.Reportagem da Folha Universal comenta sobre a campanha "Serra é do bem" associando o nome do candidato ao de Jesus Cristo
Na mão do clero
A Igreja Católica é
acusada de tentar interferir nas eleições presidenciais brasileiras de
maneira direta, tomando parte em uma campanha difamatória agressiva
contra a candidata à presidência da República Dilma Rousseff (PT) e, ao
mesmo tempo, declarando apoio ao candidato da oposição José Serra
(PSDB).
Em pleitos anteriores, os representantes das organizações
oficiais do Vaticano no País, como a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), chegaram a demonstrar simpatia por um ou outro candidato,
mas, segundo especialistas, não há registro de um ataque tão intenso e
de tentativas tão diretas de misturar religião e política nas eleições
presidenciais.
“É um ativismo religioso extremamente conservador e moralista. O
debate não está sendo feito com base em questões econômicas ou sociais
como distribuição de renda, mas sim focado em questões moralistas. É um
movimento que acontece há algumas eleições, mas agora se apresenta de
forma clara em uma disputa presidencial. Isso é novo”, analisa a
professora Maria das Dores Campos Machado, coordenadora do Núcleo de
Pesquisa de Religião, Gênero, Ação Social e Política da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ela ressalta que o Estado é laico e tal interferência é um
atropelo no aparato institucional da República e um desrespeito com a
ordem democrática. “A igreja católica pode achar ruim as pílulas
anticoncepcionais, mas não pode querer transformar isso em lei. Não pode
obrigar quem é evangélico a deixar de tomar pílula ou utilizar
preservativos, isso não pode virar legislação. O Estado não pode atender
um e sacrificar os outros, é preciso respeitar todos.
E a legislação tem que ser feita para todos, não para um grupo. É
muito negativa a participação destes religiosos da maneira que estão
atuando hoje”, completa.
No episódio mais recente, a Polícia Federal apreendeu no domingo
(17) cerca de 2 milhões de panfletos com mensagem contrária ao PT e a
Dilma Rousseff, e assinados por bispos católicos da Regional Sul 1 da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que reúne as dioceses
do Estado de São Paulo (leia mais na página 17). Os papéis foram
encontrados por militantes do PT, que fizeram a denúncia. “Embora não
possamos fazer acusações definitivas, há indícios veementes que esse
panfleto pode ter sido produzido pelo nosso adversário. A gráfica tem
como sócia Arlety Kobayashi, irmã de Sérgio Kobayashi, que é o
coordenador de infraestrutura da campanha do candidato José Serra. É
indiscutível a relação da proprietária da gráfica com o PSDB e com o
candidato José Serra.
Sendo assim, é evidente que não poderíamos deixar de ter postura
pública e pedir explicação sobre esses fatos”, declarou o coordenador
jurídico da campanha de Dilma, deputado José Eduardo Cardozo.
Ele anunciou ainda que o partido tomará medidas judiciais contra a
distribuição dos panfletos, os mesmos que já haviam sido distribuídos no
dia 12 deste mês em missas de homenagem a Nossa Senhora Aparecida no
santuário Nacional de Aparecida do Norte (SP) e em Contagem (MG) (leia
mais no texto ao lado).
Nesse mesmo dia, os religiosos também aproveitaram a presença de Serra
em missa em Aparecida do Norte para, por meio da “TV Aparecida” e demais
retransmissoras católicas, exibir durante 10 minutos imagens do
candidato e de sua mulher, Monica Serra.
No passado, argumentos semelhantes, de ameaça à democracia e à
liberdade de expressão, serviram de base para o Golpe de 1964 e a
ditadura que se seguiu. Um exemplo é o editorial do “Jornal do Brasil”
de 1º de abril daquele ano, dia seguinte ao golpe, que afirmava: “Desde
ontem se instalou no País a verdadeira legalidade”.
Os responsáveis pela campanha de Serra se aproveitam de tal
radicalização para tentar angariar votos e reverter a vantagem de Dilma
nas pesquisas. Não é à toa que, nas últimas semanas, o candidato tem
tentado associar sua imagem à religião católica.
