Cultura | 08.10.2010
Criador do "El Sistema" na Venezuela fala do poder social da música
O venezuelano
José Antonio Abreu (71) criou há 30 anos em seu país um programa de
formação musical para crianças desfavorecidas chamado El Sistema. Em
três décadas de existência, a iniciativa tornou-se conhecida
mundialmente não apenas por melhorar a posição social de centenas de
milhares de crianças, mas também por formar orquestras e regentes de
nível internacional.
Abreu,
compositor, economista, político, ativista e educador é tido como uma
figura inspiradora e um visionário. Para Ilona Schmiel, diretora do
Festival Beethovenfest, ele personifica o mote do festival em 2010, que
é "Utopia e liberdade na Música".
Em entrevista à
Deutsche Welle, Abreu fala sobre a origem do programa, como ele foi
levado a outros países e sobre a criação de um coral ibero-americano.
Deutsche Welle: Qual era a ideia inicial e quais foram as primeiras experiências com El Sistema?
José Antonio Abreu:
Primeiramente tratou-se de promover a educação musical na Venezuela e
alcançar um patamar para crianças e jovens, para que pudessem trabalhar
e fazer música em conjunto.
Fazer música em
conjunto significa que na orquestra se forma uma pequena comunidade ou
sociedade, que irá trazer inspiração através de objetivos nobres. Era
preciso estar em condições de se unir com comunidades musicais e
orquestras de diferentes estados. Isso nós conseguimos nas capitais dos
24 estados da Venezuela.
O número de crianças
que chegam até nós através da música só é comparável ao interesse
normalmente despertado pelo esporte. Atualmente trabalhamos com 350 mil
crianças e jovens em todo o país, ou seja, atingimos 300 mil famílias.
A criança torna-se um exemplo em casa, no seu bairro e na sua
comunidade. Por isso este projeto é tão social.
Como o senhor
conseguiu atrair crianças de situações tão difíceis, de ambientes onde
predomina a violência, onde pais e vizinhos não dispõem de tempo, pois
precisam trabalhar para sustentar a família?
É preciso superar
muitas barreiras. Mas essa luta é inevitável. Por isso nosso lema é
"Fazer música e lutar". Precisamos ser fortes, ser persistentes e
determinados, para que nossos jovens regentes e maestros assumam a
responsabilidade e não se deixem intimidar.
Para isso é necessária a participação do Estado, que garante esse direito fundamental a seus jovens cidadãos.
Desde 2004 a Orquestra Jovem da Venezuela participa todos os anos do festival Beethovenfest. Como se deu este contato?
A diretora do Beethovenfest nos contatou, entendeu o impacto do nosso trabalho e nos abriu as portas do Beethovenfest.
Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: Maestro Gustavo Dudamel formou-se através do programa 'El Sistema'Que frutos resultaram desse trabalho conjunto?
Naquele tempo nosso
jovem e sensacional regente Gustavo Dudamel pôde dar início à sua
extraordinária carreira. Sua performance aqui [em Bonn] foi sua estreia
internacional. Quando Claudio Abbado, então diretor artístico da
Filarmônica de Berlim, tocou em Caracas, ouviu nossa orquestra e nos
convidou para tocar na Filarmônica.
Abbado iniciou um
intercâmbio, o que levou a uma troca constante entre a orquestra jovem
venezuelana e a Filarmônica de Berlim. Desde então importantes regentes
nos visitam o ano todo e dão cursos.
Existem outras ligações com Bonn, cidade de Beethoven?
Na primeira vez que
nossa orquestra esteve na Alemanha, pudemos visitar o museu Casa de
Beethoven. Esta foi uma experiência emocional, intelectual e artística,
que não se pode expressar com palavras. Pode-se dizer que a orquestra
tem seu coração também em Bonn.
Agora veio uma
segunda geração se apresentar no Beethovenfest: a orquestra sinfônica
de Terésa Careno, cujos músicos têm em média 15 anos.
Quais os princípios fundamentais do El Sistema?
É preciso fazer
música todos os dias. Em segundo lugar, a orquestra precisa se superar.
Isso significa para nós desenvolver um orgulho nacional, no sentido da
autoestima.
Terceiro: quando se
estabelece um sistema de educação musical tão amplo corre-se o risco de
perder qualidade. Isso só pode ser evitado quando realmente se
concentram as forças para obter qualidade. Para isso é necessário se
submeter a parâmetros internacionais.
El Sistema
também serviu de modelo em outros países, como, por exemplo, para a
criação em São Paulo da Sinfônica Heliópolis, que se apresentou no
Beethovenfest a convite da Deutsche Welle. O senhor conhece esse
trabalho?
A Sinfônica
Heliópolis é uma orquestra memorável, que também tem um componente
social muito forte. Conhecemos também alguns maestros que trabalharam
com essa orquestra ou que se formaram lá, pelos quais tenho muita
estima.
E os músicos que não chegam até o topo? Também têm algum benefício social?
Estudos de longo
prazo mostram que uma criança que participa de uma orquestra
automaticamente obtém melhores resultados na escola. Além disso, está
comprovado que as cidades onde temos orquestras têm menos violência e
consumo de drogas.
Qual será a continuidade do El Sistema? Que metas o senhor traçou?
Gostaria que cada
vez mais crianças no mundo tivessem a possibilidade de receber educação
musical. Com jovens da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal
fundamos uma orquestra juvenil ibero-americana.
Como próxima etapa
virá a criação de um coral ibero-americano. Em seguida, pretendemos
promover encontros regulares com orquestras de jovens da Europa, da
Ásia e da Austrália ou com jovens orquestras do Egito, Quênia, Namíbia
e África do Sul.
Entrevista: Rick Fulker (mda)
Revisão: Carlos Albuquerque
Revisão: Carlos Albuquerque
Fonte: DEUTSCHE WELLE
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