Com efeito, acredita-se frequentemente, com criminosa leviandade, que politizar as massas é pronunciar diante delas, de vez em quando, um grande discurso político.
Pensa-se que basta a um líder ou a um dirigente falar em tom doutoral dos grandes problemas da atualidade, para estar do imperioso dever de politização das massas; Ora, politizar, é abrir o, espírito, é despertar o espírito, dar à luz o espírito. É, como disse Césaire, "inventar almas". Politizar as massas não é, não pode ser, fazer um discurso político. É obstinar-se com fúria em fazer com que as massas compreendam que tudo depende delas, que se estagnamos é culpa sua e se avançamos é também culpa sua, que não há demiurgo, que, não há homem ilustre e responsável por tudo, más que o demiurgo é o povo e que as mãos mágicas são em última análise, as mãos do povo.
Para realizar essas coisas, para as corporificar verdadeiramente, repetimos, é preciso descentralizar ao máximo.
A circulação, do cume à base e da base ao cume deve ser um principio rígido, não por amor ao formalismo mas porque simplesmente o respeito por este princípio é a garantia da salvação. É da base que sobem as forças que dinamizam o cume e lhe permitem dialeticamente dar um novo salto.
Ainda uma vez nós, argelinos, compreendemos bem rapidamente essas coisas porque nenhum membro de nenhuma cúpula teve a possibilidade de se orgulhar de qual quer missão de salvação.
É a base que luta na Argélia, e esta base não ignora que sem seu combate cotidiano, heroico e difícil, a cúpula não se sustentaria. Como sabe também que sem uma cúpula e uma direção a base estouraria na incoerência e na anarquia.
A cúpula só tira seu valor e sua soli dez da existência do povo em combate. A rigor, é o povo que busca livremente uma cúpula e não esta que tolera o povo.
As massas têm de saber que o governo é o e o partido estão a serviço delas.
Um povo digno, isto é, um povo consciente de sua dignidade, é um. povo. que jamais esquece essas evidências.
Durante a ocupação colonial foi dito ao povo que era necessário que ele desse sua vida pelo triunfo da dignidade.
Mas os povos africanos perceberam bem depressa que sua dignidade não era contestada somente pelo ocupante.
Os 162 povos africanos entenderam com rapidez que havia uma equi valência absoluta entre a dignidade e a soberania.
De fato, um povo digno e livre é soberano. Um povo digno é um povo responsável. E é inútil "mostrar" que os povos africanos são infantis ou débeis.
Um governo e um partido têm o povo que merecem. E num prazo mais ou menos longo, um povo tem o governo que merece.
FRANTZ FANON - Os condenados da Terra
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