização por danos morais.
                 Assim, imperiosa a manutenção da sentença de improcedência.
           Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
                 Diante da integral rejeição do apelo, é devida a fixação de honorários recursais em favor do causídico das rés, os quais se arbitra equitativamente em 5% (cinco por cento) do valor da causa, a serem acrescidos ao montante já arbitrado em primeiro grau.

Gabinete Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta

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