Mostra disso é que a campanha conta até com panfletos que, em um
lado, dizem “Jesus é a verdade e a justiça” e, no outro, “Serra é do
bem”. Para analistas políticos, os setores conservadores aproveitam a
busca por votos para ganhar espaço na campanha tucana.
Em 6 de outubro, em uma reunião da cúpula do PSDB, foram
distribuídos panfletos do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (IPCO),
base da Sociedade Brasileira de Defesa de Tradição, Família e
Propriedade (TFP), grupo católico conservador. No site do IPCO, há, por
exemplo, a afirmação de que o PNDH-3 “é a mesma história do início da
Revolução Bolchevique na Rússia!“, uma referência ao início do comunismo
naquele país. A reportagem procurou a assessoria de José Serra (PSDB)
para ouvi-lo, mas ele não se pronunciou até o fechamento desta edição.
A participação dela na campanha ficou marcada pela declaração,
ainda no primeiro turno, de que Dilma era “a favor de matar as
criancinhas”. Oficialmente, a CNBB Nacional nega que esteja fazendo
campanha pela eleição do tucano.
Em nota, os dirigentes nacionais alegam que “a escolha é um ato
livre e consciente de cada cidadão” e dizem lamentar “profundamente que o
nome da CNBB – e da própria Igreja Católica – tenha sido usado
indevidamente ao longo da campanha, sendo objeto de manipulação”. Porém,
em seguida, ressaltam que “é direito – e, mesmo, dever – de cada bispo,
em sua Diocese, orientar seus próprios diocesanos, sobretudo em
assuntos que dizem respeito à fé e à moral cristã”.
Além disso, sobram na internet ataques pessoais feitos a partir
de mensagens eletrônicas anônimas que reúnem acusações graves e sem
fundamento contra a candidata petista, como as que a acusam de ser a
favor do aborto. Fato que Dilma negou em diversas oportunidades.
De acordo com a filósofa e educadora da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Marilena Chaui,
uma das principais intelectuais do Brasil, a maneira como os ataques se
dão são reflexo da ausência de um plano de governo do candidato tucano.
“É evidente que José Serra não tem um projeto de Brasil. Não tem um
projeto de nação. Isso ficou claro na sequência dos programas de
televisão e rádio que ele fez, em que começou pela crítica dos programas
sociais do governo Lula e terminou falando que iria dar continuidade a
eles”, destacou em discurso a professora, em ato em que intelectuais
declararam apoio à candidatura de Dilma. “A ausência desse programa faz
com que se procure inventar um assunto que possa ocupar a opinião
pública, sobretudo por intermédio de uma intervenção de tipo religioso.
Várias igrejas da periferia receberam uma carta vinda do Vaticano a esse
respeito. É preciso impedir que se queira fazer o objeto dessa eleição
um plebiscito nacional sobre o aborto”, ressaltou.
Questionada em entrevista à rede britânica “BBC” sobre a entrada
de temas religiosos na disputa eleitoral brasileira, a senadora Marina
Silva (PV), que foi católica durante 37 anos e hoje é evangélica,
criticou a radicalização do discurso. “Somos um país onde mais de 90%
das pessoas creem em Deus, e esse é um dado de realidade que não se pode
negar. No entanto, precisamos ter a sabedoria de não importar conflitos
religiosos que existem em outros países para o Brasil, onde temos
cultura de respeito pela diferença e pela diversidade. Mas o respeito
pela diferença e pela diversidade pressupõe o direito daqueles que são
evangélicos ou católicos de afirmarem os seus pontos de vista”, destacou
a candidata, que ficou em terceiro lugar nas eleições.
