Animais
ameaçados de extinção estão se adaptando a lavouras e até a cidades.
Será que os ambientes naturais são imprescindíveis para a conservação?
Aline Ribeiro
Alguns
bichos estão mudando de casa em nome da própria sobrevivência. Eles
fogem de uma onda de extinção de espécies que assola o planeta nas
últimas décadas. A principal causa disso é o desaparecimento de seus
ambientes naturais, os hábitats – substituídos por cidades, lavouras ou
estradas. Mas agora alguns cientistas começam a observar que certos
animais estão conseguindo, aparentemente, se adaptar bem às
transformações.
O que chama a atenção dos pesquisadores é
a rapidez com que os bichos dão mostras de se harmonizar nos novos
meios – e como esses ambientes estão cada vez mais inusitados. Há onças
habitando canaviais, capivaras nadando no poluído Rio Tietê, aves
trocando mata nativa (e rica em alimentos) por reflorestamentos vazios
de biodiversidade. Como essas espécies sobrevivem? Será que as florestas
nativas não são mais necessárias?
NOVOS HABITATS
A onça-parda (à esquerda) prospera nos canaviais. E o charão (à direita) gosta de eucaliptos plantados
A onça-parda (à esquerda) prospera nos canaviais. E o charão (à direita) gosta de eucaliptos plantados
Uma
das descobertas curiosas foi feita pelo engenheiro florestal Laury
Cullen, pesquisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê). Ele
concluiu que, em alguns lugares do interior de São Paulo, as onças estão
gostando da expansão dos canaviais. Animais de topo de cadeia, que
geralmente precisam de longas áreas de florestas nativas para
sobreviver, passaram a frequentar com assiduidade as plantações de
cana-de-açúcar da vizinhança. Usam os canaviais como corredores de
passagem até o próximo oásis de mata rica em presas e abrigo no Parque
Estadual Morro do Diabo.
Para as onças, os canaviais de
agora são melhores que os pastos, que ocupavam as fazendas da região.
Quando os bois eram predominantes, as onças deixavam a floresta em busca
de lanche grátis nas pastagens do vizinho. O vizinho não gostava e
costumava abater felinos a tiros para proteger seu rebanho. O conflito
com os proprietários era grande, até a pecuária sair de cena. “As onças
comem boi, mas não chupam cana. Aí acabou o conflito”, diz Cullen. Há
registros de animais que tiveram a ninhada no meio dos plantios. “Desde
que não haja queimadas, essas plantações funcionam como bons hábitats
para os carnívoros.”
Menos corriqueiro ainda é ver a
proliferação dos bichos nas cidades – as florestas de concreto.
Recentemente, cientistas americanos descobriram que Nova York funciona
como um hot spot (região de alta concentração de biodiversidade) mais
diverso e farto que muitas áreas rurais do entorno. A natureza está
prosperando por ali. Os ursos e as lontras desapareceram. Mas o
ecossistema como um todo nunca foi embora.
Um
olhar rápido para a história da metrópole explica as causas da
abundância em fauna e flora. Nova York foi fundada sobre regiões de
manguezais, riquíssimas em diversidade, onde o rio encontra o mar. Uma
área repleta de riachos, matas, baías e enseadas. Está inserida em um
dos mais complexos estuários ecológicos do mundo. O pesquisador Richard
Pouyat, do Serviço Florestal dos Estados Unidos, concluiu que as matas
urbanas não só têm prosperado nas cidades, mas por causa das cidades. “A
velha ideia de que as áreas urbanas não são ecologicamente
interessantes é falsa”, diz ele. “A única diferença é que elas foram
alteradas.”
Não é preciso ir longe para observar a
adaptação de algumas espécies à civilização. Quem passa pelas marginais
dos rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, já deve ter se perguntado como
algumas aves têm estômago para viver nessas vias. São dezenas de
espécies de pássaros, como corujas, gaviões, joões-de-barro e até
tucanos, que sobrevoam diariamente as águas fétidas dos rios. Sem falar
nas capivaras, que mergulham com tranquilidade em meio ao lixo e à
poluição. Segundo o governo estadual, no mínimo 150 delas se radicaram
nas proximidades das pistas expressas nos últimos anos. Elas resistem
bem à sujeira e ao esgoto. Escolheram estar ali depois de despejadas de
seu hábitat original, quando a cidade invadiu a Mata Atlântica local.
Mesmo
que algumas espécies se adaptem aos novos ambientes, eles não
substituem as paisagens naturais. Para começar, a adaptação extrema é
para poucos. “Só as espécies generalistas, menos restritivas, conseguem
permanecer”, diz o biólogo Fabio Olmos. Além disso, a fauna
frequentemente sai perdendo, até quando encontra novos locais para
viver. É o caso do papagaio-charão em Santa Catarina e no Rio Grande do
Sul. Antigos habitantes das florestas de araucárias do Sul do Brasil,
eles se viram na iminência da falta de abrigo depois da derrubada em
massa de sua moradia original. A araucária, hoje ameaçada de extinção,
tornou-se raridade nas redondezas – e o charão precisou encontrar uma
nova vegetação. Os grupos escolheram os reflorestamentos de pínus e
eucaliptos que vêm tomando conta do Sul do país.
O
biólogo Jaime Martinez, professor da Universidade de Passo Fundo,
acompanha os charões há quase 20 anos. Já chegou a ver bandos de 20 mil
animais dormindo em poucos hectares de floresta plantada. Eles usam a
área só para pernoitar. Há algumas hipóteses para explicar o
comportamento. Uma delas, a mais plausível, é que as aves estejam à
procura de segurança. Por serem locais descampados, com maior
visibilidade e pobres em predadores, os reflorestamentos inspiram
confiança nos papagaios. Mas as áreas funcionam apenas como ajuda. Não
há comida em abundância nem condições para reprodução. “Eles continuam
precisando da araucária para sobreviver”, diz Martinez.
Fonte: Rev. ÉPOCA
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