Não faltam exemplos de religiosos católicos que, com o intuito de
cumprir tal “dever”, estão atacando as instituições democráticas
brasileiras. O arcebispo da Paraíba, Aldo Pagotto, por exemplo, gravou e
publicou na internet um vídeo em que, ao atacar Dilma, começa tentando
deslegitimar o processo eleitoral por si só e assustar os fiéis:
“Engana-se quem pensa que esteja em jogo apenas o dilema da escolha dos
candidatos e dos partidos mais capazes de promover o desenvolvimento do
País em uma disputa democrática”, ressalta, no vídeo, Pagotto, para
emendar em tom grave: “A experiência política e a história advertem
amplamente que quando a democracia se converge neste tipo de demagogia
para ganhar voto já é a ditadura no horizonte.”
CASO DE POLÍCIA
A Polícia Federal apreendeu, no último dia 17,
a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 2 milhões de
panfletos que, de acordo com denúncia do Partido dos Trabalhadores (PT),
configuram crime de difamação e propaganda eleitoral negativa contra a
candidatura de Dilma Rousseff (PT). Intitulados “Apelo a Todos os
Brasileiros e Brasileiras”, os folhetos foram encomendados por Luiz
Gonzaga Bergonzini, bispo católico ligado à diocese de Guarulhos (SP), e
continham o brasão da Confederação Nacional dos Bispos (CNBB) e a
assinatura eletrônica de dirigentes da CNBB Regional Sul 1.
A responsável pela impressão é a gráfica Pana, que tem como sócia
Arlety Kobayashi, filiada ao PSDB e irmã de Sérgio Kobayashi,
coordenador de infraestrutura da campanha do partido. Ao longo de quatro
páginas, o texto relaciona o PT e sua candidata à descriminalização do
aborto. Ao final, recomenda que os eleitores “deem seu voto somente a
candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalização do
aborto”.
Segundo Paulo Ogawa, marido de Arlety e pai de Alexandre Ogawa, o
outro sócio da gráfica, os panfletos faziam parte do segundo pedido
feito pela diocese de Guarulhos. Em setembro, foi rodado um lote de 100
mil, ao preço de R$ 3 mil.
Segundo especialistas, o panfleto não cumpre as exigências
necessárias para a divulgação de propaganda eleitoral ao não apresentar o
CNPJ da gráfica, o CPF ou CNPJ de quem encomendou a impressão e a
quantidade de folhetos impressos. “A tiragem é fundamental para que
depois ela possa ser conferida com a prestação de contas”, salienta o
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Tocantins,
Ercílio Bezerra.
O ministro do TSE Henrique Neves da Silva apontou na liminar que
decidiu pela apreensão do material e que, caso seja confirmado que o
pedido partiu da diocese de Guarulhos, a entidade estará descumprindo o
artigo da lei eleitoral que determina que “as igrejas não podem
contribuir com publicidade em favor ou contra candidatos eleitorais”.
Apesar do conteúdo dos panfletos ser idêntico ao publicado no
site da CNBB Regional Sul 1, os bispos católicos de São Paulo emitiram
nota no domingo 17, após a ação da PF, negando a autoria do pedido. “O
Regional Sul 1 da CNBB desaprova a instrumentalização de suas
Declarações e Notas e enfatiza que não patrocina a impressão e a difusão
de folhetos a favor ou contra candidatos”, diz o texto no site.
Dirigentes do PT acreditam que o material possa ter sido pago
pela campanha de Serra. “Queremos saber quem pagou esse panfleto, como
seria distribuído e de que forma. Temos convicção de que chegaremos aos
autores”, disse José Eduardo Cardozo, coordenador jurídico da campanha
de Dilma.Ogawa diz que sua mulher nunca militou pelo PSBD e nega que
tenha trabalhado no Ministério da Fazenda, nomeado pelo então ministro
José Serra. A suspeita surgiu porque, em 2000, Serra nomeou um “Paulo
Ogawa” por meio do decreto nº 3.496. Mas Ogawa diz ser uma confusão.
“Nunca trabalhei em ministério nenhum. Sou conhecido como Paulo, mas meu
nome oficial é Tomomi”, explica.”
Fonte: Folha Universal/Gospeledeovelha
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